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A transparência cristã de João Paulo II
2011-05-04 09:43:16

Artigo escrito pelo prelado do Opus Dei a propósito da beatificação de Karol Wojtyla. Em Portugal, o artigo foi publicado pelo Jornal i na edição do passado dia 27 de Abril.

Há anos que se ouvem testemunhos de jovens, e menos jovens, que se sentiram atraídos por Cristo graças às palavras, ao exemplo e à proximidade de João Paulo II. Com a ajuda de Deus, alguns empreenderam um caminho de procura da santidade sem mudar de estado, na vida matrimonial ou no celibato; outros, no sacerdócio ou na vida religiosa. São vários milhares e há quem lhes chame “a geração João Paulo II”.


Qual foi o segredo da eficácia evangelizadora deste extraordinário Papa? É evidente que Karol Wojtylafoi um defensor incansável da dignidade humana, um pastor solícito, um comunicador credível da verdade e um pai, para crentes e não crentes. Mas o Papa que nos guiou na transição do segundo para o terceiro milénio foi, acima de tudo, um homem apaixonado por Jesus Cristo e identificado com Ele.

«Para saber quem é João Paulo II é preciso vê-lo rezar, sobretudo na intimidade da sua capela privada», escreveu um dos biógrafos deste santo Pontífice. E assim é, de facto. Uma das últimas fotografias do seu caminhar terreno, retrata-o na capela privada acompanhando, pela televisão, a Via-sacra que decorria no Coliseu. Naquela Sexta-feira Santa de 2005, João Paulo II não pôde presidir fisicamente ao evento, como fazia nos anos anteriores. Já não conseguia nem falar nem andar. Mas essa imagem espelha a intensidade do momento que estava a viver. Agarrado a um grande crucifixo de madeira, o Papa abraça Jesus na cruz, aproxima o Crucificado do seu coração e beija-O. A imagem de João Paulo II, ancião e doente, unido à Cruz, é um discurso tão eloquente como as suas palavras vigorosas ou as extenuantes viagens.

O novo beato cumpriu com generosidade heróica o mandato de Cristo aos Seus discípulos: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16, 15). Na ânsia de chegar até ao último recanto de África, América, Ásia, Europa e Oceânia, João Paulo II não pensava em si próprio; tinha o ímpeto de gastar a vida em serviço dos outros, o desejo de mostrar a dignidade do ser humano – criado à imagem e semelhança de Deus e redimido por Cristo – e de transmitir a mensagem do Evangelho.

Certa vez, ao fim da tarde, acompanhei D. Álvaro del Portillo – então Prelado do Opus Dei – aos aposentos pontifícios. Enquanto esperávamos a chegada do Papa, ouvimos uns passos cansados, de alguém arrastando os pés, aproximando-se por um corredor; era João Paulo II, muito cansado. D. Álvaro del Portillo exclamou: «Santo Padre, está tão cansado!». O Papa olhou para ele e, com voz amável, explicou: «Se a estas horas não estivesse cansado, seria sinal de que não teria cumprido o meu dever».

O zelo pelas almas transportou-o ao último canto da terra para levar a mensagem de Cristo. Há alguém no mundo que tenha estreitado mais mãos na sua vida, ou tenha cruzado o seu olhar com o de tantas pessoas? Esse esforço, também humano, era outro modo de abraçar e de se unir ao Crucificado.

A universalidade do coração de João Paulo II não só o conduzia a uma actividade que poderíamos chamar exterior: também no seu interior agia operativamente este espírito, assumindo as inquietações do mundo inteiro. Diariamente, a partir da capela privada no Vaticano, percorria o globo. Por isso foi natural a resposta a um jornalista, que perguntou como rezava: a oração do Papa – respondeu – é um «peregrinar pelo mundo inteiro rezando com o pensamento e com o coração». Na sua oração – explicava – emerge «a geografia das comunidades, das Igrejas, das sociedades e também dos problemas que angustiam o mundo contemporâneo»; e, deste modo, o Papa «expõe diante de Deus todas as alegrias e as esperanças e, ao mesmo tempo, as tristezas e preocupações que a Igreja partilha com a humanidade contemporânea».

Esse coração universal e esse impulso missionário levaram-no a dialogar com pessoas de todo o tipo. Isso tornou-se patente durante o Jubileu do ano 2000; quis encontrar-se com crianças, jovens, adultos e idosos; com desportistas, artistas, governantes, políticos, polícias e militares; com trabalhadores do campo, universitários, presos e doentes; com famílias, pessoas do mundo do espectáculo, emigrantes e itinerantes...

A biografia de Karol Wojtyla pode também “ler-se” como um contínuo levar o Evangelho aos mais variados sectores da sociedade humana: às famílias, à escola e à fábrica, ao teatro e à literatura, às cidades de arranha-céus e aos bairros de barracas. A sua história levou-o a perceber com clareza que é possível tornar presente Cristo em todas as circunstâncias, também nos momentos trágicos da guerra mundial e das dominações totalitárias que imperaram na sua terra natal. Nos cenários mais diversos da modernidade, João Paulo II foi portador da luz de Jesus Cristo à humanidade inteira. Com a sua existência ensina-nos a descobrir Deus nas circunstâncias em que nos toca viver.

Numa das suas obras, São Josemaria Escrivá de Balaguer, contempla Jesus na Cruz como Sacerdote Eterno, que «abre os seus braços à humanidade inteira». Penso que o caminhar terreno de João Paulo II foi uma réplica fiel desse Senhor a acolher no Seu Coração todos os homens e mulheres, derramando amor e misericórdia em cada um, com um acento especial para os doentes e os desvalidos.

A vida do cristão é procurar configurar-se com Cristo; e João Paulo II cumpriu-o de modo sublime: por causa da sua heróica correspondência à graça, da sua alegria de filho de Deus, pessoas de todas as raças e condições sociais viram brilhar nele o rosto do Ressuscitado.

A fotografia que referi no início destas reflexões parece-me uma síntese gráfica da vida de João Paulo II: um Papa exausto pelo longo tempo de serviço às almas, que conduz o olhar do mundo para Jesus na Cruz, para que cada um e cada uma encontre aí respostas para as suas interrogações mais profundas. A vida do novo beato é, pois, um exemplo de transparência cristã: tornar visível, através da própria vida, o rosto e os sentimentos misericordiosos de Jesus. Penso que é essa a razão e o segredo da sua eficácia evangelizadora. E estou convencido – assim o peço a Deus – de que a sua elevação aos altares induzirá no mundo e na Igreja uma onda de fé e de amor, de desejos de servir os outros, e de gratidão ao Senhor.

No dia 1 de maio de 2011, na Praça de São Pedro, sob o olhar carinhoso da Mãe da Igreja, poderemos unir-nos a Bento XVI e dizer uma vez mais: «Queremos expressar a nossa profunda gratidão ao Senhor pelo dom de João Paulo II e queremos também agradecer a este Papa por tudo o que fez e sofreu» (Audiência geral, 18 de maio de 2005). Aos que o conhecemos em vida, cabe-nos agora o gostoso dever de o dar a conhecer às gerações vindouras.


+ Javier Echevarría


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