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Páscoa e Jesus - Biblista Joaquim Carreira das Neves fala da investigação sobre a figura de Jesus, antecipando o novo livro do Papa
2007-04-12 22:18:02

Perguntava-me, há dias, um jornalista de uma estação televisiva o que é que a Páscoa tem a ver com Jesus, e se, hoje em dia, as pessoas ainda pensam em Jesus quando se entregam às festas da Páscoa - férias, família, gastronomia. Respondi que depende de quem tem fé ou não em Jesus.

A pergunta é pertinente e as respostas podem ser muitas e variadas, mas a verdade é que uma grande parte dos portugueses passa pelas festas da Páscoa sem saber que esta passagem depende da passagem de Jesus desta terra para o seio do Pai. De facto, Páscoa significa "passagem" e esta passagem começa por ser, em tempos de Moisés, a passagem da terra da servidão - Egipto - para a terra da liberdade ou salvação. Enquanto que no Antigo Testamento esta "passagem" é intra histórica, ligada a um Deus de um Povo, uma Lei, uma Terra, no Novo Testamento esta "passagem" depende da história de um Homem - Jesus de Nazaré -, acreditado como Messias, Filho de Deus e Deus-com-Deus.
O problema novo colocado à sociedade pós moderna em que vivemos é este: E quem é Jesus? Em tempos passados o problema não se punha porque o comum dos crentes aceitava o Jesus da Igreja (católicos, protestantes, ortodoxos). Com as democracias, as pessoas querem pensar a verdade por si, decidirem-se por si, e não pelo que a Igreja diz ser verdade. Gostam de Jesus, aceitam sem pestanejar que terá sido casado com Madalena (Código Da Vinci), aceitam que é mais do que natural que o seu túmulo e respectivas ossadas tenha sido encontrado em Jerusalém ou, então, que tenha passado a sua juventude na Índia, Egipto, a aprender artes mágicas e taumatúrgicas.

Realmente, nestes últimos dois séculos, Jesus foi visto como "mago", "marxista", "revolucionário zelota", "Messias apocalíptico", "Homem sem ser homem, isto é, homem apenas de aparência"), "o maior guru ou avatar de Deus", etc. As livrarias estão cheias deste Jesus eso-térico, que a todos agrada e a todos atinge. Há uma nova demanda de Jesus. O autor da primeira carta de João já escrevia nos finais do século primeiro: "Caríssimos, não deis fé a qualquer espírito (pessoa), mas examinai se os espíritos (pessoas crentes) são de Deus, pois muitos falsos profetas apareceram no mundo. Reconhecei que o espírito (pessoa crente) é de Deus por isto: todo o espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne mortal é de Deus; e todo o espírito que não faz esta confissão de fé acerca de Jesus não é de Deus (1Jo 4, 1-2; ver 2Jo 7). Naquele tempo havia entre os cristãos muitos docetas, isto é, crentes que viam em Jesus apenas Alguém de natureza divina, mas não humana. Nos séculos II-IV, estes crentes, agora auto nomeados "gnósticos", multiplicaram-se e deixaram os seus livros, muitos deles descobertos ultimamente em Nag-Hammadi, no Egipto.

Quem é, então, o real e verdadeiro Jesus? Difícil de responder apenas à luz da história. Talvez que o leitor perceba melhor este assunto a partir de um livro que foi publicado em Portugal apenas há um mês: O Evangelho Segundo Judas, narrado por Jeffrey Archer e Francis J. Moloney. Trata-se de um romancista e de um biblista (católico) americanos. Na América é um grande best-seller, e o mesmo acontece no mundo ocidental. Nada tem a ver com o Evangelho de Judas, descoberto no Egipto há uns trintas anos e publicado há uns três meses, de sabor gnóstico. Os autores deste novo "Evangelho Segundo Judas" apresentam uma obra de ficção: colocam um presumível filho de Judas Iscariotes, chamado Benjamim Iscariotes, a falar de Jesus segundo a narrativa que o seu pai, o apóstolo Judas Iscariotes, lhe transmitira. E o que lhe transmitiu foi o grande amor e dedicação do pai por Jesus, mas numa perspectiva apenas religiosa e política de messianismo nacionalista judaico. Os autores misturam os dizeres do pai Judas com textos bíblicos do Antigo e Novo Testamento. Neste aspecto, o livro está muito bem concebido porque o apóstolo Judas Iscariotes lutou para que o seu amigo e mestre Jesus implantasse o Reino de Deus na Terra de Israel. Não apenas Judas Iscariotes; também Simão Pedro e todos os demais apóstolos. Significa isto que o drama verdadeiro do Jesus da história consiste em implantar o Reino de Deus na história judaica segundo a visão messiânica política do mes-sianismo davídico, do messianismo apocalíptico, ou, então, do messianismo diferente, o do Servo de Deus, na linha do que fora profetizado em Isaías 52, 13-53, 12 (ver Deuteronómio 18, 15-18; Zacarias 9, 9-10; 12, 10: "Eles contemplarão aquele a quem trespassaram…").

Nas narrativas da tentação, o Diabo tentou Jesus para que Ele se envolvesse neste messianismo davídico, político e apocalíptico. Jesus não aceitou a tentação e, mais tarde, classificou Simão Pedro de "Satanás" porque o "primeiro apóstolo" também pensava desta maneira (Mateus 16, 23). Os falsos "messias" Teúdas e Judas o Galileu de Actos 5, 36-37 assim agiram. Também assim pensaram os judeus zelotas dos anos 66-70 d. C., envolvidos numa guerra religiosa, messiânica, contra os romanos. Em sentido contrário, o Reino messiânico de Jesus termina numa Cruz. Os seus discípulos abandonam-no e só voltam para Ele por obra e graça da Ressurreição. Quem é, então, Jesus? Não pode ser o Jesus "guru" ou "avatar" hindu porque a sua vida foi totalmente judaica e só judaica. Não pode ser o Jesus "marxista" porque pregou o perdão e o amor e não a luta de classes. Também não pode ser o Jesus "mago" porque o cerne da sua pregação consiste nas parábolas e não nos milagres e nem os milagres são realizados com fórmulas mágicas. Só pode ser um Messias de caris religioso e político, na dimensão judaica davídica, de poder divino que derrote e esmague os seus inimigos romanos e maus judeus, ou na dimensão apocalíptica, também de poder divino, instantâneo, como uma rajada de vento que tudo arrase e vença, limpando a eira humana de todos os pecados e injustiças (João Baptista em Mateus 3, 7-10), ou, finalmente, um Messias à maneira do Servo de Deus de Isaías, que se entrega em oblação redentora ao Pai e à Humanidade, no silêncio e sangue da Cruz (Mateus 12, 15-21; 16, 25; 20, 20-23). O verdadeiro Jesus da história é o verdadeiro Jesus da fé cristã, na sequência das suas palavras em Mateus 20, 28: "Também o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a todos".

Joaquim Carreira das Neves
Biblista

Fonte Ecclesia

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