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Vaticano II entre a revolução inacabada e os exageros
2005-12-08 22:39:51

Foi uma revolução na Igreja Católica. Alguns consideram-na não terminada, outros dizem que houve exageros na sua aplicação. Há 40 anos, terminava o Concílio Vaticano II, convocado de surpresa pelo Papa João XXIII. O concílio abriu janelas mas também destapou crises latentes no catolicismo. Hoje, muitos pedem um Vaticano III. Porque o mundo mudou.

O Papa Bento XVI assinala hoje, com uma missa na Basílica de São Pedro, os 40 anos do encerramento do Concílio Vaticano II. Este acontecimento, que decorreu entre 1962 e 1965, reuniu os cerca de 2500 bispos de todo o mundo, agitou a vida da Igreja, relançou dinamismos de mudança que se registavam desde o início do século XX, mudou a liturgia católica, abriu a instituição a um diálogo mais profundo com outras confissões religiosas ou com as sociedades. Mas destapou também várias crises.
Muitos consideram o Vaticano II uma revolução inacabada, outros falam dele como causa dos problemas do pós-concílio e de avanços além do que os textos propunham. Entre esses olhares, o Vaticano II ainda é objecto de polémica.

A convocatória apanhou quase toda a gente de surpresa. O Papa Pio XII (1939-58) pensara na possibilidade de o fazer, mas a II Guerra Mundial e a oposição da Cúria Romana travaram-lhe a ideia. Em 28 de Outubro de 1958, o conclave elegeu Angelo Roncalli, que adoptou o nome de João XXIII. Três meses depois, a 25 de Janeiro, o Papa de transição, como foi encarado, troca as voltas e convoca um concílio para aggiornare a Igreja em relação a um mundo em mudança.

A assembleia abre a 11 de Outubro de 1962. Para discussão havia 72 esboços propostos pela Cúria e comissões preparatórias. Os bispos participantes rejeitam-nos em bloco, refazem-se os esquemas, reduzindo os documentos para um total de 16. A primeira sessão acaba em 8 de Dezembro sem que nenhum texto seja aprovado.
João XXIII morre em Junho seguinte, sucede-lhe o cardeal Giovanni Montini, de Milão, que escolhe o nome de Paulo VI. A sua primeira decisão é confirmar a continuação do Concílio para Setembro seguinte. Nesse ano e nos dois seguintes, entre Setembro e Dezembro, os bispos voltam a reunir-se em Roma, para discutir e aprovar os textos, depois de muitos e, por vezes, acalorados debates.

Textos "imperfeitos, soluções de compromisso"

Quando termina, a assembleia deixa aprovadas quatro constituições, nove decretos e três declarações, títulos que dizem da extensão e importância do tema. Certo é que as declarações sobre a liberdade religiosa e as religiões não-cristãs acabam por se tornar dois dos textos mais significativos. A par das constituições (sobre a liturgia, a definição da Igreja, a Bíblia e a revelação, e sobre o diálogo da Igreja com o mundo) e do decreto sobre os leigos.
Os documentos (reunidos em português em edição do Apostolado da Oração) reflectem a diversidade dos "múltiplos teólogos, redactores e decisores" que para eles contribuíra, diz ao PÚBLICO o padre Peter Stilwell, director da Faculdade de Teologia (FT) da Universidade Católica. São textos por vezes "imperfeitos, soluções de compromisso". Os documentos, acrescenta, não devem por isso "ser lidos como tratados de teologia, mas como resultado de consensos."

Consequências directas da aplicação dos textos ou do dinamismo criado, o concílio alterou profundamente a imagem e a experiência católica: pormenores formais (o fim da missa em latim ou da pompa ligada ao Papa, que era transportado numa cadeira); abertura renovada à participação dos leigos na vida da Igreja, culminando o trabalho de décadas da Acção Católica; uma perspectiva da Igreja que acentuou a vertente comunitária ou de "povo de Deus"; o reconhecimento da autonomia das sociedades e da liberdade religiosa; a abertura ao diálogo ecuménico e inter-religioso.

Várias destas questões transportaram tensões na sua aplicação. Outras foram confrontadas com as novas mudanças sociais das últimas décadas. Por essa razão, são cada vez mais as vozes que pedem um novo concílio.
O mundo mudou: colocam-se hoje questões éticas novas, as sociedades secularizaram-se. Na Igreja, o centralismo romano é ainda fonte de polémica, no Ocidente não há renovação do clero, o estatuto dos padres está em causa, o papel das mulheres é objecto de debate crítico, a moral individual criou um fosso entre a doutrina oficial e a prática de muitos católicos.

Quarenta anos depois, um novo Papa foi eleito, com a mesma idade de João XXIII (78 anos). Se a Bento XVI já ninguém considera como um Papa de transição, a expectativa em relação ao que Ratzinger pode fazer ainda não se esclareceu. A primeira encíclica do novo Papa, que deverá ser publicada em breve, pode ajudar a tirar dúvidas.

Por António Marujo

Fonte Público

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