paroquias.org
 

Notícias






Advento e a densidade da esperança cristã - Homilia do Cardeal-Patriarca no 1.º Domingo do Advento. Ordenações de Diáconos
2008-12-11 00:43:43

1. Inicia-se hoje um novo tempo litúrgico, o Advento. Como a própria palavra indica, é um tempo de espera, que situa a atitude do nosso coração num futuro prometido. É um tempo propício para nos interrogarmos: o que é que a Igreja espera? Qual é o conteúdo da nossa esperança?
Encontramos a resposta na Carta de Paulo aos Coríntios: “Já não vos falta nenhum dom da graça, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co. 1,7-9). Porque o Advento antecede e prepara a festa do Natal, a sua simbólica foi influenciada pela esperança messiânica do Antigo Testamento, como se ainda estivéssemos à espera do nascimento do Messias prometido. Ora é ponto central da fé da Igreja a afirmação de que Cristo, nascido de Maria, morto e ressuscitado, é o Messias prometido. A esperança da Igreja é que se manifeste em plenitude o mistério de graça e de redenção, que ela já vive no presente, na sua união a Cristo morto e ressuscitado. A esperança, desafio específico do Advento, tem duas dimensões, que se identificam numa só, a plena manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo: sermos plenamente o que somos chamados a ser no presente, em união com Cristo ressuscitado.


A esperança cristã é um desafio de santidade. É esperarmos o dia de Nosso Senhor Jesus Cristo, plenitude futura do que já podemos ser agora. Esse futuro prometido será a definitiva manifestação da plenitude de Jesus Cristo, em nós e para nós, o “dia de Nosso Senhor Jesus Cristo”. A esperança cristã é também uma esperança escatológica, que não é pura expectativa, mas plenitude anunciada no realismo da nossa fé e da nossa fidelidade, possível com a força de Cristo ressuscitado, o Seu Espírito de amor que Ele derrama nos nossos corações. A relação entre o presente da fé e da graça e a plenitude escatológica esperada é essencial na compreensão da esperança cristã.


2. O que é que esperamos no presente? O que é que o nosso baptismo e confirmação tornaram possível e exigem de nós? Só a santidade nos revela o horizonte de possibilidades de vida que temos já neste mundo, a partir de Jesus Cristo. É por isso que, no alimentar da nossa esperança, é importante confrontarmo-nos com modelos de santidade; é por isso que a Igreja continua a propor-nos modelos de santidade. Os santos dizem-nos que podemos ir muito mais longe, na nossa busca da vida, se a vivermos em Cristo ressuscitado. Neste primeiro aspecto, a esperança cristã é a vivência radical da nossa salvação.

Esse era já o aspecto central da esperança messiânica do Antigo Testamento, como escutámos no texto do Profeta Isaías: “Vós Senhor, sois nosso Pai e nosso Redentor, tal é, desde sempre, o Vosso Nome” (Is. 63,16). Devido à nossa finitude e ao nosso pecado, a verdadeira vida só pode ser o fruto da acção de Deus em nós, como aconteceu na primeira criação: “Vós, porém, Senhor, sois nosso Pai e nós o barro de que sois o Oleiro; somos todos obra das Vossas mãos” (Is. 64,7). É por isso que a Igreja, ao reconhecer em Jesus Cristo o Messias prometido, O identifica como nosso Redentor, Ele, que com a Sua morte e ressurreição e pelo dom do Espírito, Se tornou, para todo o sempre, esse oleiro divino, capaz de fazer maravilhas do barro que somos nós. A esperança cristã brota da coerência com o mistério da redenção.

Sendo assim, o que é que podemos esperar para cada cristão e para todo o povo dos baptizados, neste tempo presente, espaço da nossa fidelidade e da nossa luta pela vida? Qual é o desafio do Advento? Qual é a esperança da Igreja, ela que vive o mistério da salvação no tempo e em cada tempo?


* Antes de mais, a Igreja espera que cada cristão e toda a comunidade dos crentes identifique em Jesus Cristo o seu Redentor. Cristo não é mais um Santo da nossa devoção, Ele é o nosso Redentor, ou seja, depende d’Ele o triunfo da nossa vida, Ele é o oleiro que faz do barro que somos nós, obras de arte que glorificam o Senhor. É preciso aceitar que o barro tem de ser moldado, transformado, porque o projecto e a realização da obra de arte está no poder do oleiro.

No recente Sínodo dos Bispos, alguém alertou para a necessidade de reintroduzir na linguagem cristã e mesmo na linguagem cultural, o conceito de redenção e de salvação. De facto, num quadro cultural de optimismo sobre as possibilidades do homem realizar a sua felicidade, estes conceitos foram perdendo significação e acutilância. É que aceitar a redenção é aceitar que, sem a acção do Espírito de Cristo em nós, não iremos longe na busca da plenitude da vida. Na Igreja de Lisboa, na minha vida pessoal, eu espero “contra toda a esperança”, que demos prioridade absoluta aos meios sobrenaturais da graça, isto é, à acção do Espírito de Deus em nós, na realização da nossa vida, da nossa vocação e da nossa missão. Sem essa dimensão, a vida cristã será apenas mais uma alternativa cultural, a santidade uma busca do sucesso humano, o Céu é para construir na terra, a salvação não acontecerá. Só a acção de Deus em nós nos abre para um futuro surpreendente de plenitude insuspeitada.


* A Igreja espera do Seu Redentor que esta acção de Deus nos cristãos os leve a imitar Jesus Cristo, “a ter os mesmos sentimentos de Jesus Cristo” (Fil. 2,5), na glorificação de Deus pela oração vivida, na pureza do amor, dos esposos, dos pais e dos filhos, dos amigos, do amor fraterno que torna a vida comunitária em mistério de comunhão; no amor que é a fonte do ardor missionário e evangelizador; no amor que é solicitude pelos pobres e pelos aflitos. A Igreja espera do Seu Redentor que nos ensine e nos ajude a caminhar na santidade.

Eu sei que estas palavras são a denúncia de dimensões comummente aceites pela cultura contemporânea. Mas a esperança cristã, sendo anúncio, é inevitavelmente denúncia. A esperança cristã é um desafio à coerência: não andarmos “a fazer de conta”, mas dar a densidade da vida vivida à palavra escutada e pronunciada. A vida cristã não basta dizê-la, é preciso “fazê-la”.


3. Mas a esperança cristã inclui também uma expectativa de futuro, a que chamamos vulgarmente, “vida eterna”. Esta dupla dimensão da esperança exige uma nova harmonia do tempo humano, o tempo histórico e o tempo escatológico. Se por vezes se relativizou a densidade e a importância do tempo histórico em nome da esperança escatológica, hoje a tendência é outra, a de valorizar exclusivamente o tempo histórico, excluindo o tempo eterno ou relegando-o para uma expectativa sem conteúdo. A esperança cristã exige que vivamos a tensão destes dois “tempos”, o presente, e a eternidade, porque o tempo definitivo está já no tempo presente, se este é vivido em Jesus Cristo. Só ele unificou o tempo, porque inaugurou na Sua experiência histórica a plenitude da eternidade. Ele é a nossa esperança, Ele, em Quem o tempo atingiu a sua plenitude.

A ressurreição de Cristo é a inauguração, neste tempo, do tempo definitivo. Na nossa união a Ele começa, para nós, a eternidade. Neste Ano Paulino, encontramos em Paulo uma vivência intensa, mesmo dramática, desta densidade do tempo da salvação. Comungar na vida de Cristo ressuscitado será a nossa recompensa, o que podemos fazer já, na fé, na esperança do “dia do Senhor”, o da Sua manifestação definitiva. A esperança de Paulo é estar plenamente no Senhor e com o Senhor (cf. Fil. 1,23). Aos Filipenses, Paulo exprime esta tensão da esperança: “para mim viver é Cristo e morrer seria ganho (…) Sinto-me num dilema: por um lado desejo partir e estar com Cristo, o que seria muito melhor; mas por outro lado, permanecer nesta vida é mais importante para o vosso bem” (Fil. 1,21-24).

Esta experiência de Paulo mostra-nos que a esperança na vida eterna enraíza na experiência presente de participação na vida de Cristo. Ele é o traço contínuo de união entre o nosso presente e o nosso futuro. A nossa fé já é uma experiência de eternidade. Sem ela, a esperança na vida eterna não será um desejo de plenitude; quanto muito será uma saída para um problema sem solução.


4. A esperança cristã inclui, necessariamente, o desejo do “tempo definitivo”, o desejo da plenitude de uma vida que já se começou a viver. Sem isso, a esperança fica prisioneira de objectivos terrenos, a concretizar “neste tempo”. O Advento convida-nos a abrir o nosso coração a este desejo de eternidade, de alcançarmos, também nós, em Cristo, a plenitude do tempo, onde será definitivamente redimido o nosso corpo que se transformará em corpo de ressurreição e então mergulharemos plenamente em Jesus Cristo e, por Ele, no insondável de Deus.


5. Queridos Ordinandos! A vossa consagração pelo sacramento da ordem é um sinal de esperança para a Igreja. No vosso ministério, a Igreja sentirá ao vivo que Deus continua a Sua obra, que o “oleiro divino” prossegue incansavelmente a sua obra de arte. Ser instrumentos da acção de Deus definirá o vosso ministério.

Por outro lado, se suscitar a esperança é a vossa missão, a esperança será a vossa força. Agindo neste tempo, faz-nos Deus protagonistas da eternidade. É por isso que a Igreja que vos escolheu, vos acolhe com fé e com esperança.

Vivamos este Advento restituindo densidade e profundidade à nossa esperança. Maria, a primeira criatura a conseguir a unidade definitiva do tempo da salvação, alimentará em nós a chama da esperança, dando-nos força para continuar a esperar. Se estivermos com Cristo, na radicalidade da nossa fé, o tempo eterno pode não estar tão longe como parece.

Mosteiro dos Jerónimos, 30 de Novembro de 2008

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia