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Fé católica "é um fardo" para os cristão europeus
2006-05-04 23:04:28

O novo bispo de Leiria está mais do que satisfeito com a sua nomeação para uma diocese com o "peso" institucional e a projecção que tem em termos nacionais e internacionais, embora se declare um homem simples. O brilho que "põe" nos olhos, mesmo quando fala das saudades que vai ter "dos de Viseu", e o riso franco e aberto, a rondar a gargalhada, mostram que está feliz. Preocupa-o a perda de influência do cristianismo e não esconde que quer fazer parte da mudança necessária .

Entrevista de D. António Marto, novo bispo de Leiria-Fátima, ao jornal Diário de Notícias.


Por Jacinta Romão Natacha Cardoso.

A Conferência Episcopal considera que a Igreja começa a 'ficar muda', pois continua, há séculos, a usar uma 'linguagem morta' para falar de um Deus vivo. Partilha desta autocrítica da Igreja Católica Portuguesa?

São expressões fortes para despertar quem anda um pouco adormecido. Não significa que de facto esteja muda. Querem traduzir uma situação que a Igreja vive na Europa, não tanto como noutros continentes. Isto porque a Igreja, de facto, é una mas diversificada nas situações e nos contextos nacionais, internacionais. E está a viver uma fase de pujança, quase nascente diríamos, na Ásia, na África e na América Latina.

Na Europa, como em Portugal, envelheceu de facto?

Na Europa vivemos numa fase da cultura pós-moderna que se caracteriza, sobretudo, pelo vazio. Caíram os grandes ideais, os grandes valores da modernidade. Vivemos numa fase de viragem epocal e a chamada cultura pós-moderna é uma cultura do vazio dos grandes ideais, dos grandes valores e do fechamento num certo individualismo. De maneira que a Igreja que vive na Europa ressente- -se, quer queira quer não, desta crise de civilização e cultura porque ela não vive numa redoma de vidro. Então dá a ideia, uma ideia dominante, de que os cristãos estão a sentir um certo cansaço.

Mas isto é uma chance. Quer dizer, a crise nunca pode ser vista de uma forma pessimista. Tem que se olhar para ela de um modo optimista: é um desafio para descobrir a frescura e a novidade do Evangelho e da fé cristã.

Como espera participar nessa viragem na Diocese de Leiria/Fátima?

Já em Viseu, onde estive dois anos, procurei que os católicos descobrissem a beleza e a alegria da fé, porque, para muitos a fé é reduzida a um moralismo religioso, um conjunto de obrigações, de proibições, como se fosse um fardo que Deus colocou sobre os ombros dos pobres mortais. Assim não descobrem a beleza e o encanto de Jesus Cristo e do Evangelho como aquele que abre um horizonte novo para a vida. Sem isso não se encontra, não se descobre a beleza e o encanto, por conseguinte a fé é reduzida a um fardo.

Um fardo que a Igreja tem ajudado a transportar e a manter?

O problema não é ajudar a transportar o fardo. O problema é ajudar a descobrir o coração da fé. E por conseguinte a alegria de viver a fé. É disso que nos dão testemunho os cristãos da Ásia e da África.

Eu estive no sínodo dos bispos que era sobre a eucaristia, mas não se falou só da eucaristia em abstracto, falou-se da eucaristia a partir dos pontos vitais em que ela é celebrada, vivida e testemunhada. Entre os africanos, por exemplo, celebrar a eucaristia é a grande festa mesmo no meio da pobreza deles. É a festa do grande encontro da comunhão que é capaz de durar duas, três horas. A alegria da fé que depois dá impulso, espiritualidade à vida de cada dia. Acho que é esta a grande viragem que somos chamados a fazer neste momento.

A Igreja Católica e o Vaticano estão nesse caminho?

Há já documentos muito lindos dos sínodos dos bispos. O problema é que isto demora tempo a passar do papel às mentalidades, mas sobretudo da mente ao coração. O caminho mais longo, diz Heidegger, é o caminho que vai da mente ao coração. Parece-nos mais perto, mas é o mais longo. Quer dizer: a gente passa ao coração e por conseguinte à vida as verdades da fé. Aqueles grandes conteúdos da fé. E quem diz da fé diz das convicções. Passá-las da mente à vida, isso é o mais difícil.

Quais são as suas prioridades para a nova Diocese para fazer também essa passagem da mente ao coração?

Eu não conheço esta diocese, como me aconteceu quando fui para Viseu. Conheço no sentido de passar por aqui como turista. Mas a tarefa prioritária de um bispo é conhecer a realidade, não abstractamente pelos números que nos dão as estatísticas. Mas conhecer as pessoas, as situações concretas no seu contexto vital, cultural, religioso e, depois, a partir daí, procurar fazer caminho com os cristãos.

Há um provérbio africano que costumo usar e que diz assim: "Se queres chegar depressa corre sozinho, se queres chegar longe corre juntamente com os outros." Porque o que pode um bispo sozinho por aí fora? Vai com o seu programa, mas se não vai com o seu povo o que é que adianta?

Já começou essa avaliação?

Não, ainda estou em Viseu onde ainda tenho compromissos.

É um bispo muito novo...

Depende dos olhos que me vêem. Já são 58 anos. É uma idade significativa. Tenho 5 anos de bispo.

A juventude vai mantê-lo uns anos largos à frente da Diocese de Leiria.

Penso terminar por aqui os meus dias. Porque vim sem contar. Eu estava tão bem em Viseu que foi uma surpresa completa. Não há memória, que eu me recorde, de um bispo ter sido transferido num tão curto espaço de tempo. De maneira que espero ficar aqui até chegar à idade limite, que são os 75 anos.

Mas está nos seus planos ser cardeal e ir para Roma...

Eu sou um homem muito simples. Então vou-lhe dizer: o meu pai não gostava que eu fosse padre. O sonho dele era que eu fosse para o Exército - ele era guarda fiscal - mas depois aceitou. Quando fui padre disse-me isto: "Meu filho lembra-te sempre que vens de uma família humilde; que nunca te suba o poder à cabeça e respeita os humildes e isso tem-me seguido toda a vida. Portanto nunca sonho com honras nem grandezas."

Essa pode ser a atitude de um Papa.

Sim, mas isto é para dizer que não sonho... Nem na vida de padre nem na vida de bispo andei à procura de lugares honrosos, nem sonho com isso. Agora, por obediência ao Santo Padre vim.

Leiria/Fátima é uma Diocese de grande poder, de grande presença, nacional e internacional...

Sim, é de grande projecção nacional e internacional e por isso é que o Santo Padre quis um bispo teólogo para aqui. Optei por não dizer não ao Santo Padre quando estava muito bem e afectivamente ligado à diocese de Viseu, uma diocese querida e onde me sentia amado pelo povo.

Mas a sua nomeação não obedeceu bem ao processo habitual.

Para a nomeação de um bispo são consultados todos os bispos do país, os órgãos de corresponsabilidade, padres e leigos da própria diocese e, segundo me foi dito, o meu nome terá sido o mais sugerido pelos colegas do episcopado, talvez porque eu escrevi coisas sobre Fátima.

Eu até acho graça porque o cardeal Saraiva Martins telefonou-me a dar os parabéns disse- -me: "O senhor escreveu coisas lindas sobre Fátima." Eu disse-lhe: "Pois é senhor cardeal, pela boca morre o peixe." Foi isso. Então recebi um telefonema de Roma a dizer-me que era vontade do Santo Padre que aceitasse. Pronto, aceitei na obediência e com a alegria e o entusiasmo que ponho sempre naquilo que faço, assim como para onde quer que vá.


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