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Catequese do cardeal-patriarca de Lisboa no 4.º Domingo da Quaresma
2011-04-07 16:12:07

“A Santidade”

Introdução

1. Nas catequeses anteriores meditámos naquilo que Cristo, que ama a Igreja com amor de Esposo, espera dela. Ele é a Palavra de Deus, fala-lhe ao coração, espera que a Igreja O escute e entre em diálogo de comunhão. Com ela, seu Povo, celebrou a nova e definitiva Aliança; espera dela a fidelidade a essa nova Aliança, renovada em cada Eucaristia. Todas as concretizações da escuta da Palavra e da fidelidade à Aliança, se reúnem e resumem no grande desafio da vida cristã: a santidade.


O Santo Padre Bento XVI recordou-nos, em texto que já citámos, que a fé cristã não é, sobretudo, uma doutrina ou uma moral, mas o encontro com uma Pessoa, Jesus Cristo e, por Ele, com a Santíssima Trindade. E na Exortação Apostólica confirmou: “de facto a vida cristã caracteriza-se essencialmente pelo encontro com Jesus Cristo que nos chama a segui-l’O” [1]. É, pois, no aprofundamento deste encontro pessoal com Jesus Cristo ressuscitado e, por Ele, com o Pai, no Espírito Santo, que se situa esta possibilidade, que é o maior desafio da nossa vida, o de sermos santos. Não basta conhecer toda a doutrina ou cumprirmos todas as prescrições morais para sermos santos. Ser santo é mergulhar em Deus e, por amor, procurar conhecê-l’O e fazer a sua vontade: seja feita a tua vontade, na terra como no céu.

Só Deus é Santo

2. Santo é o nome de Deus (cf. Sl. 33,21; Am. 2,7). Yahwé, o nome de Deus revelado a Moisés, é substituído por “Santo”; são sinónimos (cf. Sl. 71,22; Is. 5,24). Se é o nome de Deus é muito mais do que um atributo de Deus. Significa e anuncia aquilo que Deus é, o seu mistério, a plenitude da vida, o seu poder e a sua bondade. O seu amor de misericórdia é anúncio importante da santidade de Deus. O Profeta Oseias afirma: “Como poderia eu abandonar-te Efraim? (…) O meu coração salta no meu peito, as minhas entranhas comovem-se dentro de mim. Não me deixarei levar pelo ardor da minha ira, não vou destruir Efraim. Eu sou Deus e não um homem. Eu sou o Santo no meio de ti” (Os. 11,8-9).

Tocar o seu amor de misericórdia é o mais profundo contacto que o homem pode ter com a santidade de Deus. É o início da revelação do seu mistério. O pecado, a dureza do coração, tornam o homem insensível a este mistério da santidade divina, acabam por impedir o conhecimento de Deus, porventura levam à sua negação. Se Deus quer ser conhecido nesse seu mistério de santidade, a redenção do homem é necessária e urgente. O homem precisa de um coração novo para ao menos pressentir a beleza de Deus, o Santo.

Esta redenção que vai tornar o homem capaz de participar na santidade de Deus é realizada por Jesus Cristo, Deus e Homem. Como Filho de Deus, Ele é Santo; como Homem, é o primeiro descendente de Adão a penetrar e a participar na santidade de Deus.

Ao ser concebido no seio de Maria, o Anjo anuncia-lhe que o Menino que vai nascer será Santo e chamar-se-á Filho de Deus (cf. Lc. 1,35). Na sua fidelidade de servo conquistou para os homens seus irmãos a vida e, por isso, Deus O exaltou e Lhe deu um Nome que está acima de todos os nomes (cf. Fil. 2,9). O mesmo Apóstolo Paulo afirma que Ele ressuscitou segundo o Espírito de Santidade (cf. Rom. 1,4). A santidade do Homem Jesus é diferente da de qualquer “justo” do Antigo Testamento. Ele é Santo porque é Deus. N’Ele, tocamos a mesma força espiritual, a mesma profundidade misteriosa. Do seu coração humano brota em pleno o amor misericordioso de Deus. Jesus revela [3] aos seus a majestade da santidade divina. “Eu consagro-me por eles, a fim de que também eles sejam santificados na verdade” (Jo. 17,19).

O Deus Santo e a santidade dos homens

3. Ao longo da História da Salvação, várias vezes surge a questão: quer Deus comunicar a sua santidade aos homens que criou? Desejam os homens ser santos como Deus é Santo?

Da parte de Deus vai-se tornando claro, antes de mais, que é desejo de Deus que os homens, sobretudo o seu Povo escolhido, reconheça a santidade de Deus. Isso corresponde à obrigação de O louvar, de reconhecer a sua glória. Por outro lado, vai-se tomando consciência de que tudo o que Deus toca fica santificado. Quando Deus se revelou a Moisés no fogo da sarça ardente e Moisés se aproximava para ver o fenómeno, ouviu a voz de Deus: “Não te aproximes. Tira as sandálias dos pés, porque é santa a terra que pisas” (Ex. 3,5).

O que Deus toca, fica santo. Por isso o Povo chamará santo a todas as realidades que entram em contacto com Deus: o templo onde Deus habita, sobretudo o “Santo dos Santos”, os objectos do culto, os sacerdotes. Mas é sobretudo quando Deus toca o interior do homem com a sua Palavra, que o homem se torna santo. É o caso dos Profetas: porque foram tocados pela Palavra de Deus, participam da santidade de Deus e podem falar em nome de Deus.

Mas, apesar desta notícia de que a santidade de Deus pode tocar os homens, durante todo o Antigo Testamento permanece a ideia da transcendência misteriosa da santidade de Deus. Há uma certa contradição entre a convicção de que quem tocar o Deus Santo morrerá, e o convite que Deus dirige ao seu Povo para que participe da santidade de Deus: “Sede santos porque Eu, Yahwé, sou Santo” (Lev. 19,2; 20,26).

Este paradoxo só se resolve em Jesus Cristo, Filho de Deus feito Homem, o Santo como Deus é Santo. A Virgem Maria depois de conceber, por acção do Espírito Santo, louva o Senhor e toca, nela, uma verdade tantas vezes rezada e proclamada pelos profetas: “O Todo-poderoso fez em mim maravilhas: Santo é o seu Nome” (Lc. 1,49). Mais uma vez a convicção de que só o que Deus toca se torna santo e que podem participar na santidade de Deus aqueles que se deixam tocar por Deus.

E aqui encontramo-nos com a grande novidade cristã: os que se unem a Cristo ressuscitado, pela fé e pelo baptismo, não são apenas tocados por Cristo, todo o seu ser se une ao de Cristo, são um com Cristo, são “o corpo de Cristo”. O dom do Espírito Santo, no Pentecostes, representa a grande viragem, a grande “passagem”. Unidos a Cristo, os cristãos tornam-se “templos do Espírito Santo” (cf. 1Co. 6,11). Os cristãos participam do ser de Deus, em Cristo ressuscitado, pela fé e pelo baptismo, que os unge com a “unção que vem do Santo” (cf. 1Co. 1,30; Efs. 5,26). Continua a ser verdade que só Deus pode fazer os homens participar da sua santidade e vencer neles os obstáculos do pecado, que os impedia de serem santos como Deus é Santo.

Os caminhos da santidade

4. Vencido esse obstáculo radical, pela redenção de Jesus Cristo, resta ao cristão o longo caminho da sua vida para viver em santidade, porque só no Céu serão definitivamente santos como Deus é santo. É a vida concebida como caminhada de fidelidade, na santidade. Vencido radicalmente o pecado, em Jesus Cristo, sabemos que as suas raízes permanecem em nós, numa luta entre a graça da Páscoa e a força do pecado. A santidade não pode ser só obra de Deus em nós, aceite de forma passiva; tem de ser busca e opção da nossa liberdade. Só podemos ser santos, porque Cristo é Santo, nos comunica o seu Espírito Santo e nos santificou; mas temos de querer ser santos, lutar por isso com as armas que Deus põe ao nosso dispor. A nossa caminhada de santidade é uma batalha que ainda convive com o pecado, que nós podemos vencer, com a força de Deus.

Desde sempre, a Igreja acreditou que ela, corpo de Cristo, é santa, porque dela fazem parte Cristo e o Espírito Santo. Mas essa santidade da Igreja não era sempre evidente, era afirmação de fé: “Creio que a Igreja é santa”, faz parte de todas as antigas profissões de fé. Depende da nossa fidelidade cristã que essa santidade radical da Igreja seja visível, possa ser testemunhada perante o mundo.

5. Continua a ser verdade que só é santo quem Deus toca, quem se deixa trabalhar pela acção de Deus. Antes de mais, pela sua Palavra. Cristo, em todo o seu mistério, é Palavra viva de Deus. Temos de descobrir continuamente a relação entre a escuta da Palavra de Deus e a santidade. É pela sua Palavra que Deus toca o coração do homem. Por isso, sempre que o cristão a acolhe, participa da santidade divina. Esta dimensão aparece continuamente na liturgia: “Se ouvirmos a voz do Senhor, entraremos no lugar do seu repouso”.

Como já vimos noutra Catequese, toda a palavra, todos os meios que a Igreja tem de nos fazer ouvir a voz do Senhor, resumem sempre Cristo Palavra. Deus fala-nos sempre pelo seu Filho Jesus Cristo, o Verbo eterno. Daí a importância decisiva da intimidade com Jesus Cristo para crescermos em santidade. A Exortação Apostólica Post-Sinodal acentua a relação entre a Palavra de Deus e a santidade: “A santidade relacionada com a Palavra de Deus inscreve-se, de certo modo, na tradição profética, na qual a Palavra de Deus se serve da própria vida do profeta. Neste sentido, a santidade na Igreja representa uma hermenêutica da Escritura da qual ninguém pode prescindir. O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. Entrar na sua escola constitui um caminho seguro para efectuar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus” [2].

6. A eficácia da Palavra de Deus, tantas vezes anunciada pelos profetas, continua a acontecer na Igreja através da acção sacramental. A presença da Palavra de Deus na Liturgia é decisiva. Ela constitui o âmbito privilegiado onde Deus nos fala no momento presente da nossa vida. Aí, Deus fala hoje ao seu Povo que escuta e responde3. Na Liturgia, “a Palavra de Deus permanece viva e eficaz pela força do Espírito Santo, e manifesta aquele amor operante do Pai que não cessa jamais de agir em favor de todos os homens. De facto, a Igreja sempre mostrou ter consciência de que, na acção litúrgica, a Palavra de Deus é acompanhada pela acção íntima do Espírito Santo que a torna operante no coração dos fiéis” [4]. A acção sacramental é, hoje, o principal caminho pelo qual Deus continua a santificar a sua Igreja. Devemos descobrir, em silêncio, a conexão entre o que Deus nos diz e o que faz em nós.

A santidade e o amor

7. Ser tocado pelo Deus Santo é mergulhar no amor que Ele é. Deus é amor; ser santo é ser amor. “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei”, é o mandamento novo. É para que aconteça na nossa vida esta explosão do amor, que o Espírito Santo, o Espírito do amor divino, nos foi e continua a ser dado. A santidade é um caminho de cumplicidade com o Espírito Santo. Aprendemos no Catecismo que toda a Lei, portanto toda a moral, se resume ao mandamento do amor: “amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos”. “Ama e faz o que quiseres”, ensinava Santo Agostinho. A santidade cristã é uma fidelidade aos mandamentos, ou seja, ao mandamento do amor. O cristão não se salva porque cumpre uma lei, mas porque unido a Jesus Cristo, mergulha no amor. Todo o bem moral é expressão do amor, a Deus e ao próximo.

Este ardor do amor incendeia-se em Jesus Cristo e alimenta-se na Palavra de Deus. Neste caminho somos confirmados pelo testemunho dos santos, que perceberam a Palavra de Deus no amor e beberam nela o desejo de amar ainda mais. Como diz a Exortação Apostólica, “a interpretação mais profunda da Escritura provém precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação assídua” [5]. “Cada santo constitui uma espécie de raio de luz que brota da Palavra de Deus”. Citemos apenas o exemplo de Santa Teresa do Menino Jesus. Dizia ela: “Apenas lanço o olhar sobre o Evangelho, imediatamente respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr” [6].

É esta a voragem do amor que Deus suscita em nós sempre que nos toca com a sua Palavra que é o “novo ardor” para uma nova evangelização.

Sé Patriarcal, 2 de Abril de 2011

D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca

NOTAS:

1 Verbum Domini (VD), nº 72

2 VD, nº 49

3 VD, nº 52

4 Ibidem

5 VD, nº 48

6 Ibidem

Fonte Ecclesia

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