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O Padre Meteorologista
2001-08-05 10:05:01

O padre Virgílio, de 93 anos, pára por meio segundo e diz: "Desço isto sempre a correr". "Isto" é uma pequena rampa de areia, de uns cinco metros. E ele aí vai, ladeira abaixo. "Subo escadas melhor que as pessoas mais novas. Elas chegam esbaforidas e eu não. Tive doenças quando era novo, agora parece que Nosso Senhor me dispensou", diz depois, como que a justificar.


No Fundão, onde vive, toda a gente conhece o passo pequeno e apressado do padre Virgílio da Costa Oliveira. É ele que assegura o acompanhamento espiritual dos doentes do hospital, é ele que, desde há 43 anos, vai diariamente, duas vezes ao dia - de manhã e ao fim da tarde -, à Estação Meteorológica do Fundão para medir a temperatura, a humidade do ar, a precipitação, a velocidade do vento.

Começou tudo em 17 de Maio de 1948. O então Serviço de Meteorologia Nacional notava a falta de uma estação meteorológica na Cova da Beira, que representasse o clima médio da região, conta. Amorim Ferreira, presidente da Academia de Ciências de Lisboa, visita o Fundão em Março de 1948, pergunta por um rectângulo de terreno que lhe parecia servir. "Era do meu pai, que cedeu o terreno de boa vontade." Situava-se o quinhão de terra no Alto de São Pedro, na Quinta do Fojo. Hoje, o sítio está no meio da cidade, perto do centro comercial Nova Acrópole, do Palácio da Justiça e de urbanizações recentes.

No dia 15 de Maio, feita a terraplanagem, começaram a instalar os aparelhos necessários para a estação. "Passei por lá. Identifiquei os instrumentos, que já conhecia dos livros. Perguntei se já tinham encarregado. Disseram que não, perguntei se podia ficar eu." Ficou, foi ficando, pelo gosto e pelo hábito.

Quarenta anos depois da primeira medição, no dia 17 de Maio de 1998, o Instituto de Meteorologia - que só completou 50 anos em Outubro de 1999 - ofereceu-lhe uma placa: "Homenagem ao P. Dr. Virgílio C. Oliveira - Pelos 40 anos da sua valiosa e desinteressada colaboração e dedicação no domínio da observação meteorológica e pelo seu contributo para a salvaguarda de vidas e pessoas. Fundão 17/5/98."

No dia seguinte, a câmara municipal não quis ficar atrás e, na entrada da vedação, colocou uma placa, pública, a assinalar o mesmo feito. "Disse ao homem [presidente da câmara] que não pusesse cá isto, mas ele estava a cumprir ordens", justifica.

A formiga e a estrela polar
O dia do padre Virgílio começa cedo. Antes das nove horas solares (na Primavera e Verão, são as 10h00 do relógio), já ele tem que ter as medições feitas. O dia de sol tímido regista, para já, 12,9 graus centígrados. "Já aqueceu; quando chegámos estavam 12,6." O vento é fraco: cinco quilómetros/hora para leste. A evaporação está nos 6,5, mas é a diferença com o dia anterior que dá o respectivo índice.

Vê uma formiga: "Temos bom tempo; quando há um calorzito e começa a aquecer, acordam logo e saem para fora." A nebulosidade está 4 em 8, o que significa que metade do céu está coberto de nuvens. O estado do solo é medido de 0 (seco) a 9 (quando cai neve), passando pelo húmido (1), molhado (2) e gelo (3).

Sobe os degraus, desce, mede, pega nos termómetros. O corpo curvado, estatura baixa, óculos, um casaco preto seja em que altura do ano for, uma camisa com o cabeção eclesiástico.

É tudo feito com métodos e instrumentos precisos, alguns exigindo que se suba a pequena escada metálica: um termómetro dá a temperatura mínima, outro a máxima, outros dois - um seco e um molhado - lêem, conjugados, o grau de humidade relativa do ar. Um evaporímetro, está mesmo a ver-se, indica o grau de evaporação da terra, das flores, das plantas para a atmosfera. O pluviómetro ou udómetro - um tubo com um funil exterior - mede a precipitação: 3,4 litros por metro quadrado. "Houve um dia em que medi 112,5 litros de precipitação em 24h00. Era segunda-feira, dia de mercado, só começou a chover às 17h00 e aquilo é que foi chover..."

Havia também um termómetro para o chão, com uma temperatura normalmente inferior à mínima do ar, mas foi vítima de desacatos por três vezes, apesar da vedação que envolve a estação meteorológica. O heliómetro, uma esfera de vidro maciço onde encaixa um cartão, também foi roubado no último assalto, em 1984. Serve para registar a insolação (a quantidade de horas de sol por dia). "Coloca-se o cartão à noite; assim que aparece o sol, queima o cartão; se não há sol, não queima." Finalmente, o termógrafo, que regista constantemente as temperaturas - "mudo o gráfico de dois em dois dias, nos dias ímpares" - e o anemómetro, para a velocidade e direcção do vento.

Não está tudo como deve ser neste posto de observação: "A direcção dos pontos cardeais está mal feita, que eu vejo a estrela polar e essa não engana ninguém. Ela está mesmo no centro da Covilhã, vista daqui."

Ao meio dia já está a aumentar a nebulosidade. Os doentes do hospital esperam-no a partir das 14h00, mas o padre Virgílio ainda tem muitas histórias para contar e várias medições demonstrativas para fazer.

Fonte Público

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