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Os cristãos e o poder - Intenção Geral de Bento XVI para o mês de Dezembro
2006-12-11 23:08:51

1. O poder político. «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder...» (Mt 20, 25).

Olhando o ambiente político e social de há dois mil anos, não se poderia ser mais certeiro: os povos tinham chefes, reis, imperadores – alguns arrogando-se o título de «deuses»; e o poder era visto como um direito dos «senhores» sobre os povos. Lentamente, e muito por influência da tradição bíblica, este modelo de autoridade civil foi sendo limitado – primeiro, pela afirmação de que reis e imperadores não eram deuses nem humanos filhos de deuses, mas homens cujo poder provinha de Deus e era exercido em seu nome; depois, pela compreensão de que o poder não vinha directamente de Deus para o rei, mas para o povo, e que o poder do rei era recebido do povo e para serviço deste; finalmente, surgiu a noção do poder como algo que reside no povo e é por este temporariamente delegado em alguns dos seus, eleitos para esse fim. Hoje, esta compreensão do poder político é geralmente considerada a mais respeitadora dos direitos civis e a melhor forma de organizar a vida em sociedade...

2. O poder político como serviço. É o modo mais nobre de entender e exercer o poder político. Este serviço supõe que o exercício da autoridade esteja submetido ao império da lei e que todos possam viver ao abrigo de leis justas, pensadas tendo em vista o bem comum. Assumir o poder político como serviço implica uma preocupação genuína com os concidadãos, alheia a cálculos de sobrevivência partidária, antes apostada serenamente em tornar mais dignas as condições de vida de todos, sobretudo dos mais frágeis. Por seu lado, os cidadãos devem poder confiar nos detentores do poder, sabendo que estes o exercem de modo provisório e o fazem segundo uma ordem justa – e, como dizia alguém, sabendo também que a virtude maior de uma democracia não é os cidadãos poderem eleger os seus governantes, mas o facto de, passado algum tempo, os poderem «despedir», sem traumas nem violências. Infelizmente, grande parte da humanidade ainda nem sequer se aproximou desta possibilidade, mantendo-se perfeitamente actual aquele evangélico «sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores...», citado no número anterior.


3. Responsabilidade e sabedoria no uso do poder. É o que se espera de todos os responsáveis das nações, entre os quais avultam aqueles que detêm o poder político – executivo e legislativo. Espera-se daqueles que exercem o poder em regimes democráticos e daqueles que detêm o poder ao abrigo de outros modelos de governação. Uns e outros são chamados à responsabilidade – porque das suas decisões depende o bem-estar de indivíduos e povos inteiros e, em muitos casos, o bem-estar de toda a comunidade humana; uns e outros são convidados à sabedoria – porque quem exerce responsabilidades tão graves não se deve dar ao luxo de decisões inconsequentes ou fundadas na megalomania, na vaidade, no orgulho, na mesquinhez ideológica... A sabedoria, porém, é muitas vezes maltratada nos corredores do poder, e a responsabilidade fica frequentemente à porta dos gabinetes ministeriais...


4. Os cristãos e os «poderes». Rezar para que os responsáveis das nações sejam sábios no exercício das suas responsabilidades faz parte do serviço que o cristão presta à sociedade. Mas esta oração não pode ser desencarnada e há-de evitar, tal como resulta da leitura do Novo Testamento, dois extremos: a subversão, em nome de Deus, da ordem estabelecida e a subserviência face a qualquer poder, «grande» ou «pequeno». O cristão é chamado a «rezar» pelas autoridades constituídas, para que estas sirvam o bem comum; e é também chamado a afirmar claramente, quando está em causa a dignidade humana, que «mais vale obedecer a Deus do que aos homens». Entre estes dois extremos, há um enorme espaço disponível para o compromisso do cristão na vida social e política. Em sociedades democráticas – nas quais a regra é a competição entre diferentes propostas de sociedade – os cristãos são chamados a agir, escolhendo aquelas propostas mais concordes com os valores evangélicos. E, se necessário, devem organizar-se para tornar tais valores presentes e activos na transformação da sociedade – sem confusão entre «Igreja» e «Estado», mas também não deixando que o cristianismo seja expulso da praça pública, como se nada tivesse a dizer de relevante. O cristão testemunhará, assim, a existência de uma outra «ordem das coisas», a caducidade dos «poderes» deste mundo e o direito a resistir-lhes pacificamente, quando eles se exprimem através de leis injustas, violadoras da consciência dos cidadãos e inimigas da dignidade do ser humano, de todo o ser humano e não apenas daqueles que o poder do momento considera como tais. Em breve, teremos oportunidade de agir segundo este direito-dever, assumindo, no referendo sobre a liberalização do aborto, a nossa oposição a uma proposta de lei injusta e inimiga da dignidade humana. Como vamos agir? Deixando que outros decidam por nós? Ignorando a gravidade do que está em causa e alinhando no «politicamente correcto»? Ou fazendo valer a nossa condição de cidadãos com direitos iguais a todos os outros e as exigências da nossa fé, tal como a propõe o magistério da Igreja?

Elias Couto

Fonte Ecclesia

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