paroquias.org
 

Notícias






O escocês perseguido na Madeira por causa da sua fé
2006-01-24 09:33:37

Foi conhecido como o santo dos pobres ou o bom doutor inglês. Montou escolas e um hospital no Funchal. Foi depois perseguido, preso e obrigado a sair da Madeira - tal como aconteceu a pelo menos dois mil madeirenses que tinham abraçado a fé protestante.

O médico Robert Reid Kalley, que, entre 1838 e 1846, viveu na ilha, foi o fundador da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (IEPP) e incansável divulgador da Bíblia. A memória das perseguições aos "hereges calvinistas" irá ser feita durante os próximos dois anos pela Igreja Presbiteriana, a propósito dos 160 anos da expulsão.
Um livro há muito esgotado, que conta a história deste evangelizador intrépido, acaba de ser reeditado pela IEPP. Robert Reid Kalley - O Apóstolo da Madeira foi escrito por Michael P. Testa, um outro pastor presbiteriano, este de origem americana, que trabalhou em Portugal entre 1949 e 1964. Uma história desenvolvida no livro Madeirenses Errantes (ed. Oficina do Livro), do jornalista Ferreira Fernandes.
David Valente, secretário-geral da IEPP, recorda que a perseguição aos madeirenses protestantes foi uma das duas maiores do século XIX, a par de uma outra em Madagáscar. E, mesmo em tempos de diálogo ecuménico - amanhã termina a Semana Mundial pela Unidade dos Cristãos -, David Valente diz que "é preciso conhecer estas histórias para saber o que aconteceu e evitar que volte a acontecer".
Nascido em 8 de Setembro de 1809, nos arredores de Glasgow, a alma racionalista do jovem Kalley não quis seguir os desejos do padrasto e do avô, que o desejavam para ministro da Igreja da Escócia. Por isso opta pela Medicina, licenciando-se em 1829.
Com 20 anos, oferece-se como médico de bordo nos navios que faziam a viagem até Bombaim. Já estabelecido como médico, o acompanhamento de uma doente muda-lhe a vida: "Senti, satisfeito, que há um Deus, que este livro [a Bíblia] é de Deus...", dirá ele mais tarde. Kalley deseja partir como médico e missionário para a China. A mulher com quem entretanto casara era tísica e ele decidiu levá-la uns tempos para a Madeira, com a ideia de que ela se curasse. Chegaram ao Funchal a 12 de Outubro de 1838.
Kalley usa esforços e fortuna "a favor do povo pobre e analfabeto da ilha", escreve Testa. Estuda Português, faz exame para exercer Medicina em Portugal e aprofunda estudos teológicos. Em 1840, monta um hospital com 12 camas, oferecendo tratamentos e internamento gratuitos. Monta uma rede de escolas, às quais fornece material e professores, frequentadas por "centenas de homens, após os trabalhos duros nos campos", como o próprio descreve.

Preso durante seis meses
Ao mesmo tempo, Kalley distribuía exemplares da Bíblia, esclarecia dúvidas, compunha hinos religiosos em Português. As suas actividades proselitistas começam a merecer a desconfiança das autoridades políticas e religiosas. O bispo católico, que se contava entre os clientes e amigos, comunica-lhe o teor de uma carta de Lisboa, recomendando o fim de tal apostolado. Kalley não desiste.
O médico enfrenta dificuldades. Burocracia, ameaças, tudo serve para apertar o cerco, dirigido sobretudo por um cónego católico - Carlos Teles de Meneses. O escândalo, nota Ferreira Fernandes, "atinge o ponto de não retorno quando, no início de 1843, dois madeirenses se convertem publicamente": Nicolau Tolentino Vieira e Francisco Pires Soares.
Kalley é preso durante seis meses. Maria Joaquina Alves, mãe de sete filhos, é também detida, mas por dois anos e meio. No Outono de 1845, crescem a violência e os insultos. A 8 e 9 de Agosto seguinte, soldados e cúmplices expulsam os "calvinistas hereges" das suas casas, obrigando-os a fugir para os campos e a montanha. Sobrevivem escondidos.
Kalley foge nesse dia a bordo do Forth, aportado na baía do Funchal. No dia 23, o William leva pelo menos 200 refugiados fugidos à perseguição religiosa. Nos dois anos seguintes, um total de dois mil madeirenses irá para Trindade, Antígua, Jamaica, Illinois, Havai. Depois de passar por Malta e Palestina, Kalley chega ao Brasil em 1855, onde funda a Igreja Presbiteriana. Regressa à Escócia em 1876, após uma vida dedicada à causa que abraçara.

António Marujo

Fonte Público

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia