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A preparação para o Matrimónio na palavra da Igreja (D. José Policarpo)
2010-04-23 00:46:02

Introdução

1. O título da Conferência que me foi pedida sugere que apresente, em síntese, as actuais orientações do Magistério da Igreja para a preparação para o matrimónio. Trata-se de um Magistério abundante, onde se explicita a doutrina católica sobre o sacramento do matrimónio e sobre a família enquanto experiência base da Igreja comunhão, a “Igreja doméstica”, e onde se arriscam mesmo sugestões operacionais de acção pastoral: desde a Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II, à Familiaris Consortio, Exortação Apostólica do Sínodo sobre a Família, e à Evangelium Vitae, de João Paulo II. Por seu lado, o documento do Conselho Pontifício para a Família, de 1996, intitulado “Preparação para o Sacramento do Matrimónio”, que pretende ajudar a traduzir, em dinamismos de novidade pastoral, a doutrina daqueles documentos, interpelando as Conferências Episcopais, os Bispos e as Dioceses, as paróquias, as estruturas de pastoral evangelizadora, sobretudo da juventude, assim como os diversos movimentos que se têm empenhado na pastoral de preparação para o matrimónio. Aliás, o contributo destes diversos movimentos na elaboração do documento ressalta à vista.


A ideia de me limitar a fazer uma síntese desses ensinamentos não me entusiasmou: seria redizer o que já está dito, em documentos disponíveis a todos. Ressalta a convicção de que a preparação para o matrimónio é uma urgência pastoral, com a determinação e a criatividade exigidas pelas profundas alterações culturais da sociedade. Mas, se depois de meditarmos essa palavra lúcida da Igreja, olharmos para a realidade, damo-nos conta das dificuldades em encontrar formas inovadoras de pastoral, que criem um novo dinamismo transformador. Saltou-me à memória a afirmação de um pensador contemporâneo: “quando eu nasci já tinha sido dito tudo sobre a salvação do mundo; só faltava salvar o mundo”.

O Cardeal Walter Kasper, em precioso livro, escrito por ocasião do seu próprio jubileu sacerdotal, diz, referindo-se à profunda mutação cultural da Europa, pátria secular da implantação do cristianismo: “Nesta nova situação, o cristianismo assume, hoje, num sentido que precisa de ser bem compreendido, uma nova fisionomia histórica. Estamos apenas no início desta nova abertura. Claro que a Igreja é sempre a mesma em todos os séculos, mas também é sempre um caminho para descobrir, de maneira nova, a novidade do Evangelho. O Concílio Vaticano II indicou, num tempo concreto, os caminhos para o fazer, e pode ser uma bússola fiável para o seu caminho no século XXI.

Infelizmente, estamos ainda muito longe de termos tomado plenamente consciência das proporções desta mudança, dos desafios a enfrentar e da necessária orientação missionária da pastoral nos nossos países. A força da inércia, uma mentalidade de beato possuidor e o medo do que é novo, são muito grandes. Muitos querem continuar a fazer, o melhor que podem, aquilo que sempre se fez, mas a longo prazo isso não será possível” [1]. Ao lançar este desafio, o Cardeal Kasper refere o dinamismo que já Paulo VI lançou na Evangelii Nuntiandi e João Paulo II, quando fala de uma renovada e nova evangelização. Mas não tinha sido já esse o desafio lançado por João XXIII ao convocar o Concílio? Sensível à profunda mutação cultural da sociedade, o Concílio desafia a Igreja a tomar consciência do seu mistério para reinventar os caminhos da sua missão na sociedade que mudou.

Assim tracei como objectivo desta Conferência, à luz da clara doutrina da Igreja, sonhar caminhos novos para a evangelização, no quadro da qual se deve garantir a preparação para o matrimónio. O tema fica, assim, mais próximo do desafio da nova evangelização, do que da análise de verdades e caminhos conhecidos, mas que não podemos correr o risco, denunciado por Walter Kasper, de teimar fazer, o melhor possível, o que sempre se fez. “Vinho novo em odres novos” (Mc, 2,22).

O desafio de uma nova evangelização

2. A expressão, querida a João Paulo II, retoma a intuição de João XXIII, ao convocar o Concílio, e de Paulo VI na Evangelii Nuntiandi. Aos Bispos da América Latina, ao celebrar os 500 anos da primeira evangelização, perante as profundas alterações da sociedade, que se repercutem na afirmação da Igreja nesse continente, João Paulo II diz: “A comemoração de meio milénio de evangelização encontrará o seu significado pleno se for um compromisso vosso como Bispos, em conjunto com o vosso presbitério e com os vossos fiéis. Um compromisso de quê? Não certamente de uma re-evangelização, mas sim de uma nova evangelização” [2].

Qual era, para João Paulo II, a diferença entre re-evangelização e nova evangelização? É claro que não se trata de repetir o passado. A mensagem é a mesma de sempre, mas é outra a sociedade e a cultura. Como diz Walter Kasper, não basta continuar a fazer, o melhor possível, o que sempre se fez. É preciso encontrar caminhos novos. Talvez, porque alguém fez a pergunta, o Santo Padre, numa outra referência à “nova evangelização”, acrescenta: “evangelização, nova no seu ardor, nos seus métodos e nas suas expressões”. O tema inspira a própria Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, sobre a Igreja no mundo contemporâneo, quando fala do dever de ler os “sinais dos tempos”, encontrando na realidade do mundo contemporâneo sinais que possam ser portas abertas à mensagem cristã [3].

Procuraremos, a partir de agora, considerar a problemática da preparação para o matrimónio, na perspectiva de uma nova evangelização do amor. Fiéis ao desafio de João Paulo II, não fugiremos à realidade, olhando-a com esperança; veremos em que possa consistir esse “novo ardor” na proclamação da verdade cristã e que métodos adoptar.

Olhar a realidade com esperança

3. A família é um micro-cosmos onde incidem e se repercutem todas as grandes mudanças da sociedade, sofrendo, ela própria, hoje, uma profunda mutação cultural e por isso só é possível evangelizar o amor, procurando reagir à mutação cultural, evangelizando a cultura e a sociedade. Trata-se de incutir, sobretudo nas crianças e nos jovens, critérios e perspectivas de vida, que não sejam só os da cultura ambiente, mas exprimam a beleza da novidade da vida cristã.

Limitar-me-ei a apontar aqueles traços da mutação cultural das nossas sociedades que mais se repercutem no matrimónio e na família.

Antes de mais, a tendência da cultura contemporânea que favorece o ateísmo. Para muitos Deus não existe ou é como se não existisse, porque não interfere na nossa vida. Relativizou-se uma dimensão estruturante do judeo-cristianismo, a certeza de que Deus age na nossa vida e na nossa história. Não há aliança possível com um Deus inexistente ou inoperante. E mesmo para aqueles que ainda não “mataram” Deus, a sua fé não é uma aliança de amor e de confiança, que envolve toda a existência e dá sentido a todas as nossas experiências e opções.

Esquecido Deus, o homem torna-se o centro da vida e da história. A vida será o que ele for capaz de fazer; a sua inteligência é a fonte exclusiva da verdade; a sua liberdade torna-se um absoluto. Com a exaltação do indivíduo, obscurece-se a dimensão comunitária. A verdade deixa de ser a verdade de uma comunidade que faz tradição, e a liberdade individual deixa de assumir o desafio da responsabilidade comunitária pelos outros. Neste quadro, relativiza-se facilmente a exigência ética como luz inspiradora dos comportamentos, esbatem-se as fronteiras entre o bem e o mal. Os princípios éticos que se herdaram do passado e se receberam duma comunidade mais alargada, são considerados imposições limitativas da liberdade individual.

Quando Deus deixa de ser protagonista da nossa história, inter-agindo connosco, relativizam-se conceitos como o de criação e de salvação. Quando o homem deixa de se considerar criatura de Deus, e o universo um dom do mesmo Criador, perde-se a noção do desígnio amoroso gravado no nosso coração, e cuja realização será a mais bela aventura da nossa liberdade. Não há lei natural gravada no coração humano. A natureza e a sua lei natural não são um absoluto e o homem, que experimentou alterá-las, começa a acreditar que a poderá mudá-las radicalmente. Estamos a viver um momento de ousadia quando se quer decidir que, afinal, o casamento já não é, necessariamente, a união de um homem e de uma mulher.

Esquecendo Deus, perdeu-se a perspectiva de eternidade. O “para sempre”, “para a eternidade” desaparece do vocabulário. A própria sociedade de consumo consagrou o princípio do “usa e deita fora”. Não há valores perenes nem escolhas definitivas. Tudo é transitório, ao sabor do momento e das escolhas de cada um.

Consequência desta dificuldade em assumir, com coragem e fidelidade, a dimensão perene de compromissos fundamentais, está a crescente diluição da dimensão institucional do casamento, baseada num contrato celebrado entre o homem e a mulher, constituindo, assim, a instituição familiar, a qual exige estabilidade e perenidade. O casamento começa a ser apresentado como um encontro de amor entre duas pessoas, que se acaba quando se esgota o amor.

4. Todos estes sintomas da mutação cultural se repercutem no casamento. Estão na origem de uma visão da felicidade que se deseja, marcada pelo hedonismo. Esqueceu-se progressivamente o desafio cristão da felicidade, baseada na generosidade do dom: “é no dar que se recebe”.

“Chamo hedonismo a um conceito de vida e de felicidade a conseguir imediatamente, fruindo tudo o que a natureza nos oferece. O que é natural é bom e legítimo, excluindo a dimensão sobrenatural de reconstrução do homem. O modelo de vida e de felicidade que as sabedorias profanas veiculam é hedonista, consumista, exclui o sentido do sofrimento e relativiza a perenidade da felicidade a construir na fidelidade. A avidez, a ganância, o materialismo, a relativização das escolhas de vida que se fizeram, são consequência dessa perspectiva. Este modelo de felicidade é insaciável, exige-se sempre mais e culpam-se facilmente os outros por não o conseguirmos. A felicidade a construir, à imagem do esforço e persistência do atleta que corre no estádio, quase desapareceu. São os outros que têm obrigação de garantir que eu seja feliz. Percebemos melhor o Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre”, e o Evangelho anunciado aos pobres, devido à sua maior disponibilidade para acolher a surpresa de Deus.

Não é fácil anunciar o Evangelho a pessoas que têm esta concepção da felicidade. É o escândalo da Cruz, de que falava Paulo. A mensagem cristã, com a sua exigência renovadora, é considerada desadaptada para o homem, ele que se considera capaz de resolver todas as interrogações da sua existência e de construir a sua própria felicidade” [4].

A nova evangelização exige um novo ardor

5. Em que consiste e como se exprime este “novo ardor”? João Paulo II deixou-nos o testemunho da sua própria vida. Nele, esse ardor era uma paixão por Jesus Cristo e a evangelização era sempre o anúncio e manifestação do amor de Jesus Cristo. Recordemos as suas palavras logo na sua primeira Encíclica: “Jesus Cristo é o centro do cosmos e da história. Para Ele se dirigem o meu pensamento e o meu coração nesta hora solene da história (…). A única orientação do Espírito, a única direcção da inteligência, da vontade e do coração para nós é esta: na direcção de Cristo, redentor do homem, na direcção de Cristo redentor do mundo. Para Ele queremos olhar, porque só n’Ele, Filho de Deus está a salvação” [5]. Como não recordar o ardor com que o Concílio Ecuménico Vaticano II confessou que Cristo é o fim da história humana, o ponto para onde tendem os desejos da história e da civilização, o centro do género humano, a alegria de todos os corações e a plenitude de todas as suas aspirações” [6].

Aos jovens chamou João Paulo II os “aliados naturais de Jesus Cristo”. Com Cristo, eles farão a diferença. Na sua Carta Apostólica aos Jovens no Ano Internacional da Juventude, referindo-se à questão maior que os interpela nessa idade, a vocação esponsal, o Papa afirma: “Por isso, peço-vos que não interrompais o diálogo com Cristo nesta fase extremamente importante da vossa juventude; e peço-vos mesmo que vos empenheis ainda mais nesse diálogo. Quando Cristo diz «segue-Me», o seu chamamento pode significar: «chamo-te para um outro amor ainda»; no entanto, muito frequentemente significa: «segue-Me» a mim que sou o Esposo da Igreja – da minha esposa…; vem, torna-te também tu esposo da tua esposa…, torna-te também tu a esposa do teu esposo. Tornai-vos ambos participantes daquele mistério, daquele sacramento, do qual o autor da Carta aos Efésios diz que é grande: grande «em relação a Cristo e à Igreja»”. E mais à frente: “Desejaria que acreditásseis e vos convencêsseis de que este vosso «grande mistério» humano tem o seu princípio em Deus que é o Criador, está radicado em Cristo Redentor, o qual, como o esposo, «se entregou a si mesmo» e ensina a todos os esposos e a todas as esposas a «entregarem-se» um ao outro, segundo a plena medida da dignidade pessoal de cada um e de cada uma. Cristo ensina-nos o amor esponsal” [7].

Esta descoberta de Jesus Cristo é pessoal e acontece ao ritmo do Espírito e do coração de cada um. Mas supõe uma catequese concebida como caminhada de descoberta da pessoa de Jesus, em que a doutrina é confirmada pelo calor do testemunho, de pais, catequistas, sacerdotes. Temos de nos afastar de uma catequese concebida como aprendizagem de uma doutrina, dando lugar à catequese como caminhada de descoberta da vida. Essa é a pedagogia catecumenal. Para todos, mas sobretudo para os jovens, são importantes as autênticas testemunhas da fé.

Esse “novo ardor” incendeia-se na celebração da Eucaristia, na adoração, na experiência missionária, em toda a experiência de amor generoso. A possibilidade de viver, hoje, o matrimónio cristão, sacramento de graça, descobre-se em toda esta caminhada de descoberta de Jesus Cristo, e não apenas no contexto de uma formação específica. Esses jovens, tocados por esse ardor, no momento próprio descobrem que Cristo está no centro do seu amor e que este se torna expressão do amor a Jesus Cristo. Sem essa descoberta apaixonada, as características teológicas e morais do casamento religioso são vistas como exigências da Igreja, que não resistirão às dificuldades e ao confronto com a cultura ambiente.

A nova evangelização tem de ser nova nas suas expressões

6. A que se refere João Paulo II? Certamente ao amor testemunhal, manifestado na comunicação da fé. No caso concreto dos jovens, etapa da vida em que se pode descobrir o sentido profundo do amor humano, maturando uma vocação de matrimónio, é importante que nessa caminhada se exprimam dimensões constitutivas da identidade cristã, que inspirando toda a vida, dão sentido à escolha do caminho do matrimónio.

* A natureza e a graça. O homem foi criado com potencialidades que lhe permitem chegar à vida, na comunhão de amor. Entre essas potencialidades está a complementaridade do homem e da mulher, criados à imagem de Deus, marcados pelo desejo de serem um só no amor. É certo que o pecado enfraqueceu essas potencialidades da natureza, mas não as anulou. A graça, ou seja, a força do Espírito de Jesus ressuscitado, não propõe uma perfeição contra a natureza, mas a plena realização das suas capacidades. A evangelização deve sublinhar tanto a beleza do ser humano, como a necessidade da força do Espírito para ser plenamente humano.

No matrimónio, como vocação à santidade, na perfeição do amor, cruzam-se, como em nenhuma outra experiência humana, a natureza e a graça. Não se pode valorizar o matrimónio, diminuindo a natureza. A evangelização deve mostrar aos jovens a beleza da sua humanidade, ensiná-los a acolhê-la como um dom e uma responsabilidade. Exaltar a beleza do amor conjugal, rebaixando o que é natural, só pode levar ao abandono da perspectiva da graça. Com a acção do Espírito, Deus só quer que o homem e a mulher sejam plenamente humanos. A graça da redenção plenifica a criação; ela é uma segunda criação.

* O ritmo sacramental. É impossível mergulhar na profundidade do sacramento do matrimónio, sem captar o ritmo sacramental da graça, em que uma realidade humana é tornada, por Jesus Cristo, sinal da vida nova, realizando, além da sua significação natural, a surpresa da graça. Ora, no matrimónio a realidade humana que, guardando toda a sua significação natural, é tornada sinal da comunhão com Jesus Cristo, é a própria união dos esposos na totalidade do ser, corpo e espírito. A união de amor torna-se sinal do amor de Jesus Cristo e da nova comunhão com Ele. Sem este realismo esponsal do sinal sacramental, a graça própria do sacramento do matrimónio torna-se algo de desligado do realismo da união conjugal e deixa de ser a sua força transformadora. Isto exige que na formação cristã dos jovens, na sua caminhada de descoberta da vida, se faça uma teologia do corpo e se dê uma visão positiva da sexualidade. Numa cultura de pansexualismo, em que a exigência ética parece ter desaparecido da expressão sexual, a Igreja não pode cair na visão oposta de uma visão negativa da sexualidade, como se esta só encontrasse sentido na dimensão religiosa do casamento. A convivência de pessoas de sexo diferente é sempre carregada de um dinamismo positivo; é uma busca da comunhão de amor. Só o egoísmo e auto-procura matam a dimensão positiva da sexualidade. No sacramento do matrimónio, a Igreja convida os homens e as mulheres que desejam unir-se, a fazerem-no com a plenitude da beleza e do amor que desejam. E isso é possível no amor de Jesus Cristo.

* O amor experimentado como dom de ternura. Descobrir o dinamismo do amor não é exclusivo de quem se prepara para o matrimónio; faz parte da abertura à vida vivida com Cristo. A experiência cristã de que a pessoa só se sente amada, isto é, feliz, quando se deu e entregou na busca da felicidade do outro, é essencial na preparação para o matrimónio. A atracção e a complementaridade dos sexos exprime-se numa força instintiva que, sem a generosidade do dom, pode facilmente transformar-se em busca egoísta de si próprio. E a generosidade do dom aplica-se a todas as dimensões da vida e não apenas à intimidade sexual. É esta que é chamada a integrar-se na harmonia de uma vida vivida com a generosidade do dom. Não tem sentido para a harmonia que a felicidade supõe procurar ter a generosidade da vida, dada e oferecida em todas as suas expressões, e ser egocentrista e egoísta na intimidade sexual dos esposos.

É esta gratuidade do dom que dá ao amor a beleza envolvente da ternura. Esta não é, sobretudo, fruição, mas contemplação do outro, na alegria de renascerem juntos, para o amor. Na Sagrada Escritura, a ternura é um dos principais atributos do amor de Deus. Nela sente-se como Deus é bom e nos ama, a ternura anuncia a bondade e a misericórdia, faz-nos sentir que é o sermos amados que nos salva.

* A dimensão eterna do amor. Para descobrir esta dimensão é preciso experimentar o amor de Jesus Cristo por nós. Só o amor de Deus pelo seu povo, o amor de Cristo pela Igreja, que Ele ama como uma esposa, tem a marca da eternidade. Só eles são totalmente fiéis. Só no amor de Jesus Cristo os esposos cristãos podem sentir que o seu amor é para sempre, é para a eternidade. A fidelidade no matrimónio não é, apenas, fidelidade dos esposos um ao outro, mas porque sentem no seu amor esponsal a ternura de Jesus Cristo, eles são chamados a serem, no seu amor, fiéis como Ele é fiel.

Este é um dos aspectos em que a graça realiza a natureza, pois o anseio de eternidade está gravado na capacidade natural do homem e da mulher se amarem para serem um só. Esta é uma qualidade exigente do amor conjugal. Na vitória sobre as dificuldades e na luta contra o espírito do mundo, os esposos devem ser força um para o outro. Quantas vezes são chamados a serem, um para o outro, ministros do perdão e da consolação, com a força da Igreja, o Povo que Cristo ama com fidelidade esponsal e onde eles encontram o dom do perdão, a força para a luta, o calor de uma comunidade que caminha.

7. Todas estas dimensões da novidade cristã em que somos introduzidos pela iniciação cristã, abrem no coração e na inteligência o horizonte onde tem sentido uma vocação para o matrimónio, sobretudo se elas forem propostas com a força do testemunho vivido, com o ardor de uma paixão por Jesus Cristo.

Os métodos adaptados à nova evangelização

8. João Paulo II diz que a nova evangelização deve ser nova nos métodos. No âmbito concreto da preparação para o matrimónio, arrisco sugerir alguns critérios que podem ser expressões de uma metodologia, isto é, da descoberta do melhor caminho para a acção pastoral.

* O acompanhamento pessoal. Estamos conscientes de que entre a multidão de jovens que pedem o casamento religioso, só uma minoria desejam seguir este itinerário de fazer do matrimónio o caminho e a expressão da santidade cristã. A Igreja não pode recusar, de forma simplista, o casamento religioso entre baptizados, o único que ela considera válido. O próprio João Paulo II, na Familiaris Consortio, depois de expor toda a exigência da preparação para o matrimónio, remata assim: “Muito embora o carácter de necessidade e de obrigatoriedade da preparação imediata não seja de menosprezar – o que aconteceria se se concedesse facilmente a dispensa – tal preparação, porém, deve ser sempre proposta e efectuada de modo que a sua eventual omissão não seja impedimento à celebração do matrimónio” [8]. A todos os que se candidatam à celebração do sacramento do matrimónio, devemos proporcionar a melhor preparação imediata que for possível. Mas estejamos particularmente atentos àqueles noivos que, devido à sua formação cristã, estão preparados para viver a beleza do seu amor, unido ao amor de Cristo pela Igreja. São esses que encerram a promessa de serem mais uma família cristã, comunidade de amor e de vida, no seio da grande comunidade que é a Igreja. E cada família cristã é mais uma pedra sólida na construção da Igreja. Acompanhemo-los pessoalmente, sem regatear o nosso tempo. Que eles sintam a nossa alegria e a nossa esperança no seu amor.

Ajudemos os jovens cristãos a escolherem noivos ou noivas que possam fazer com eles esta caminhada. Expressões como “ele(a) não se importa, respeita, não se opõe”, não chegam. As núpcias cristas supõem sempre uma intimidade e uma cumplicidade com Jesus Cristo, que só é plena se for do casal.

Isto supõe um acompanhamento pastoral em que todos, padres e leigos, se assumem como sacramentos de Cristo, Bom Pastor, que reconhece as suas ovelhas pelo nome. Há aqui um papel imprescindível dos pais, mas também de catequistas, sacerdotes, casais cristãos. Não hesitemos em sacrificar, em nome deste acompanhamento pessoal, as muitas reuniões organizativas em que gastamos o nosso tempo.

* Catequese juvenil e preparação para o matrimónio. A pastoral dos jovens visa a iniciação cristã em toda a sua abrangência. Mas porque não organizar ciclos dessa caminhada catequética centrados na dimensão esponsal da vida cristã? Uma preparação remota para o matrimónio, já desde a adolescência, oferece o horizonte de totalidade da vocação cristã. Nem sequer impede uma pastoral específica para a vocação de particular consagração. Uma vocação de virgindade consagrada só é possível no quadro da descoberta da realização plena das próprias capacidades de amor em união com Jesus Cristo. O ideal de pureza e de castidade como preparação para o amor vivido em união com Cristo é o pano de fundo de toda a vocação cristã.

* A celebração do sacramento da Confirmação. Sacramento da iniciação cristã, tem na sua graça própria, o dom do Espírito Santo, uma dimensão decisiva para a preparação para o matrimónio. Na sua preparação e celebração, esta dimensão deveria estar sempre presente.

* A festa das núpcias. Houve umas núpcias em Caná e Jesus estava lá (cf. Jo. 2,1-11). Naqueles casamentos promissores de que falei atrás, façamos uma festa das núpcias cristãs, em que participa a Igreja. O amor desses esposos pode ser um sinal e um anúncio para todos os outros jovens. Normalmente, a Liturgia do Matrimónio tem pouco esse aspecto de “festa das núpcias”. É que a Mãe de Jesus continua a estar lá a dizer “fazei tudo o que Ele vos disser” e Jesus continuará a transformar a água em vinho, a realidade humana do amor nesse anúncio da sua presença e do seu Reino no meio deste mundo, que parece tão enlouquecido na maneira de olhar o casamento e o amor.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

[1] Walter Kasper, “Servitori della Gioia”, Queriniana 2007, p. 11

[2] João Paulo II, in Insegnamenti, vol. VI,1 (1983), p. 698

[3] cf. Gaudium et Spes, nn. 4 e 11

[4] J. Policarpo, Obras Escolhidas, vol. 11, pp. 287-288

[5] João Paulo II, Redemptor Hominis, nn. 1 e 7

[6] Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, n. 45

[7] João Paulo II, Carta Apostólica aos Jovens (1985), n. 10

[8] João Paulo II, Familiaris Consortio, n. 66

Fonte Ecclesia

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