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Cinco temas de um ano de pontificado
2006-04-19 22:32:14

Eleito por Bento XVI como a prioridade das prioridades, o diálogo ecuménico (com protestantes, anglicanos e ortodoxos) teve já pequenos avanços, ainda que pouco perceptíveis para a opinião pública, sob o pontificado de Bento XVI. O comité de coordenação da Comissão Mista entre a Igreja Católica e a Igreja Ortodoxa recomeçou a reunir-se, depois de ter estado desactivado durante cinco anos.

O clima psicológico entre o Vaticano e o patriarcado ortodoxo russo também desanuviou um pouco, com responsáveis de ambos os lados a fazerem profissão de fé na aproximação mútua, mesmo se ainda sem grandes efeitos práticos.
Continua, no entanto, sem se saber o que quer o Papa Bento quando dizia, logo no seu primeiro discurso após a eleição, que são necessários "gestos concretos" no diálogo ecuménico. Naturalmente, Ratzinger terá alguma ideia ou sugestão a propor. Estará porventura a deixar que a aproximação amadureça, depois da relativa frieza que dominou nos últimos anos do pontificado de João Paulo II? Terá como objectivo insistir no tema para que as várias igrejas cristãs sintam a necessidade de concretizar alguma iniciativa?
A 20 de Abril do ano passado, o novo Papa afirmava como seu "compromisso primário o de trabalhar sem poupar energias na reconstituição da plena e visível unidade de todos os seguidores de Cristo". E apontava outras condições necessárias para esse diálogo, além dos gestos concretos: o diálogo teológico, o aprofundamento das motivações históricas de opções do passado e a "purificação da memória".

Aplicar o Vaticano II mas...

Uma outra prioridade enunciada por Bento XVI foi a da aplicação dos documentos e orientações do Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965. Na sua primeira mensagem, o Papa reafirmou a "actualidade" desses textos.
Numa outra intervenção importante - o discurso à Cúria Romana, a 23 de Dezembro último -, Bento XVI desenvolveu a sua ideia de interpretação dessa herança conciliar, criticando o que designava como "hermenêutica da descontinuidade e da reforma", pois esta "corre o risco de terminar numa ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-conciliar".
Para Bento XVI, está em causa a aplicação estrita dos textos e não do espírito ou do dinamismo posterior, provocado pelo próprio Concílio - o que, levado à letra, colocaria em causa muita da renovação litúrgica pós-conciliar.
O património do Concílio é posto em causa por vários sectores católicos e levou mesmo à ruptura do arcebispo francês Marcel Lefebvre com o Vaticano. Os seguidores do bispo rebelde contestam a abertura ao diálogo inter-religioso que o Vaticano II permitiu, bem como a aceitação da liberdade religiosa por parte da Igreja Católica.
Entretanto, o Papa iniciou consultas para avaliar a possibilidade de readmitir os lefebvrianos. Mas a questão terá que ser ponderada: se a aplicação do Concílio é prioridade de Bento XVI, haverá garantias dos católicos integristas de que passarão a aceitar alguns dos principais aspectos da sua herança?

Cristãos e judeus, a mesma espera

O teólogo Joseph Ratzinger já há muito que reserva ao judaísmo um lugar especial na sua reflexão bíblica. Em 1997, por exemplo, numa conferência sobre as relações entre judeus e cristãos, na Academia das Ciências Morais e Políticas, em Paris, o então cardeal dizia que, à semelhança dos judeus, "também a Igreja espera o Messias, que já conhece e à qual, antes de mais, ele manifestará a sua glória".
Se o conceito de espera é diferente nos dois casos, a afirmação não deixa de ser relevante, em termos teológicos. Não é estranho, por isso, que Ratzinger sublinhe, em diversos pormenores, a importância da herança judaica na tradição cristã. Desde as diversas audiências que concedeu, em separado, a líderes de organizações e comunidades judaicas, até à visita à Sinagoga de Colónia (Alemanha) - e uma outra à de Roma, já marcada para este ano, 20 anos depois da histórica visita de João Paulo II - e à referência à leitura bíblica judaica ou às tradições e orações do judaísmo em vários dos seus textos.
Apesar desta aproximação teológica, o Papa tem reafirmado, igualmente, a necessidade de cristãos e judeus conhecerem as diferenças entre ambas as religiões. Em Colónia, na sua ida à sinagoga, Bento XVI (que condenou a "demencial ideologia racista de matriz neopagã" consubstanciada no nazismo e no extermínio dos judeus) enalteceu os avanços na aproximação entre judeus e cristãos, mas disse que é necessário chegar a uma "interpretação conjunta acerca de questões históricas ainda abertas" e que o "diálogo não deverá esquecer nem subestimar as diferenças existentes".

Santos com mais cautelas

A decisão de suspender uma beatificação já anunciada introduziu uma das grandes rupturas de Bento XVI em relação ao seu antecessor: o padre francês Léon Dehon (1843-1925), fundador dos Sacerdotes do Coração de Jesus, ou Dehonianos, teve a sua beatificação marcada para Abril do ano passado, mas ela só não foi feita por João Paulo II ter morrido no início do mês.
Em Junho, Bento XVI suspendeu-a e nomeou uma comissão de quatro cardeais para a reavaliar. Motivo: as acusações de anti-semitismo dos textos de Dehon.
Nunca uma beatificação já marcada fora suspensa por razões deste género, ainda para mais tendo o alerta partido de um historiador - e não de algum alto responsável da Igreja. Outra diferença importante em relação a João Paulo II: ao tomar a decisão, Bento XVI coloca em causa a "fábrica de santos" em que, na opinião de muitos, a Congregação para a Causa dos Santos se transformou, sob a presidência do cardeal português José Saraiva Martins.
Bento XVI, que desde há um ano não assinou mais nenhuma beatificação ou canonização, tomou outra decisão relativa a este âmbito: o Papa passa a presidir apenas às canonizações, deixando as beatificações para os bispos locais ou para o cardeal Saraiva Martins.

Disciplina e mulheres

A disciplina dos franciscanos de Assis (centro de Itália), nas basílicas que recordam S. Francisco, foi chamada à ordem naquela que é uma das decisões mais polémicas até agora tomadas por Bento XVI. Com relativa autonomia de acção nas suas actividades - dedicadas, em grande parte, ao diálogo inter-religioso e à promoção da paz -, os franciscanos passaram a depender, desde Novembro de 2005, do bispo local.
Para os que aceitam a normalidade da decisão, esta mais não faz que seguir a norma canónica, segundo a qual é o bispo de cada diocese que tutela as diferentes actividades, sejam elas de padres diocesanos ou de monges que residam na sua área. Mas houve responsáveis políticos da direita italiana que rejubilaram com a chamada dos franciscanos à ordem, tendo em conta o carácter demasiado "ousado" das suas actividades.
Em outro sentido vai a declaração de Bento XVI, numa reunião do clero romano em Março passado, de que é importante reflectir sobre a possibilidade de "oferecer mais espaço e mais posições de responsabilidade às mulheres", mesmo no serviço ministerial da Igreja.
Recusando que haja lugar para a ordenação de mulheres, a afirmação do Papa é tanto mais importante quanto tinha sido o próprio, enquanto cardeal Ratzinger, a assinar um documento da Congregação para a Doutrina da Fé que declarava "encerrado" o debate sobre o tema no interior da Igreja.

Fonte Público

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