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Evangelho segundo Ratzinger? - Novo livro do Papa procura superar superar a separação entre «o Cristo da fé e o Jesus histórico»
2007-04-12 22:16:50

O Vaticano vai apresentar, no dia 13 de Abril, o novo livro de Bento XVI, "Jesus de Nazaré", que chegará às livrarias a 16 de Abril, com edição em italiano (Rizzoli), alemão (Herder) e polaco (Wydawnictwo M).

A obra, como é natural, está rodeada por uma grande expectativa, não fosse o actual Papa um dos mais respeitados teólogos da Igreja Católica neste último meio século. O "seu" Jesus passa agora para um livro, trabalho que Joseph Ratzinger desenvolve desde 2003, ainda antes da sua eleição, tendo como objectivo superar a separação entre "o Cristo da fé e o Jesus histórico".

No prefácio deste volume, já divulgado, o Papa diz que o livro "não é, em absoluto, uma obra magisterial, mas unicamente a expressão da minha pesquisa pessoal do rosto do Senhor". Por isso, assegura Bento XVI, o objectivo é "tentar apresentar o Jesus dos Evangelhos como o verdadeiro Jesus, como o Jesus histórico no verdadeiro sentido da expressão".

"O ensinamento de Jesus não provém de uma aprendizagem humana, qualquer que seja. Vem do contacto imediato com o Pai, do diálogo cara a cara, do ver aquilo que está no seio do Pai. É palavra de Filho. Sem este fundamento interior, seria temeridade", escreve.

O interesse pela história real de Jesus de Nazaré impulsionou, nos últimos séculos, quase todos os especialistas, crentes e não crentes, adentrar-se, com diferentes perspectivas e instrumentos, nos difíceis campos da história de Jesus que, de maneira tão singular, marcou a nossa época.

Bento XVI cita autores da sua juventude, os quais publicaram textos em que a imagem de Jesus "é delineada a partir dos Evangelhos: como Ele viveu na Terra e como, apesar de ser inteiramente homem, trouxe ao mesmo tempo Deus aos homens, com o qual, enquanto Filho, era só uma coisa".

"Assim - explica o Papa - através do homem Jesus, torna-se visível Deus e, a partir de Deus, pode ver-se a imagem do homem justo".

A obra lembra que, na investigação recente, "o fosso entre o Jesus histórico e o Cristo da Fé se torna cada vez maior". "Os progressos da pesquisa histórico-crítica conduziram a distinções, cada vez mais subtis, entre os diversos estratos da tradição", assinala o Papa, "e a figura de Jesus, sobre a qual se apoia fé, torna-se cada vez mais incerta, toma contornos cada vez menos definidos".


Apelo ao essencial

"Deus é amor", primeira encíclica de Bento XVI, abordava, de forma directa o núcleo da fé católica. "Jesus de Nazaré" é o seu primeiro livro e, mais uma vez, o Papa vai ao que de mais importante e essencial tem o Cristianismo, neste caso a sua figura fundadora.

Os textos que possuímos sobre Jesus não pretendem fazer um relato jornalístico ou biográfico, como hoje se desejaria, mas testemunhar a mensagem vivida pelas primeiras comunidades cristãs. Esses textos são textos históricos relativos a essas comunidades e à pessoa de Jesus que neles aparece como alguém que não cabe nos limites humanos.

O "Jesus histórico" é uma expressão que tem dominado a pesquisa sobre a sua figura, nas últimas décadas, como se fosse uma entidade diferente do que se convencionou designar "Cristo da fé". Nos nossos dias, a figura de Jesus emerge em itinerários contrastantes, entre a releitura devocional e a demanda da "verdadeira história".

Curandeiro, sábio, profeta, contador de histórias, rabino galileu, militante social, judeu marginal, camponês mediterrânico ou filósofo itinerante são várias das hipóteses de leitura que se lançam sobre Jesus, completando-se ou mesmo contradizendo-se e excluindo-se. A vaga de estudos sobre o chamado "Jesus histórico", que tende a recusar imagens criadas pelas confissões cristãs, serviu para que, 200 anos após o seu início, a diversidade de opiniões e posições ainda seja maior.

Apesar destes riscos, os contributos de áreas tão diversas como a linguística, a arqueologia e outras ciências sociais e histórica facilitam, hoje em dia, o acesso aos textos do Evangelho e à cultura judaica em que Jesus se inscreveu.

Neste contexto, Bento XVI quer apresentar uma interpretação a partir dos Evangelhos, com a consciência de que "esta figura é muito mais lógica e mais compreensível, do ponto de vista histórico, do que as reconstruções com as quais nos confrontámos ao longo das últimas décadas".


Prefácio

Cheguei ao livro sobre Jesus, do qual apresento agora a primeira parte, após um longo caminho interior. Nos tempos de minha juventude -- anos trinta e quarenta -- publicou-se uma série de livros apaixonantes sobre Jesus. Recordo o nome de alguns autores: Karl Adam, Romano Guardini, Franz Michel Willam, Giovanni Papini, Jean Daniel-Rops. Em todos estes livros, a imagem de Jesus Cristo delineava-se a partir dos evangelhos: como viveu sobre a Terra e como, apesar de ser plenamente homem, levou ao mesmo tempo os homens a Deus, com o qual, como Filho, era uma coisa só. Assim, através do homem Jesus, Deus tornou-se visível, e a partir de Deus pôde ver-se a imagem do homem justo.

A partir dos anos cinquenta, a situação mudou. A sepração entre o «Jesus histórico» e o «Cristo da fé» tornou-se cada vez maior: afastaram-se um do outro rapidamente. Mas que significado pode ter a fé em Jesus Cristo, em Jesus Filho do Deus vivo, se depois o homem Jesus era tão diferente de como o apresentavam os evangelistas e de como o anuncia a Igreja a partir dos Evangelhos?

Os progressos da pesquisa histórico-crítica levaram a distinções cada vez mais subtis entre os diversos extractos da tradição. Por trás deles, a figura de Jesus, sobre a qual se apoia a fé, fez-se cada vez mais incerta, assumiu características cada vez menos definidas.

Ao mesmo tempo, as reconstruções sobre este Jesus, que devia ser procurado a partir das tradições dos evangelistas e suas fontes, tornaram-se cada vez mais contraditórias: desde o revolucionário inimigo dos romanos que se opunha ao poder constituído e naturalmente fracassa, ao manso moralista que tudo permite e inexplicavelmente acaba por causar a sua própria ruína.

Quem ler várias destas reconstruções pode constatar rapidamente que são mais fotografias dos autores e dos seus ideais que a verdadeira interrogação sobre uma imagem que se tornou confusa. Enquanto isso, ia crescendo a desconfiança para com estas imagens de Jesus, e a própria figura de Jesus se ia afastando cada vez mais de nós.

Todos estas tentativas deixaram, como denominador comum, a impressão de que sabemos muito pouco sobre Jesus, e que só mais tarde a fé na sua divindade plasmou a sua imagem. Enquanto isso, esta imagem foi penetrando profundamente na consciência comum da cristandade. Semelhante situação é dramática para a fé, porque torna incerto seu autêntico ponto de referência: a amizade íntima com Jesus, de quem tudo depende, debate-se e corre o risco de cair no vazio. [...]

Senti a necessidade de dar aos leitores estas indicações de carácter metodológico para que determinem o caminho de minha interpretação da figura de Jesus no Novo Testamento. Pelo que se refere à minha apresentação de Jesus, isto significa antes de tudo que eu tenho confiança nos Evangelhos. Naturalmente, dou por descontado quanto o Concílio e a moderna exegese dizem sobre os géneros literários, sobre a intencionalidade de suas afirmações, sobre o contexto comunitário dos Evangelhos e suas palavras neste contexto vivo. Aceitando tudo isto na medida em que me era possível, quis tentar apresentar o Jesus dos Evangelhos como o verdadeiro Jesus, como o «Jesus histórico» no verdadeiro sentido da expressão.

Estou certo de que -- e espero que o leitor possa perceber também -- esta figura é muito mais lógica e, do ponto de vista histórico, também mais compreensível que as reconstruções que pudemos encontrar nas últimas décadas.

Eu creio que precisamente este Jesus -- o dos Evangelhos -- é uma figura historicamente sensata e convincente. Só se aconteceu algo extraordinário, só se a figura e as palavras de Jesus superavam radicalmente todas as esperanças e as expectativas da época, só assim se explica a Crucifixão e sua eficácia.


Aproximadamente vinte anos depois da morte de Jesus, encontramos já plenamente desdobrada no grande hino a Cristo que é a Carta aos Filipenses (2, 6-8) uma cristologia, na qual se diz de Jesus que era igual a Deus mas que se desnudou a si mesmo, se fez homem, se humilhou até a morte na cruz e que a ele incumbe a homenagem da criação, a adoração que no profeta Isaías (45, 23) Deus proclamou que só a Ele se devia.


A investigação crítica faz com bom critério a pergunta: o que aconteceu nestes vinte anos desde a Crucifixão de Jesus? Como se chegou a esta Cristologia?

A acção de formações comunitárias anónimas, de quem se tenta encontrar expoentes, na realidade não explica nada. Como é possível que grupos de desconhecidos pudessem ser tão criativos, ser tão convincentes até chegar a imporem-se deste modo? Não é mais lógico, também do ponto de vista histórico, que a grandeza se encontre na origem e que a figura de Jesus rompesse todas as categorias disponíveis e assim poder ser compreendida só a partir do mistério de Deus?

Naturalmente, crer que ainda sendo homem Ele «fosse» Deus e dar a conhecer isto envolvendo-o em parábolas e ainda de um modo cada vez mais claro, vai muito além das possibilidades do método histórico. Ao contrário, se a partir desta convicção de fé se lêem os textos com o método histórico e a abertura se torna maior, estes abrem-se para mostrar um caminho e uma figura que são dignos de fé. Declara-se, então, também a luta em noutros âmbitos presentes nos escritos do Novo Testamento em torno da figura de Jesus e, apesar de todas as diversidades, chega-se ao profundo acordo com estes escritos.

Está claro que com esta visão da figura de Jesus vou muito além do que o que diz, por exemplo, Schnackenburg em representação de uma boa parte da exegese contemporânea. Espero, pelo contrário, que o leitor compreenda que este livro não foi escrito contra a exegese moderna, mas com grande reconhecimento pelo muito que ela continua a contribuir.

Fez-nos conhecer uma grande quantidade de fontes e de concepções através das quais a figura de Jesus pode fazer-se presente com uma vivacidade e uma profundidade que há poucas décadas não podíamos nem sequer imaginar. Eu tentei ir além da mera interpretação histórico-crítica, aplicando novos critérios metodológicos, que nos permitem uma interpretação propriamente teológica da Bíblia e que naturalmente requerem fé, sem que por isso eu queira renunciar à seriedade histórica. Creio que não é necessário dizer expressamente que este livro não é em absoluto um acto magisterial, mas a expressão de minha busca pessoal do «rosto do Senhor» (salmo 27, 8). Portanto, cada um tem liberdade para me contradizer. Só peço às leitoras e aos leitores uma antecipação de simpatia, sem a qual não existe compreensão possível.

Como já disse no começo deste prefácio, o caminho interior até este livro foi longo. Pude começar a trabalhar nele durante as férias de 2003. Em Agosto de 2004, tomaram forma os capítulos 1 a 4. Após minha eleição à sede apostólica de Roma, utilizei todos os momentos livres que tive para levá-lo adiante. Dado que não sei quanto tempo e quantas forças me serão concedidas ainda, decidi publicar agora como primeira parte do livro os primeiros dez capítulos que vão desde o baptismo no Jordão até a confissão de Pedro e à Transfiguração.

(Tradução de trabalho realizada pela Agência Zenit. Esta edição não corresponde à versão oficial, que será publicada no livro).

Fonte Ecclesia

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