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"Para se ser católico, não é preciso acreditar em Fátima"
2006-10-16 22:42:26

Diz que quer perceber as ideias do Papa para Fátima. O novo bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, não esquece o terrorismo e as guerras, mas diz que o "vazio espiritual" e o "anseio de espiritualidade" também contribuem para os mais de cinco milhões de pessoas que ali acorrem anualmente - mesmo não crentes. É a primeira entrevista como bispo da diocese depois da tomada de posse, em Junho.

Transmontano, nascido em Chaves, 59 anos, António Marto é bispo de Leiria-Fátima desde Junho. Tinha estado ano e meio em Viseu.
PÚBLICO - Irá aproveitar a audiência com o Papa, em que quer convidá-lo a vir a Portugal, para saber as ideias dele sobre Fátima?
D. ANTÓNIO MARTO - Gostaria de o ouvir, uma vez que a nomeação foi mesmo pessoal, sobre o significado de Fátima e o que ele espera do santuário. Recebi uma resposta à aceitação do pedido para ser bispo, em que o Papa fazia votos de êxito, na diocese onde está o santuário "de importância capital para a diocese, para o país, para a Europa e para o mundo". Gostava de saber o pensamento dele acerca desta frase.
Isso não coincide com o que ele escrevia sobre o terceiro segredo de Fátima, colocando-o ao nível da revelação privada...
A revelação privada é uma actualização da revelação fundadora que não traz nada de novo em relação à fé. É por isso que a Igreja não exige dos crentes uma fé nas revelações particulares. Mas isso não é tirar importância ao apelo carismático que aqui aconteceu.
Para se ser católico não é preciso acreditar que Nossa Senhora apareceu em Fátima?
A Igreja não exige isso, porque tudo o que tem para acreditar está no Evangelho e na tradição da Igreja.
O cerne da mensagem não foi compreendido, como diz no seu livro Fátima e a Modernidade?
... Por muita gente, que fica só na periferia dos ritos, das devoções, das promessas e não apanhou este núcleo da mensagem, de advertência mas também de esperança, de que é possível vencer o mal.
Essa incompreensão não tem origem também no que a Igreja faz e na condescendência para com as promessas?
A mensagem tem como finalidade dar origem a um movimento popular, universal, de conversão e chamamento dos homens ao bem supremo da paz, para que sejam dignos dela no seu quotidiano. Isto encontra eco no meio do povo e traz consigo o fenómeno da religiosidade popular que é uma expressão encarnada da fé. E que privilegia mais a lógica do coração do que da razão, do simbólico que do racional. É uma linguagem no meio das outras, mas que pode trazer elementos de superstição, que precisam de ser purificados.

Quando se olha para Fátima, vê-se também mais a linguagem sacrificial ou pietista do que a inteligência da fé?
Em Fátima encontramos as diferentes linguagens: a da razão e do coração, do anúncio e do símbolo - que se complementam, não se opõem.
Falava do tempo difícil em que sucederam as aparições. Hoje a realidade é semelhante?
Paradoxalmente, quando se pensava que íamos entrar num período de paz, entrámos numa grande conflitualidade [entre] povos e culturas, com as guerras do Médio Oriente e a ameaça do terrorismo. [Este] é um terramoto cultural no início do milénio, porque transporta a guerra dos exércitos para as pessoas individuais e dos porta-aviões para as consciências, criando um clima de insegurança e desconfiança entre pessoas e povos.

Isso justifica o aumento dos peregrinos na última década e meia, em Fátima, para mais de cinco milhões por ano?
Será um dos factores, não o único. O cerne da mensagem é um chamamento à paz - que os homens se tornem dignos dela e sejam capazes de a encarnar no quotidiano. Também há outros factores: o vazio espiritual que hoje se vive e uma grande busca, um grande anseio de interioridade e espiritualidade. Esse é um dos testemunhos que tenho encontrado: gente por vezes nem praticante, mas que vem aqui buscar espiritualidade.
Quando fala da guerra e do vazio espiritual é na perspectiva de Fátima quase em contraponto aos "mestres da suspeita" - Marx, Nietzsche, Freud - que coloca no seu livro?
[No livro], procurei mostrar o contexto em que a mensagem chegou à humanidade: o combate ateísta, a negação de Deus e um projecto de extirpação de Deus, quer das consciências quer da cultura social, como se a religião fosse um cancro a ser extirpado. A tese desses mestres da suspeita era: é necessário que Deus morra para que o homem viva. Hoje, é mais a indiferença da cultura e da tentação de viver como se Deus não existisse.

Deus já não é uma preocupação, mas é algo de supérfluo. A grande tentação - mesmo entre os crentes - é viver como se Deus não existisse.
Há crentes que também vivem como se Deus não existisse?
Há, são crentes que na teoria afirmam a sua fé, mas que, na sua existência, Deus praticamente não conta. Vivem a religião esquizofrenicamente, em âmbitos completamente separados: a religião é reduzida à igreja, a uma prática, mas depois, no estilo de vida, na configuração e nas grandes opções de vida, não conta. Isso não se refere só às multidões, refere-se também a cada um e eu, como bispo, devo dizer que sinto esse combate da fé dentro de mim.

Por António Marujo

Fonte Público

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