paroquias.org
 

Notícias






Bento XVI Um estilo mais discreto no Vaticano
2006-04-19 23:30:57

Algumas decisões polémicas, outras surpreendentes, mas sempre com um estilo mais discreto. Há um ano, a escolha de Joseph Ratzinger para Papa apanhou muita gente de surpresa.

A 19 de Abril de 2005, faz hoje um ano, muita gente ficou surpreendida pela escolha dos 115 cardeais reunidos em conclave. Para sucessor do Papa João Paulo II, os eleitores deste restrito colégio eleitoral escolheram um homem de 78 anos, originário da Baviera, no Sul da Alemanha, e que até aí era conhecido por ser o guardião da ortodoxia católica: Joseph Ratzinger.
Um ano depois, a afirmação de uma personalidade mais discreta é uma das notas principais do pontificado de Bento XVI, o nome escolhido para Papa. Mesmo se o novo líder dos mais de mil milhões de católicos já tomou algumas decisões polémicas, e outras que surpreendem pela ruptura que introduzem com o pontificado anterior, ainda não é claro o que Ratzinger quer fazer em algumas das áreas de actuação.
Com a sua eleição, havia quem esperasse a simples continuidade do anterior pontificado. Durante 24 anos, Ratzinger foi o braço-direito de João Paulo II para as questões da ortodoxia teológica, uma espécie de sombra do Papa. Nada mais natural, portanto, que continuasse as grandes orientações.
Outras reacções viram nele um espelho da escolha de Angelo Roncalli: também eleito com 78 anos, o futuro João XXIII surpreenderia tudo e todos com a convocação do Concílio Vaticano II, a reunião de todos os bispos do mundo que, entre 1962 e 1965, trouxe a Igreja Católica para a modernidade. É pouco provável, no entanto, que Ratzinger convoque um novo concílio. Enquanto cardeal, sempre se opôs a tal e já como Papa fez da aplicação das orientações conciliares uma das suas prioridades.
Um dos teólogos que foram marginalizados logo no início do pontificado de João Paulo II, o suíço Hans Küng, afirmou anteontem à agência italiana Ansa que esperava essa convocatória da parte de Bento XVI. "Espero que o Papa possa convocar um concílio para debater problemas" como o celibato obrigatório dos padres ou a moral sexual.
Küng foi colega de Ratzinger como perito do Concílio Vaticano II e enquanto professor na Universidade de Tubinga (Alemanha). Em Setembro, os dois antigos companheiros reencontraram-se, com o novo Papa a receber o teólogo em Castelgandolfo (a residência de férias). Agora, nas declarações à Ansa, Küng afirmou que Bento XVI está consciente que a "situação" da Igreja é "séria", por causa da quebra de influência do catolicismo no mundo e da crise de vocações do clero.
Apesar disso, o Papa tem insistido, isso sim, na aplicação dos ensinamentos do Vaticano II. E fez disso uma das suas bandeiras programáticas, ao afirmar, logo na primeira mensagem após ser eleito: "Desejo afirmar com vigor a vontade decidida de prosseguir no compromisso de concretização do Concílio Vaticano II. (...) Com o passar dos anos, os documentos conciliares não perderam actualidade; ao contrário, os seus ensinamentos revelam-se particularmente pertinentes em relação às novas situações da Igreja e da actual sociedade globalizada."

Nem guardião
nem reformador
Ao fim do primeiro ano de pontificado, Bento XVI não se afirmou, assim, nem como o continuador da sua missão de vigilante da verdade católica nem como o reformador que alguns esperariam. É mais evidente, no entanto, que a atenção mediática incide um pouco menos em Ratzinger que no seu antecessor - restando avaliar até que ponto o cargo anterior do actual Papa ajuda ou não a estabelecer preconceitos.
Outras diferenças há, no campo do diálogo ecuménico, da relativização das canonizações ou na reabertura do debate sobre as mulheres - que o próprio, enquanto cardeal, tinha declarado encerrado (ver texto ao lado). Uma das preocupações de Bento XVI tem sido, aliás, a de recentrar atenções na Igreja e nos bispos, clero, religiosos e leigos que a integram. Uma Igreja que não se perca no activismo, como alertava na sua primeira encíclica, mas que tenha alguma coisa a dizer de significativo ao mundo - tal é o teor de vários comentários a propósito desse seu primeiro grande documento.
A unidade da mensagem é importante para o actual Papa, num mundo que a hierarquia católica vê cada vez mais distante do catolicismo - não só a nível da moral individual proposta pela ortodoxia, como no âmbito de questões como a guerra e a paz, ou a distribuição da riqueza no mundo.
Nesse sentido, são reveladores os seus apelos de domingo passado, em que falou dos refugiados e das guerras de África, do conflito no Médio Oriente ou dos riscos de uma escalada violenta a propósito do nuclear iraniano. Apelos ao arrepio do discurso dominante, como já tinha acontecido nas mensagens para o Dia Mundial da Paz, a 1 de Janeiro, ou ao corpo diplomático acreditado no Vaticano, dias depois.
Na continuidade em relação a João Paulo II, está a vontade de Bento XVI em prosseguir o diálogo inter-religioso. Mas, tal como acontece com a aproximação ecuménica, o papa quer que esse processo seja feito no pressuposto do mútuo conhecimento das diferenças.
Uma certeza é que não mudará o fundamental das orientações da Igreja em matéria de moral individual - aborto, contracepção, bioética. Várias intervenções do Papa criticaram aspectos como as uniões homossexuais, a pesquisa em embriões ou a eutanásia.
A Europa está no centro das suas opções geográficas, mesmo se o Papa já afirmou também a sua atenção para com África e a Ásia. Na Europa se expandiu o cristianismo e a escolha do nome de Bento indicia a sua opção por valorizar as raízes cristãs do continente. S. Bento, fundador do monaquismo contemporâneo e padroeiro da Europa, e o Papa Bento XV, que liderou a Igreja durante a I Guerra Mundial, foram os padrinhos escolhidos por Ratzinger para o seu nome de Papa.
"Ele está convencido de que o futuro do cristianismo se joga no teatro da cultura europeia", dizia ontem, em declarações à AFP, o historiador italiano Alberto Melloni, autor de um livro recente sobre os primeiros tempos do Papa Ratzinger.

António Marujo

Fonte Público

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia