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É uma crise sem precedentes mas não haverá cisma, diz arcebispo de Cantuária
2008-07-23 22:43:30

A fractura está instalada entre os anglicanos, mas os líderes afastam cenário de ruptura completa. Diálogo com Vaticano pode sair prejudicado com esta crise.

A Comunhão Anglicana está ferida e enfrenta uma crise inédita, mas não haverá cisma. A convicção é do arcebispo de Cantuária e primaz dos 77 milhões de anglicanos, Rowan Williams. A Conferência de Lambeth, reunião magna dos bispos anglicanos de todo o mundo que se realiza cada dez anos e se prolonga até 4 de Agosto, já entrou nos seus dias decisivos.

"Todos sabemos que estamos perante um dos mais graves desafios que a família anglicana enfrentou na sua história", afirmou Williams, segunda-feira, ao retomar os trabalhos (até domingo, os 650 bispos participantes estiveram em reflexão bíblica). Citado pelo serviço de informação do Conselho Mundial de Igrejas, disse: "Não podemos ignorar que aquilo que é visto como uma nova doutrina e uma nova orientação sobre as relações entre pessoas do mesmo sexo (...) tem causado dor e perplexidade".

Já não se pode ignorar
A crise está instalada. Segunda-feira, ao falar na Catedral de Cantuária, o bispo Duleep de Chickera, de Colombo (Sri Lanka), manifestou-se ao lado dos episcopalianos dos EUA: "A igreja tem de ser uma comunhão inclusiva, onde há espaço igual para todos e qualquer um, independentemente da cor, género, capacidade, orientação sexual". Mas, depois, admitiu: "A realidade é que somos uma Comunhão Anglicana ferida. Alguns de nós não estão aqui e isso é uma indicação de que nem tudo está bem."

Dizer "alguns" é simpático: 230 bispos (cerca de um quarto do total de 880), maioritariamente africanos, decidiram boicotar a Conferência de Lambeth em protesto contra a presença de responsáveis da Igreja Episcopal dos Estados Unidos (que integra a Comunhão Anglicana).
Foi esta igreja que, em 2003, decidiu ordenar como bispo um homossexual não celibatário, Gene Robinson. O facto levantou críticas de muitas igrejas anglicanas pelo mundo. Práticas "incompatíveis" com a Bíblia, acusam os contestatários, escudando-se no que, há dez anos, afirmou a anterior Conferência de Lambeth.

Ontem, ao telefone a partir de Kent (Inglaterra), onde decorre a reunião, o bispo português da Igreja Lusitana Fernando Soares confirmou ao PÚBLICO que se vive um ambiente "tranquilo". Mas nota-se que "há um problema - ou melhor, vários". "Foi sempre assim entre os anglicanos. Seria mais fácil viver sob uma doutrina hierarquizada, mas na Comunhão Anglicana isso não é fácil."
Desta vez, admite o líder anglicano português, "as coisas radicalizaram--se". Mas há, entre os participantes, "a consciência de que é necessário fazer alguma coisa".
Não será fácil encontrar um caminho que volte a unir os anglicanos. Fernando Soares está optimista e acredita que não haverá cisma. Tal como o arcebispo de Cantuária. Os contestatários reuniram-se, no final de Junho, em Jerusalém, avisando contra o "declínio espiritual" anglicano.

E agora, o que fazer?
A Conferência para um Futuro Anglicano Mundial, assim se designou a assembleia de Jerusalém, caracterizou como "falso evangelho" a aceitação da homossexualidade. Ao mesmo tempo, levantava a hipótese de um conselho de primazes. Ideia olhada de soslaio por outros anglicanos, que vêem nela uma cópia da Cúria Romana católica para mandar nos bispos - na Comunhão Anglicana, cada bispo é autónomo na sua diocese e a primazia do arcebispo de Cantuária é honorífica.

Os dois lados estão convencidos de ter a verdade: o cristianismo não faz acepção de pessoas, dizem uns; a homossexualidade é incompatível com a Bíblia, defendem outros. E o homem que deu origem à polémica, o bispo Gene Robinson, fez questão de pairar sobre a conferência: apesar de não ter sido convidado por Williams, Robinson participa em iniciativas paralelas à assembleia. Domingo, por exemplo, esteve numa liturgia com grupos de gays e lésbicas.
Virá o remédio através do método? O arcebispo de Cantuária foi aos zulos sul-africanos buscar o indaba, tradição de diálogo e escuta do outro em pequenos grupos e importou-o para a conferência. "Há um sentimento generalizado de que [os contestatários] não podem ser excluídos, porque isso faz parte da tradição anglicana", dizia ontem Fernando Soares.

Lambeth será "uma oportunidade para todos partilharem experiências", que ajudarão os anglicanos a enfrentar a sua missão, diz, confiante, o bispo da Igreja Metodista e presidente do Conselho Português de Igrejas Cristã, José Sifredo.
O anglicanismo sempre sobreviveu no compromisso, apesar - ou por causa - das suas diferenças. Talvez por isso, Williams disse no domingo que o caminho será "longo e complexo".

E o diálogo com o Vaticano?
Há quem esteja atento, mais a sul da Europa, ao que se passa no Sudeste de Inglaterra: no Vaticano, o Papa Bento XVI já disse que não deseja o cisma, mas também não deve ver com bons olhos os rumos da Comunhão Anglicana. Separados de Roma por causa de um divórcio - Henrique VIII queria deixar a mulher e trocá-la por Ana Bolena -, os anglicanos eram os cristãos mais próximos dos católicos. Há mesmo declarações conjuntas a limar aspectos importantes da fé.

Agora, voltam a afastar-se por uma questão moral (a homossexualidade) e por causa do papel da mulher - que já pode ser bispa em várias igrejas da Comunhão Anglicana. O Vaticano também reagiu mal a esta decisão.
Tais decisões podem ter implicações sérias no diálogo mútuo. José Borges de Pinho, professor da Universidade Católica que acompanha as questões ecuménicas, diz que a decisão de ordenar mulheres "toca num ponto considerado sensível" pelo Vaticano: a questão da sucessão apostólica, ou seja, de quem pode ordenar bispos. E a ordenação de um bispo homossexual toca nas condições requeridas para o ministério sacerdotal, ponto importante também para a Santa Sé.

António Marujo

Fonte Público

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