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Vocações para a crise?
2006-05-04 23:04:33

O número de padres está a diminuir em Portugal a uma média de quase 50 por ano. O último anuário da Igreja Católica revela dados preocupantes para o futuro da estrutura eclesiástica. A quebra é progressiva e, segundo dados oficiais, haverá já menos de 3000 padres diocesanos em Portugal, para quase 4400 paróquias...

As estatísticas referentes ao triénio 2000-2003 revelam que, neste período, o número de sacerdotes formados nos seminários diocesanos baixou de 3159 para 3029: menos 130.

O clero formado noutros institutos não tem uma redução tão acentuada, mas a tendência parece irreversível.

Em média, por cada dois padres que morrem, é ordenado apenas um e o número de seminaristas também está a baixar.

Mantendo-se esta diminuição de vocações, dentro de uma década a Igreja portuguesa só consegue garantir padres, com a formação clássica dos seminários diocesanos, em metade das paróquias existentes. É a própria estrutura hierárquica que está em causa.

São frequentes os apelos e os documentos do episcopado para uma sensibilização das famílias católicas para a vocação sacerdotal. Mas um outro problema desponta, próprio de um tempo e de uma sociedade - a europeia, onde Portugal se insere culturalmente - que promove a ambição e a competição.

O exercício do "sacerdócio" não estará a perder o sentido do "serviço" gratuito de missão para ganhar contornos de uma "carreira" com o conforto do respectivo exercício profissional?

No caso português, há também um dramático fosso "geracional" nos padres. O período pós revolucionário provocou uma descontinuidade nas vocações que começa agora a ter impacto.

À cabeça do debate sobre a falta de vocações surge normalmente o celibato; a menor influência das famílias na educação dos filhos; o "divórcio" entre a doutrina e a vivência dos católicos; a sociedade, que promove o "efémero" e facilita a "desistência", como sugeriu o Cardeal Patriarca de Lisboa no último Domingo de Ramos.

Têm surgido alguns problemas de integração entre jovens padres. As vocações não são imunes à "pressão" da sociedade contemporânea e começam a ser frequentes os casos de padres que acabam por "desistir" ou enfrentam graves "crises" já depois de ordenados.

O assunto tem sido debatido em múltiplos fóruns de opinião, com a participação de grupos e movimentos da Igreja. São várias as causas e consequências deste cenário, e demasiado complexas para um simples texto de análise.

Admitindo o risco de uma abordagem demasiado superficial, limito-me a sublinhar que, num aparente paradoxo, esta "crise" de vocações na Igreja Católica coincide com o despertar do sentimento "religioso", numa sociedade cada vez mais plural e promotora do "indivíduo".

O modelo "piramidal", centrado no clero, que assegurou as "estruturas" locais da Igreja Católica durante muitos anos, é uma fórmula que há muito se diluiu na cultura urbana das liberdades adquiridas, dos direitos inalienáveis e dos deveres transversais.

Quando as hierarquias insistem na "estrutura" da "pirâmide" para organizar as comunidades urbanas de base, correm o risco de promover o distanciamento em relação ao homem contemporâneo. Incentivam a preguiça, centralizam responsabilidades que devem ser partilhadas e, na cegueira de um objectivo não devidamente participado, precipitam-se em dinâmicas de relacionamento comunitário que pouco contribuem para, verdadeiramente, congregar.

O homem urbano é formado e formatado por uma multiplicidade de estímulos culturais, assimilados no contexto do individualismo e da pouca disponibilidade. Construir hoje comunidade "religiosa", implica valorizar cada célula no seu âmago, para a tornar parte integrante de um "todo" fraternal.

As comunidades cristãs do século XXI são chamadas a um novo desafio de exigência espiritual e relacional, onde o "íntimo" e o "individual" ganham novo e maior relevo na senda do transcendente.

A "horizontalidade" não serve apenas para cumprir pressupostos democráticos - porventura os menos relevantes -, mas para valorizar o lugar que o "sagrado" ocupa em cada indivíduo e descobrir as "vias de acesso" de cada indivíduo à grande comunidade plural, com todas as suas implicações. Na consciencialização desta nova atitude poderá redesenhar-se a "comunhão" e o "serviço" na igreja.

Vive-se um tempo propício ao regresso às dinâmicas de pequenos grupos, cansados de ritos viciados pela rotina, mas sedentos do ritual da proximidade, da cumplicidade e da surpresa. É por aqui que o "sacerdote" assume a sua função maior, actuando à medida de cada "alma", onde o domínio do "inexplicável" é atraente e exclusivo dos ministros de qualquer culto ou fé, independentemente de serem celibatários ou casados.

O apelo de D. José Policarpo aos padres de Lisboa, preocupado com o envelhecimento do clero, é inequívoco: "Não hesiteis em limitar actividades, se for necessário, para reservardes tempo para a oração".

Joaquim Franco
Jornalista
opiniao@sic.pt


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