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O labirinto da fé
2007-09-11 22:12:50

A dinâmica da fé está sujeita às imperfeições da existência humana. É como caminhar num labirinto, condicionado pelos passos incertos de quem duvida em cada opção, mesmo havendo várias hipóteses e caminhos.

Quem diz “é por aqui, sem dúvidas”, sabe na verdade que à frente pode estar apenas mais uma parede.

Aquele que se aventura num labirinto questiona-se em cada momento, em cada esquina dobrada. E desanima – natureza da caminhada, qualquer caminhada - quando chega a um beco sem saída. Desiste ainda mais depressa se entrou sem convicção.

Quando o fim do labirinto é apenas um capricho despido de inteligência, um desejo inconsequente, sem fome de chegada - como fé sem interrogação -, a adversidade pode precipitar a desistência. Falta a interdependência, a insatisfação que alimenta a procura.

“Posso não saber bem onde está Deus, mas tenho à minha volta muitos homens e mulheres com fome e sede de Deus”, sussurrou-me certa vez, em aparente paradoxo, uma incansável velhinha missionária, em terras de Loro Sae.

A fé – qualquer que ela seja - alicerçada na lógica da interdependência, das ligações inalienáveis, ganha o conforto da dúvida. Vacila nos sentidos, para se reforçar com o valor acrescentado da relação… da razão. Não é “crer sem ver e sem sentir”, mas “ver no outro e sentir com o outro”.

A albanesa de sari – que alguém apelidou de “santa das sarjetas” - é um pouco como a Ofélia em “El Laberinto del Fauno”. No conto, a menina Ofélia desanima, tem dúvidas sobre a generosidade do fauno, a divindade mitológica que lhe promete o paraíso se derramar o sangue de um inocente. Mesmo ameaçada pela ditadura armada de um regime fascista - que pode muito bem ser hoje a desumana indiferença que nos varre -, responde com a coragem dos inocentes. Recusa entregar o irmão recém-nascido em sacrifício, porque sabe – intui, pela voz da razão, da cultura ancestral - que a concretização do seu sonho não pode ter o sangue de um inocente como preço. Assassinada pelo oficial franquista que a persegue, abre com o seu próprio sangue o portal da felicidade. E renasce noutra dimensão para o reencontro com o eterno, recompensa da escolha certa. Na terra dos mortais, junto ao corpo moribundo da pequena Ofélia, a guerrilheira Mercedes chorará a perda, perpetuando o sentido da dignidade e da liberdade, balizada pela defesa incondicional dos desprotegidos, que também passa pelas normas, por vezes cruéis, da justiça humana.

O escritor, e cineasta, Guillermo del Toro traça a moral da história de Ofélia, a menina inocente e corajosa, com dúvidas e convicções, “que deixou atrás de si pequenos vestígios da sua passagem pela terra, visíveis só por quem saiba onde procurar”.

Joaquim Franco
SIC


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