IV DOMINGO DO ADVENTO - De Que Messias Virá a Salvação? O messianismo está mais radicado em nós do que imaginamos. É alimentado pelo sentido de desorientação e pela angústia que experimentamos num mundo marcado por contradições, tragédias e morte, e é mantido vivo pela expectativa da intervenção de alguém que o possa mudar radicalmente.
Cada época teve o seu messianismo.
As pessoas do Renascimento estavam certas de ter posto fim ao sono medieval, a um milénio marcado pela ignorância e pela barbárie, e de ter iniciado a idade de ouro, com a recuperação dos valores clássicos. Veio depois o messianismo da ciência, criadora de progresso e desenvolvimento; considerava-se que pudesse resolver qualquer problema, excepto o da morte. No século xviii, os iluministas estavam convencidos de ter acendido a luz da razão, depois de séculos nos quais as pessoas se tinham deixado conduzir acriticamente por verdades reveladas pelo céu e traduzidas em dogmas. Surgiram depois os messianismos ideológicos da justiça, da liberdade e da democracia, todos portadores de instâncias humanizantes, até pretenderem um culto divino e, tendo-se tornado ídolos, se voltarem contra o homem.
Passaram todas as ideologias e o mundo continua a esperar um salvador. A necessidade de mudança provoca nalgumas pessoas a impaciência, que facilmente conduz ao fanatismo e ao recurso à violência, e, noutras, gera a resignação e fechar-se no próprio e limitado interesse privado.
Há um messias que surge sempre que os sábios, os vencedores e os dominadores deste mundo são forçados a declarar o próprio fracasso: um messias que propõe um reino de paz e justiça que, segundo a sabedoria deste mundo, nunca se há-de realizar. E, no entanto, foi garantido por um mensageiro celeste: é Ele o messias de Deus, e o mundo novo realizar-se-á porque «a Deus nada é impossível».
Para interiorizar a mensagem, repetiremos: - O filho da Virgem Maria é o único Messias que nunca me desiludiu.
PRIMEIRA LEITURAOs últimos anos da vida de David não foram nem fáceis nem tranquilos. O reino, construído à custa de tanto sangue, estava ainda unido, mas já se vislumbravam os primeiros sinais do conflito que estava para voltar a explodir entre as tribos do Sul e as do Norte. A força e o prestígio do grande soberano, já em declínio, não conseguiam conter as tensões. Os povos vizinhos, os Amonitas e os Moabitas, subjugados pela violência, submetidos a trabalhos forçados e obrigados a pagar tributos exorbitantes (2Sm 12, 31), aguardavam apenas o momento oportuno para retomar as hostilidades e libertarem-se do jugo insuportável. Mas a maior preocupação de David era a sua família, as rivalidades entre os seus filhos: Amnon, o primogénito amado, fora assassinado pelo irmão Absalão que, por sua vez, tendo-se revoltado contra o pai, fora morto por Joab. Um outro filho, Quileab, perecera provavelmente durante esta mesma luta familiar; o reino deveria ser entregue a Adonias, o quarto filho, mas as intrigas da ambiciosa Betsabé, a favorita, e de Natan, o profeta da corte, levaram David a designar Salomão como seu sucessor. A luta pelo trono concluiu-se com um novo crime, a morte de Adonias por ordem de Salomão.
É neste ambiente que deve ser enquadrado o trecho que hoje nos é proposto, e que constitui o coração de toda a história de David e o ponto de referência para a história de Israel que se irá seguir.
Para reforçar a unidade do reino, David pensou construir um templo ao Senhor; mas para efectivar um projecto tão ambicioso precisava da aprovação e do apoio de Natan, o único que, com a sua autoridade moral, podia convencer o povo a colaborar na empresa. Tendo assumido a atitude devota das pessoas mais piedosas, David comunicou-lhe as suas intenções: «Como vês, eu moro numa casa de cedro e a arca de Deus está debaixo de uma tenda» (v. 2).
Apanhado de surpresa, Natan deixou-se convencer e aprovou a ideia, mas logo naquela noite, tendo reflectido melhor, deu-se conta que eram já muitos os sacrifícios impostos ao povo e que não era o momento de empreender uma tal construção. No dia seguinte, foi ter com o rei e comunicou-lhe a revelação que tivera da parte de Deus. Na versão do episódio, relatada no livro das Crónicas, é indicada também a razão adoptada pelo profeta: «Tu derramaste muito sangue e fizeste muitas guerras. Não construirás uma casa ao meu nome, pois derramaste, diante de mim, muito sangue sobre a terra. Nascer-te-á um filho que será um homem pacífico. Ele edificará uma casa ao meu nome» (1Cr 22, 8-10).
Depois de ter negado a autorização para construir o templo, Natan pensou que tinha chegado o momento de dar uma resposta a outra das dúvidas angustiantes do rei: que destino terá a incipiente dinastia? David sabia que estavam reunidas todas as condições para que, depois da sua morte, se desencadeasse na sua família uma luta até à última gota de sangue pela posse do trono. Esta era uma situação da qual os inimigos certamente tirariam proveito para fazer desaparecer a jovem dinastia.
Natan fez ao rei uma promessa inaudita: não serás tu a construir uma casa para Deus, mas será Deus quem construirá uma casa para ti, firme, sólida e eterna (v. 11-16).
Na Bíblia, o termo casa não indica apenas o edifício material, mas também a linhagem, a posteridade e foi usado neste sentido pelo profeta. Em nome de Deus, ele garantiu a David que o seu sucessor seria um dos seus filhos, e a sua dinastia nunca seria aniquilada.
Conhecemos dinastias que estiveram no poder durante centenas e até mesmo milhares de anos, mas que depois desapareceram. Quem ouviu Natan pronunciar o oráculo deve ter pensado numa pia mentira, ditada pela deferência e pela compaixão para com o velho soberano. Mas não, pela boca do profeta, Deus empenhava a sua fidelidade com uma promessa solene: a dinastia de David iria durar para sempre. Foi assim que Israel a entendeu e, nos momentos mais difíceis, foi a ela que sempre se referiu, certo de que o Senhor manteria a sua palavra.
Num dia triste de Julho de 587 a.C., aconteceu, no entanto, um facto dramático: os soldados da Babilónia destruíram Jerusalém e puseram fim ao reino davídico. Não se tratou apenas de uma derrota militar, mas de uma dura prova para a fé do povo que se perguntava: «Ter-se-á o Senhor esquecido da sua promessa?» Foram anos de desorientação, enquanto Israel não se convenceu de que as palavras de Deus são irrevogáveis. Devia era olhar para o futuro, esperar a vinda de um descendente de David, a vinda daquele que iria receber do Senhor um reino eterno. Foi o início da esperança messiânica.
A realização desta profecia superou todas as expectativas. Quer David quer Natan sonhavam com um reino deste mundo; porém o Senhor não se limita aos projectos do ser humano, sempre mesquinhos, mas arrasa-os, substituindo-os com os seus, e pede que se confie nele.
Deus suscitou, na família de David, um rei: Jesus, o filho de Maria. Israel esperava um conquistador de impérios, o Senhor respondeu enviando um menino débil, pobre e indefeso. São as surpresas de Deus. Felizes aqueles que, como Maria, estão em condições de as entender e acolher.
SEGUNDA LEITURACom o termo mistério, Paulo quer significar o plano de salvação que, desde toda a eternidade, Deus tem em mente e que, progressivamente, foi revelado aos homens (v. 25).
Deus começou a mostrá-lo com a criação: o mundo que Ele fez existir mediante a palavra – E Deus disse... – ficou, de certa forma, «impregnado» desta palavra divina e pode comunicá-la a quem quer que seja que o contemple com olhos límpidos e coração puro. Desde o início que Ele «não deixou de dar testemunho da sua generosidade, dispensando-vos do céu chuvas e estações de fertilidade, enchendo os vossos corações de alimento e de felicidade» (Act 14, 17).
Depois, falou com maior clareza pela boca dos profetas, enviados para iluminar o seu povo (v. 26).
Por fim, em Cristo, completou a sua revelação: «Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho, que é resplendor da sua glória e imagem fiel da sua substância» (Hb 1, 1-3).
Quando, na cruz, Jesus exclamou: «Tudo está consumado» (Jo 19, 30), não é que quisesse dizer: “Para mim, acabou-se”, mas sim: “Este é o momento mais glorioso da minha vida”, o momento no qual o Pai mostrou até onde vai o seu amor pelo ser humano; agora nada mais tem a acrescentar, o “mistério” foi revelado em toda a sua plenitude.
Nos poucos versículos do trecho de hoje, que constitui a conclusão da Carta aos Romanos, Paulo agradece a Deus por esta revelação. Agora, é claro para todos que os seus pensamentos são de paz, que os seus projectos são de salvação para cada pessoa, e deseja que todos sejam, em Cristo, «um só homem novo», destruindo todo o género de inimizade (Ef 2, 14-18).
EVANGELHOA saudação do anjo a Maria, logo a partir dos primeiros séculos, inspirou os artistas cristãos e é um tema figurativo que está presente em todas as igrejas. As anunciações do Beato Angélico são uma obraprima de graça e doçura; muito célebre também a de Simão Martini, com o anjo Gabriel – criatura incorpórea – que quase se dissolve na luz do fundo dourado, enquanto Maria, visivelmente perturbada, se retrai sem perder no entanto a serenidade do seu esplêndido rosto. As sensações suscitadas por estas obras de arte são encantadoras, e experimentase uma intensa emoção ao ler esta página evangélica. No entanto, depois de um primeiro contacto com o mistério sublime da encarnação do Filho de Deus, é necessário ir à procura da mensagem que o evangelista pretende comunicar. Por este motivo se deve, antes de mais, distinguir o relato de Lucas dos evangelhos apócrifos, nos quais encontramos muitos dos elementos lendários que, a partir do século v, os artistas reproduziram nas suas pinturas. Depois, é preciso ainda definir com exactidão o género literário do trecho, pondo em relevo que este nada tem em comum com as fábulas.
Começamos por uma constatação: não é a primeira vez, na Bíblia, que é anunciado o nascimento extraordinário de uma criança; se confrontarmos estas anunciações, vemos que as personagens chamadas a uma missão extraordinária nascem frequentemente de forma anormal: Isaac foi concebido quando a sua mãe Sara, estéril, tinha já noventa anos e o seu pai, Abraão, tinha cem (Gn 17, 17); as mães de Sansão (Jz 13, 3) e de Samuel (1Sm 1, 5) eram estéreis; os pais do Baptista eram velhos e Isabel era estéril; por isso, não nos surpreende que, nos evangelhos apócrifos, o nascimento de Maria seja apresentado segundo o mesmo esquema: Ana e Joaquim são velhos e a mãe é estéril. Também o nascimento de Jesus acontece de forma extraordinária: Maria é virgem e não teve relações com o marido.
A Bíblia põe em relevo o elemento prodigioso destes nascimentos para mostrar que não são fruto natural da fecundidade humana, mas sim um dom do céu. A salvação, a libertação ou a esperança que estas personagens estão destinadas a trazer ao mundo têm a sua origem em Deus.
Se a estes anúncios de nascimentos extraordinários acrescen tarmos também a vocação de Moisés (Ex 3, 212) e de Gedeão (Jz 6, 1222), teremos outro elemento significativo: todos estes relatos são estruturados da mesma forma, seguem o mesmo esquema, contêm os mesmos elementos, numa palavra: assemelhamse, como tijolos feitos com o mesmo molde. Em primeiro lugar, entra em cena o anjo do Senhor; depois, quem recebe a mensagem divina fica cheio de temor; o anjo anuncia o nascimento de uma criança, indica o nome e especifica a missão à qual está destinada; é levantada uma dificuldade ou apresentada uma objecção à qual o anjo responde dando um sinal que, pontualmente, se realiza.
O anúncio a Maria segue em todos os detalhes este esquema, e por este motivo é difícil estabelecer quais são os elementos do relato que têm uma base histórica e quais os que dependem do artifício literário. Os factos poderiam até ter acontecido exactamente assim como são descritos, e nesse caso o evangelista não poderia narrálos de modo diferente; mas mesmo que a anunciação tivesse sido uma experiência mística interior de Maria, o relato teria sido o mesmo. Para que os seus leitores o compreendessem, Lucas tinha de seguir o esquema fixo que lhe era imposto pelo género bíblico.
O que se pode afirmar, sem sombra de dúvida, é que Lucas não pretendia redigir uma fria reportagem do que aconteceu, assim como, ao contrário dos artistas que parecem concentrar a sua atenção na figura de Maria, ele queria que os olhares se fixassem no Filho de Maria. Aos crentes, mais do que as emoções interiores da Virgem, interessa saber quem é Jesus.
Tendo em conta tudo isto, vamos então à mensagem.
O oráculo solene proferido por Natan marcou profundamente a história e a espiritualidade de Israel. A ele se referiram, nos momentos mais difíceis, os profetas Isaías, Jeremias, Amós, Zacarias e – facto ainda mais surpreendente – até mesmo depois da dinastia davídica ter desaparecido, Jerusalém ter sido destruída e o templo arrasado, um salmista voltou a lembrar ao povo a promessa de Deus: «Jurei a David, meu servo... a sua descendência permanecerá para sempre, e o seu trono será como o Sol, na minha presença; estará firme para sempre como a Lua, testemunha fiel no firmamento» (Sl 89, 4.3738).
Numa situação irremediavelmente perdida, como acreditar que o Senhor manteria a sua promessa? E, no entanto, o salmista estava certo de que, se Deus tinha mostrado poder ao tornar fecunda Sara, poderia também fazer com que nascesse do ventre estéril da virgem Israel o Messias prometido.
Mas também aqui há um elemento de surpresa: enquanto os olhos dos que esperavam a intervenção salvífica do Senhor estavam virados para Jerusalém, Deus pousou o seu olhar numa pequena aldeia, perdida entre as montanhas da Galileia, uma aldeia tão insignificante que nunca tinha sido nomeada no Antigo Testamento. Era habitada por gente simples, pouco instruída e considerada impura porque vivia em contacto com os pagãos. A Filipe, que entusiasmado declarava a sua admiração por Jesus de Nazaré, Natanael respondeu trocista: «De Nazaré pode vir alguma coisa boa?» (Jo 1, 46).
E as surpresas não acabaram. A quem se dirigiu Deus? Quem escolheu? Não um libertador valoroso como Gedeão, nem um herói como Sansão ou um soberano poderoso como Salomão, mas sim uma mulher, uma virgem.
Para nós, hoje, a virgindade é sinal de dignidade e motivo de honra, mas em Israel era apreciada antes do matrimónio, não depois. Para uma rapariga era uma infâmia permanecer virgem para toda a vida, era considerada uma mulher incapaz de atrair sobre si o olhar de um homem. A mulher sem filhos era como uma árvore seca que não dava fruto. Ao termo virgem estava ligada uma conotação depreciativa: nos momentos mais dramáticos da sua história, a cidade de Jerusalém derrotada, humilhada, destruída e sem esperança é chamada virgem Sião (Jr 31, 4; 14, 13), porque nela a vida tinha sido interrompida, era incapaz de gerar.
Maria é virgem não só do ponto de vista biológico, como a Igreja sempre acreditou, mas também no sentido bíblico: é pobre e está consciente de o ser, encontrase na condição de poder apenas ser «cheia da graça» de Deus. Na anunciação, não celebramos a sua integridade moral, da qual certamente ninguém duvida, mas contemplamos as «grandes coisas» que nela operou aquele que é «Potente» e «Santo é o seu nome».
Quem toma em consideração as maravilhas realizadas pelo Senhor na «sua serva» já não pode deixarse abater pela sua própria indignidade, porque compreende que todos estão destinados a ser, nas mãos de Deus, obrasprimas da sua graça.
Lucas é o evangelista dos pobres, nos quais quer infundir alegria e esperança; por este motivo, logo desde a primeira página do seu Evangelho, ele põe em relevo a preferência de Deus pelos últimos, por quem não conta nada, por todos os que são desprezados pelos homens. Tornando fecundo o ventre desértico da virgem Sião e de Maria, mostrou que não há condição de morte que o Senhor não saiba recuperar para a vida. Até mesmo os corações áridos como as areias do deserto Ele transformará em jardins luxuriantes, e estes, regados pela água do Espírito, transformarseão em florestas (Is 32, 15).
Agora já podemos compreender a mensagem central deste trecho.
Alegrate, amada por Deus, o Senhor está contigo (v. 28). São as palavras que o mensageiro celeste dirigiu a Maria. Não as improvisou ao chegar a Nazaré, nem lhe foram ensinadas no céu, antes de partir. Esta saudação era familiar a Maria, porque os profetas já a tinham dirigido à virgem Sião. O primeiro a formulála tinha sido Sofonias, num momento de decadência moral do povo. Indignado com a corrupção existente, tinha pronunciado oráculos terríveis de condenação contra o povo e contra a cidade santa, que se tinha tornado «rebelde, manchada e opressora» (Sf 3, 1). Mas depois, um certo dia muda de tom, e passa das ameaças e castigos à linguagem doce, às palavras consoladoras: «Rejubila, filha de Sião, solta gritos de alegria, povo de Israel! Alegrate e exulta com todo o coração, filha de Jerusalém... não temas» (Sf 3, 1418; Zc 9, 9).
E porquê esta mudança imprevista? Talvez a cidade se tivesse convertido? De maneira nenhuma, apenas um pequeno número de pessoas, um povo humilde e pobre se tinha voltado para o Senhor e começado a confiar nela, enquanto a maior parte continuou distante de Deus. Se considerasse apenas o próprio pecado, certamente Sião tinha todos os motivos para perder a coragem e esperar a ruína. Mas Sofonias convidoua a levantar os olhos e a contemplar o amor do seu Deus. Este é o motivo da exultação: «O Senhor está em ti, salvador potente.»
Pondo na boca do anjo o convite a que se alegre, Lucas identifica Maria com a virgem Sião que se alegra porque nela está presente o Senhor.
Se folhearmos a Bíblia verificaremos que, quando Deus se dirige a alguém, normalmente chama essa pessoa pelo nome. No nosso relato, o nome de Maria é substituído por um epíteto: cheia de graça. Se Deus lhe muda o nome, isto significa que a destina a uma missão particular. Abrão tornouse Abraão porque se devia tornar o pai de muitos povos (Gn 17, 5) e Sarai foi chamada Sara, princesa, porque estava destinada a ser mãe de reis (Gn 17, 15).
Qual é então a missão confiada à «Amada por Deus»? A de proclamar ao mundo aquilo que o Senhor realiza nos pobres que se entregam ao seu amor.
Depois da saudação, o anjo anuncia a Maria o nascimento de um filho ao qual o Senhor Deus dará o trono de seu pai David e reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim (vv. 3233).
Também estas palavras não foram inventadas por Lucas, podemos encontrálas quase iguais na boca de Natan (2Sm 7, 1217). Colocandoas na boca do anjo, o evangelista declara que no filho de Maria se realiza a profecia feita a David: é Jesus o Messias esperado, destinado a reinar eternamente.
É retomado, nas palavras do mensageiro celeste, o tema dos pequenos, que a benevolência de Deus torna grandes. David era um pastor, o mais pequeno dos seus irmãos; Deus foi buscálo às pastagens onde guardava o rebanho e fez dele um rei glorioso. Agora, o Senhor volta a começar por uma situação de pobreza: a família de David decaiu, o reino está destruído, mas o «Potente» intervém, pega num rebento, um filho de David, e entregalhe um reino que não terá fim.
É o convite a não se deixar seduzir por outros messias, a não esperar outros salvadores porque ninguém poderá substituir Jesus. Muitos virão depois dele e dirão: «Sou eu o messias!» (Mt 24, 5) e «farão grandes milagres e prodígios, a ponto de desencaminharem, se possível, até os eleitos» (Mt 24, 24). Terão um sucesso momentâneo, mas – garante o evangelista – só a Jesus foi prometido um reino eterno.
À objecção de Maria o anjo responde: A força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra (v 35). No Antigo Testamento a sombra e a nuvem eram sinais da presença de Deus. Durante o êxodo, Deus precedia o seu povo numa coluna de nuvens (Ex 13, 21), uma nuvem cobria a tenda onde Moisés entrava para encontrar Deus (Ex 40, 3435) e quando o Senhor descia no Sinai para falar com Moisés, o monte ficava coberto por uma nuvem densa (Ex 19, 16).
Ao afirmar que a sombra do Altíssimo a cobrirá, Lucas declara que nela se tornou presente o próprio Deus. Estamos perante uma profissão de fé deste evangelista na divindade do filho de Maria.
As últimas palavras do anjo são: a Deus nada é impossível (v. 37), as mesmas que o Senhor dirigiu a Abraão quando lhe anunciou o nascimento de Isaac (Gn 18, 14). Estas palavras constituem uma afirmação a ser lembrada com frequência e a repetir com ternura, sobretudo a quem se sente demasiado pobre, indigno e pensa que para si já não há esperança de recuperação e de salvação. «A Deus nada é impossível.»
Eis a escrava do Senhor; façase em mim segundo a tua palavra (v. 38). É a resposta de Maria ao chamamento de Deus.
Em muitas pinturas transparece do rosto da Virgem a surpresa – e por vezes quase o espanto – a que, porém, sempre se segue a aceitação da vontade do Senhor.
Este façase, no entanto, não significa uma atitude de condescendência resignada. O verbo grego génoito é um optativo e exprime da parte de Maria um desejo de felicidade, o desejo ardente de ver rapidamente realizado o projecto do Senhor.
Onde chega Deus chega também a alegria. O relato, iniciado com um «Alegrate», concluise com o brado de alegria da Virgem.
Ninguém entendera ainda o projecto de Deus, nem David, nem Natan, nem Salomão, nem os reis de Israel. Todos lhe tinham contraposto os seus próprios sonhos, e dele esperavam apenas que os ajudasse a realizálos. Maria não se comporta como eles, não contrapõe a Deus nenhum projecto seu; perguntalhe apenas que papel lhe quer confiar e, contente, acolhe a sua iniciativa. |