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O Puzzle do Patriarca
2006-04-19 22:34:33

Bento XVI está a tornar-se num Papa que insistirá numa defesa intransigente da identidade católica, mas sem pôr de lado um desejo sincero de comunicar com o outro lado. A sua convicção é que só alguém com um profundo sentido de si pode abrir um diálogo profícuo com o outro.

Quando se celebra um ano da eleição do Papa Bento XVI, muitos comentadores se têm debruçado sobre a sua falta de carisma e arrebatamento em comparação com o predecessor, João Paulo II, e também sobre o surpreendente tom positivo e moderado deste primeiro ano.
No entanto, um acto muito discreto no mês passado ofereceu mais uma importante pista para perceber este novo líder da maior e mais complexa organização religiosa da Terra: a decisão de Bento XVI abdicar do tradicional título papal de "patriarca do Ocidente".
Em muitos aspectos, o Vaticano mantém a tradição de uma corte, o que significa que existem uma série de títulos pomposos ligados ao Papa: "sucessor de Pedro", por exemplo, porque se considera que o Papa ocupa o lugar de Pedro a quem Cristo designou como líder da Igreja. O Papa é também conhecido como "príncipe dos apóstolos". Para não mencionar "bispo de Roma", "servo dos servos de Deus" (um título acrescentado por Paulo VI nos anos 60 para enfatizar a humildade) e por aí adiante.
Durante os séculos XIX e XX, "patriarca do Ocidente" também constava da lista. Mas, sem qualquer pompa, Bento riscou-o da lista no início de Março passado. Só um mês depois, em resposta a inúmeros pedidos, o Vaticano deu uma explicação para o facto.
Por trás da decisão está um arcaico debate entre os "eclesiologistas" sobre se o termo "patriarca" é uma forma correcta de descrever a autoridade do Papa sobre o que normalmente se tem chamado "Igreja Latina", ou cristandade ocidental, em oposição às antigas Igrejas do Oriente, em lugares como a Rússia, o Egipto e Síria e a Índia.
O Papa sempre teve uma autoridade mais directa sobre o Ocidente - que originalmente representava aquelas Igrejas que estavam mais próximas de Roma, em Itália e na Europa Ocidental, que mais tarde se espalharam para a América do Norte e para todos os locais onde os missionários europeus plantaram os seus rebentos de cristandade. As antigas Igrejas do Oriente nunca estiveram sob o controlo papal directo.
Para os cristãos de Leste, o Papa é visto mais como um tio mais velho, uma espécie de reserva moral última, do que como um pai que dita as regras. Os cristãos ortodoxos insistiram desde sempre que limites claros à autoridade papal são a condição número um para quaisquer conversações sobre reunificação com os católicos romanos, de forma a curar as feridas abertas entre o Oriente e o Ocidente no ano 1054.
A relação mais estreita e mais jurídica do Papa com a Igreja Latina era o que queria dizer o título "patriarca do Ocidente". No entanto, a palavra "patriarca" não é um termo ocidental. Vem da tradição das Igrejas orientais, onde a cabeça da Igreja de Constantinopla, Moscovo ou Atenas é conhecida como patriarca.
Alguns teólogos ocidentais queixam-se de há muito que a descrição do Papa como patriarca do Ocidente o colocava no mesmo nível das outras figuras, tornando mais difícil de perceber como poderia ele reclamar autoridade sobre toda a Igreja cristã, do Ocidente e do Oriente, que faz parte do dogma tradicional católica do ministério papal.
A decisão de Bento XVI abdicar do título - e a forma como o fez - dá-nos uma pista para compreender o seu pensamento: em assuntos de fé e moral, ele não quebrará qualquer compromisso; mas em tudo o resto, incluindo numa série de questões difíceis que não têm respostas claras no catecismo da Igreja, ele será uma figura surpreendentemente moderada e reconciliadora. Ele abdicou do título de "patriarca" porque criava ambiguidade sobre a autoridade papal, que Bento acredita vir de Cristo e deve ser defendida.
No entanto, ao apresentar a sua decisão, não se enrolou na bandeira papal com as chaves de Pedro, invectivando os ortodoxos sobre o dever de obediência. Em vez disso, explicou que a renúncia ao título não significa "qualquer nova insistência na autoridade papal" e que, de facto, o título trazia consigo algum pretensiosismo por parte dos papas porque não provinha da sua tradição latina e deveria ser deixado para as Igrejas ortodoxas. Nesse sentido, disse, a renúncia era efectivamente um sinal de respeito "que poderia ser útil para o diálogo ecuménico".
Por outras palavras, Bento XVI está a tornar-se num Papa que insistirá numa defesa intransigente da identidade católica, mas sem pôr de lado um desejo sincero de comunicar com o outro lado. A sua convicção é que só alguém com um profundo sentido de si pode abrir um diálogo profícuo com o outro.
Bento traçará linhas na areia, quando a situação o exigir, mas é uma figura moderada e pastoral em todas as outras ocasiões. Essa combinação far-nos-á coçar a cabeça de vez em quando, como as reacções à decisão do "patriarca do Ocidente" bem ilustram, mas também significará um papado de drama e surpresa.

John L. Allen Jr
Correspondente no Vaticano do National Catholic Reporter e autor do livro The Rise of Benedict XVI

Fonte Público

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