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Carta do Prelado do Opus Dei sobre a Quaresma
2006-03-09 22:21:25

D. Javier Echevarría escreveu esta carta pastoral no início da Quaresma, tempo de preparação para a Semana Santa e Páscoa.

Começa a Quaresma, tempo privilegiado da peregrinação interior em direcção Àquele que é a fonte da misericórdia. É uma peregrinação em que Ele mesmo nos acompanha através do deserto da nossa pobreza, sustentando-nos no caminho para a alegria intensa da Páscoa (BENTO XVI, Mensagem para a Quaresma 2006, 29-IX-2005).

Com o seu insistente convite para nos prepararmos para as festas pascais, a liturgia destes próximos dias incita-nos a rezar com maior intensidade e constância, a ser mais generosos no oferecimento de mortificações e na realização de obras de misericórdia. É precisamente este último aspecto que Bento XVI quis ressaltar na sua Mensagem, ao escolher como lema aquelas expressão do Evangelho: ao ver as multidões, compadeceu-se delas (Mt 9, 36). Podemos e devemos aplicar estas palavras de S. Mateus ao nosso dia, caracterizado pelo contínuo trato com outras pessoas em campos muito diferentes: a família, o trabalho, o descanso, as relações sociais...

Em todos estes momentos, recorda o Santo Padre, temos de nos esforçar por olhar para os outros como Nosso Senhor os olhava e tentar ajudá-los: ver naqueles que nos rodeiam, sem excluir ninguém, almas redimidas pelo Sangue precioso de Jesus Cristo (Cfr. 1 Cor 6, 20). Tal como há vinte séculos, o "olhar" comovido de Cristo detém-se também hoje sobre os homens e sobre os povos, visto que pelo "projecto" divino todos estão chamados à salvação. Jesus, perante as insídias que se opõem a este projecto, compadece-se das multidões: defende-as dos lobos, mesmo à custa da sua vida. Com o seu olhar, Jesus abraça as multidões e cada um e entrega-os ao Pai, oferecendo-se a si mesmo em sacrifício de expiação (BENTO XVI, Mensagem para a Quaresma 2006, 29-IX-2005). Naqueles tempos, morando fisicamente entre os seus irmãos, os homens, o Verbo encarnado punha directamente os olhos nos que O seguiam; agora, do Sacrário e do Céu, serve-se dos seus discípulos – de ti e de mim – para dirigir a cada homem e a cada mulher o seu olhar misericordioso.

Sempre é preciso pensar nos outros, procurar levá-los para Deus. Mas nas próximas semanas – em que, além disso, nos preparamos de modo imediato para a solenidade de S. José – devem aumentar ainda mais os nossos anseios apostólicos. Basta reparar no que contemplamos diariamente, nos círculos mais próximos e em todo o mundo, para descubrir a urgência da caridade de Cristo, que se nota em toda a parte. Perante os episódios de violência que se registam em tantas nações, os cristãos não devem pagar com outras ofensas, nem maltratar ninguém. Para fazer frente aos problemas do convívio humano, grandes e pequenos, a solução consiste em amar mais, em amar melhor, de acordo com a exortação de S. Paulo: não pagueis a ninguém o mal com o mal; tende o cuidado de bem proceder diante de todos os homens. Se for possível, quanto de vós depende, vivei em paz com todos. Não façais justiça por vós próprios, caríssimos, mais dai lugar à ira divina (...). Mas se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer, se tem sede, dá-lhe de beber; pois, fazendo assim amontoarás carvões acesos na cabeça dele. Não te deixes vencer pelo mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12, 17-21).

O nosso Padre, há já muito tempo, sintetizou este ensinamento do Apóstolo com uma frase incisiva: afogar o mal em abundância de bem (S. JOSEMARIA, Sulco, n. 864). E concretizava: Não se trata de campanhas negativas, nem de ser anti-nada. Pelo contrário: viver de afirmação, cheios de optimismo, com juventude, alegria e paz; ver com compreensão a todos: aos que seguem Cristo e aos que O abandonam ou não O conhecem (Ibid ).

Esta atitude não tem nada a ver com passividade ou derrotismo: compreensão não significa abstencionismo, nem indiferença, mas actividade (Ibid). Como membros da sociedade civil, os cristãos devem defender os seus direitos cívicos – que tamém são direitos das outras pessoas – com todos os meios lícitos ao seu alcance, sem agressividade, mas sem cedências ou compromissos no que se refere aos bem comum dos indivíduos e das nações. Agora, quando em muitos sítios se faz gala de um laicismo militante, é especialmente importante que aqueles que reconhecem a lei moral natural se unam em defesa e promoção desses valores, independentemente das crenças de cada um.

Graças a Deus, em muitos sítios estão a despertar forças que dormitavam e muita gente está a sair do seu individualismo para tomar parte activa nas grandes batalhas culturais e sociais do nosso tempo. Como te comportas, no modo como vives a tua liberdade pessoal? Participas nessas nobres iniciativas consoante as tuas possibilidades? Procuras mobilizar outras pessoas, advertindo-as de que não podem fechar-se na sua carapaça, mas que se devem decidir a dar a cara para defender os direitos de Deus e os direitos inalienáveis da pessoa humana?

Esta mobilização apresenta-se como estratégia permanente. Ao mesmo tempo, como se trata de favorecer mudanças incisivas e duradouras, o compromisso pessoal tem uma vital importância. É no coração de cada ser humano que se travam as batalhas decisivas para a melhoria da sociedade, como ensina o Evangelho: do coração saem os maus pensamentos, os homicídios os adultérios, as fornicações, os furtos, os falsos testemunhos e as blasfémias (Mt 15, 19). S. Paulo propõe um programa concreto, muito em sintonia com o espírito da Quaresma: o amor seja sem fingimento, escreve. Aborrecei o mal, aderi ao bem. Amai-vos reciprocamente com caridade fraternal, adiantando-vos em honrar uns aos outros. Diligentes, sem preguiça; fervorosos de espírito, servindo ao Senhor; alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração; acudi às necessidades dos santos; empenhai-vos em exercer a hospitalidade (Rm 12, 9-13).

Trata-se, em última análise, de levar a cabo uma grande sementeira de caridade nos corações humanos e nas estruturas sociais. Como Bento XVI indicou na sua primeira encíclica, o amor – caritas – será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem prescinde do amor, prepara-se para se desfazer do ser humano enquanto ser humano. Sempre haverá sofrimento a precisar de consolação e ajuda. Sempre haverá solidão. Existirão sempre situações de necessidade material, para as quais é indispensável uma ajuda na linha de um amor concreto ao próximo (BENTO XVI, Carta encíclica Deus caritas est, 25-XII-2005, n. 28). Todos temos de sentir esta preocupação concreta pelas pessoas que vivem à nossa volta, sinal claro do verdadeiro amor a Deus; porque quem não ama o seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a Quem não vê? (Jo 4, 20).

S. Josemaria ensinou-nos que, para que esta preocupação se manifeste com rectidão e eficácia, é preciso esvaziar-se do próprio eu, acolher sinceramente e como próprias as preocupações, as alegrias e as penas dos nossos semelhantes, e concretamente daqueles que estão mais perto por motivos de comum vocação, de parentesco, de profissão, etc. Talvez te venha aos lábios a exclamação – é muito difícil! – que vem no Sulco. Recorda a resposta do nosso Padre e empenha-te em levá-la à prática: Ouve, se lutares, basta-te a graça de Deus: prescindirás dos interesses pessoais, servirás os outros por Deus, e ajudarás a Igreja no campo onde hoje se trava a batalha: na rua, na fábrica, na oficina, na universidade, no escritório, no teu ambiente, no meio dos teus (S. JOSEMARIA, Sulco, n. 14).

Bento XVI indica que, num primeiro momento, as motivações do amor costumam incluir objectivos como a auto-complacência, a auto-realização ou mesmo o proveito pessoal. Por isso, devem-se purificar, seguir um caminho de ascese, renúncias, purificações e saneamentos (BENTO XVI, Carta encíclica Deus caritas est, 25-XII-2005, n. 5). Só assim o amor inicial, imperfeito, poderá chegar a fundir-se com o amor de verdadeira doação, que se esquece de si mesmo porque é um reflexo do amor de Cristo à humanidade. Quando Jesus fala, nas suas parábolas, do pastor que vai atrás da ovelha perdida, da mulher que procura a dracma, do pai que sai ao encontro do filho pródigo e o abraça, não se trata apenas de palavras, mas de uma explicação do seu próprio ser e agir. Na sua morte de cruz, cumpre-se aquele virar-se de Deus contra si próprio, com o qual Ele se entrega para levantar o ser humano e salvá-lo – o amor na sua forma mais radical (Ibid., n. 12). O nosso Padre ensinou-nos a olhar piedosamente para o Crucifixo, porque Cristo na Cruz, com o Coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta eloquente – as palavras não são necessárias – à pergunta pelo valor das coisas e das pessoas. Pois valem tanto os homens, a sua vida, a sua felicidade, que o próprio Filho de Deus Se entrega para os remir, para os purificar, para os elevar (S. JOSEMARIA, Cristo que Passa, n. 165).

Na proximidade da solenidade de S. José, depois de termos meditado no seus gozos e dores, pensamos na lealdade completa que devemos ter em tudo o que nos ocupa. Suplicai ao nosso Padre que se grave nas almas de cada uma, de cada um, o "preconceito psicológico" de pensar sempre em Deus e nos outros, pois nunca estamos sós. Aprendamos do Santo Patriarca a servir alegremente, amando a Vontade do Senhor e esmerando-nos na caridade com todas as almas.

Com todo o afecto, abençoa-vos o vosso Padre
+ Javier

Roma, 1 de Março de 2006

http://www.opusdei.org/art.php?w=28&p=11947


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