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Educar para a sexualidade
2008-07-15 22:49:06

O Secretariado Nacional de Educação Cristã acaba de editar o livro "Conversar com os filhos sobre a Sexualidade". Este novo recurso é um texto dedicado, como o nome indica, à formação de pais no âmbito da educação da sexualidade.

Este volume é o número 1 de uma nova colecção do SNEC - "Educar ao Longo da Vida" - e vem responder aos pedidos de muitos pais. Cristina Sá Carvalho, do departamento de formação do SNEC, psicóloga, é autora do livro e fala à Agência ECCLESIA dos desafios que se colocam nos nossos dias.

Agência ECCLESIA (AE) - É fácil abordar a sexualidade com as crianças e adultos?

Cristina Sá Carvalho (CSC) - A sexualidade é um fenómeno complexo e profundo. A sexualidade individual colide, não poucas vezes, com a necessidade de harmonia social. Mesmo, sem considerar a sexualidade nas suas dimensões mais profundas, é difícil falar de sexualidade. É ainda mais difícil falar de fenómenos complexos que atingem as pessoas de forma tão individualiza e profunda.

AE - Numa sociedade em que cada vez mais tudo é público e onde se fala abertamente de tudo, no tema sexualidade isso não acontece?

CSC - A sexualidade tornou-se muito óbvia e objectiva. Estamos constantemente expostos À erotização da sociedade, desde os outdoors aos anúncios, a mensagens fortemente marcadas do ponto de vista sexual. As sociedades democráticas levaram as pessoas a procurar novas fronteiras e a viver novas experiências. O que era do foro íntimo, tornou-se público.

Tudo isto exigiria novas formas de regulação. Antigamente vivia-se com a pressão social, com o medo, uma certa austeridade nos valores que levava as pessoas ou a esconder ou a fazer determinadas opções. Actualmente essa pressão não é sentida. No entanto, a educação e a vivência de uma sexualidade saudável não acompanhou esta abertura de valores e de experiência social. As crianças são continuamente expostas a mensagens eróticas e mesmo na vida familiar a sexualidade é mais aberta. Mas se formos analisar a visão que as crianças têm da sexualidade ela não é muito melhor do que era há 20 ou 50 anos atrás. As crianças continuam a aprender sozinhas e entregues à experiência.

AE - E há melhorias?

CSC - Nas sociedades contemporâneas não parece haver maior equilíbrio e felicidade, nem a própria sexualidade é vivida com maior prazer e de forma mais construtiva, pois as depressões e disfunções sexuais são cada vez maiores, mesmo considerando que antigamente as pessoas escondiam os seus problemas depressivos por vergonha.

Nas crianças e adolescentes verifico que as escolas querem ajudar, mas têm poucos instrumentos e formação, para além de outras preocupações quotidianas. Os pais estão por outro lado pouco preparados. E são principalmente as famílias que deveriam assumir estas tarefas complexas da educação e depois ser ajudados pelas outras agências sociais.

AE - Os pais são as pessoas fulcrais para inverter a forma como traçou a realidade juvenil do desenvolvimento sexual? Isto apesar de não ser uma tarefa, como indica no livro, nada fácil...Como encontrar o ponto de equilíbrio entre o não falar tarde demais nem cedo demais?

CSC - Todas as tarefas educativas da família são extremamente complexas. Aborrece-me ouvir constantes críticas aos pais. E também eles se criticam imenso e sofrem muito com as suas dificuldades. Mas a forma como a sociedade se encontra, já não são as igrejas nem as escolas que educam, pois estas enfraquecerem muito como parceiros dos pais. Os modelos comportamentais chegam da televisão e da publicidade.

A educação que afecta a personalidade faz-se, sobretudo, por observação e imitação a pessoas que são significativas. Os pais vêem o seu significado social disputado por personagens da televisão que, infelizmente, são, na sua maioria, distorcidos. Mas na formação da personalidade ninguém tem maior influência do que os pais, quer sejam ausentes ou presentes. A sexualidade aprende-se logo em etapas precoces quando percebemos a forma como os pais interagem entre si e com os filhos. E a sexualidade tem de ser encarada no contexto global de um processo educativo da família e da escola, nunca de forma isolada.

AE - Apesar de os pais terem um projecto sexual desejável para os filhos, coloca-se a livre escolha e a responsabilidade. Educar para a responsabilidade pressupõe a liberdade de escolha. Como gerir?

CSC -Primeiro, há que perceber que isolar os filhos do mundo não é uma boa estratégia. É preciso responsabilizá-los, pois viver em liberdade exige uma tomada de posição pessoal. Por outras razões de ordem ideológica, há tendência para concentrar as responsabilidades e o conhecimento educativo nas agências estatais – escolas, centros de saúde, etc. Isto esvazia a confiança que os pais têm na sua capacidade de educar. O primeiro movimento é devolver a auto confiança aos pais. Segundo, os pais precisam de ter noção da vida real. Ou seja, independentemente dos seus valores, há também contra valores.

Os pais devem ter ideias e opiniões, mesmo que os filhos queiram fazer o contrário, ou que apenas façam uma parte do que os pais propõem. Mas é preciso que os pais proponham sem medo e com clareza. Os tabus são de excluir, pois sem propostas não há liberdade, mas libertinagem. O crescimento tem de ser feito dentro de um espaço com orientação. A proposta de valores que os pais fazem tem de ir ao encontro dos valores que vivem, pois os filhos vão valorizar o facto de a vivência dos pais estar de acordo com a proposta que fazem. Esta é a chave do sucesso com melhores resultados.

40 anos de «Humanae Vitae»

AE - Quatro décadas depois é possível considerar actual a proposta de Paulo VI na «Humanae Vitae» e integrá-la na vida social?

CSC -Tudo o que a Igreja propõe sobre a sexualidade, que assenta na ligação fundamental entre a sexualidade e o amor, nunca será alterada. A Igreja nunca irá atrás de modas no que se refere à sexualidade, pois este é o centro da mensagem cristã. Do ponto de vista teológico e pastoral, a Igreja definiu o que é a pessoa humana. Há muita expectativa sobre a posição da Igreja sobre algumas questões que são importantes na vida das pessoas, mas que a nível teológico, talvez sejam mais pontuais – o avanço da técnica e da ciência, o controlo de nascimento e os métodos utilizados, a prevenção da Sida e a proposta à educação das crianças.

A Igreja sempre teve uma grande preocupação de, com o tempo, aceitar o que o individualismo tem de positivo mas nunca aceitará a zona ampla, onde facilmente o individualismo resvala para o egoísmo. Tudo o que vai contra o «amar ao próximo» que corresponde à forma como os cristãos consideram chegar a Deus, nunca poderá ser aceite. A visão que a Igreja tem dos métodos contraceptivos e do combate à Sida partirá sempre destas duas premissas. A dignidade da pessoa é intocável e deve-se ajudar as pessoas a não cair no egoísmo que é mortal na relação com o outro.

AE -Qual o papel da família?

CSC - A família assume um papel essencial na forma como a Igreja considera a sexualidade. Paulo VI chamou à família a «Igreja doméstica», conferindo-lhe um papel sacramental e de relevo. E a Igreja continua a considerar que a sociedade humana não pode dispensar a família.

A forma como na pastoral são vivida estas ideias fundamentais podem ter leituras e sofrer processos de aculturação. A Santa Sé lidera organismos científicos de grande nível, e estarão sempre dispostos a ouvir o que a ciência tem para dizer para, na pastoral, fazer a evolução que melhor ajude as pessoas. Pois a função da Igreja é ajudar e servir as pessoas, e a sexualidade vai ser sempre encarada deste ponto de vista.

A sociedade não coloca a questão da dignidade da pessoa, nem a defesa da família, nem as questões do individualismo, mas apenas se podem usar preservativo. No magistério da Igreja, as coisas nunca funcionaram assim.

AE - Dentro dessa linguagem, que é considerada pela sociedade em geral, retrograda e rígida, como se explica à sociedade uma proposta de sexualidade que não se restringe à genitalidade?

CSC - Viver e transmitir o amor é complexo. A Igreja sabe-o. Mais do que os documentos, o que interessa é o testemunho de cada cristão. A «Humanae Vitae» sai no pós-Concílio Vaticano II e sabemos que ainda hoje há muito do Concílio que ainda não se aproveitou, nomeadamente a presença dos leigos na sociedade e a capacidade que cada cristão tem de viver profundamente aquilo em que acredita.

É difícil para as pessoas compreenderem tudo o que a Igreja pede, viverem-no e testemunharem-no. Mas este é o caminho. Não há receita para ter uma óptima família cristã. Mas as pessoas podem fazer este percurso, que é humano. Não se faz sem esforço e sem sacrifício porque a vida é difícil. Mas há que ter um olhar benigno perante as dificuldades e pensar que o crescimento é assim mesmo.

AE - Mas há 40 anos fenómenos como a Sida eram ainda desconhecidos. Como enquadrá-lo na proposta que a Igreja faz?

CSC - As doenças sexualmente transmissíveis sempre existiram e sempre foram um problema complexo. O avanço médico no Século XX fez-nos esperar uma resolução científica a todos os níveis, inclusive no campo da saúde. Mas a Sida e o seu aparecimento mostrou-nos que a ciência ainda não dá todas as respostas. As mortes e os órfãos têm um forte impacto que não se consegue compreender. A Sida vem mostrar que é preciso pensar a sexualidade de outra forma. A sexualidade não é algo que instrumentalizamos, mas que devemos reorganizar, para ter prazer porque é essencial à vida, para as pessoas serem saudáveis, felizes e alegres, mas é preciso adiar o prazer imediato para ter um prazer maior.

A proposta do livro para a prevenção da Sida, surge a partir da educação para a responsabilização. Na infância e adolescência a ameaça funciona durante pouco tempo e leva a uma escalada enorme. No contexto da toxicodependência devemos considerar que a educação parte de todos os adultos. Há uma associação muito forte entre a desregulação sexual e o consumo de droga. Enquanto não houver recuperação, devemos reduzir ao máximo os efeitos.

Falar às novas gerações

AE - Esta é uma linguagem acessível e compreensível para os adolescentes?

CSC - Os adolescentes são extraordinários. Têm muito de complexo e de desafiador. O adulto que trabalha com ele, quer em casa quer na escola, tem de estar informado e preparado para as perguntas. E manter uma grande abertura porque o trabalho com os adolescentes faz-se numa relação pessoal. O adulto deve ser guia e companheiro ao mesmo tempo.

AE - Esta é a chave para tornar a mensagem acessível aos jovens?

CSC - Para todas as mensagens educativas. Não há diferença entre o ensino da matemática e a sexualidade.

AE - A presença e o acompanhamento são a chave para se transmitir a proposta da sexualidade cristã às pessoas?

CSC - Parece-me que será assim para toda a educação. Se as pessoas não têm valores cristãos, o método deve ser o mesmo. A educação parte sempre de uma presença humana. A presença dos pais na vida dos filhos tem uma primeira dimensão de conhecimento, de criar intimidade. Se este acompanhamento começar na infância, na adolescência será muito mais fácil.

AE - Para quando o lançamento do guia para educadores «Educação da Sexualidade»?

CSC - Durante o mês de Julho. A nossa proposta é publicar um guia para uma abordagem da sexualidade em termos institucionais. Será uma mais valia para os educadores, pois terá uma proposta de programação para adultos, para crianças e jovens.

Não pretende ser uma resposta que todos utilizem, mas fornece pistas que podem ser aplicadas nas escolas, nas paróquias, e ser integrados no projecto educativo da sexualidade que é essencial nos dias de hoje.

Fonte Ecclesia

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