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«A Bendita entre todas as mulheres» - Homilia de D. José Policarpo, Patriarca de Lisboa, na Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria
2005-12-08 22:34:09

Em pleno Advento, chamados a dar objectividade à esperança e a viver a densidade do desejo de se encontrar plenamente com Jesus Cristo, celebramos o mistério da Conceição Imaculada de Maria, a Mulher em quem se realizou plenamente, desde o primeiro instante da sua existência, o desígnio salvífico de Deus.

As leituras da Sagrada Escritura confrontam-nos com o mistério da mulher e o seu lugar específico na aventura da Salvação. Ressalta o contraste entre Eva, a primeira mulher, “a mãe de todos os homens”, e Maria, a nova Eva, a “bendita entre todas as mulheres”.
A dimensão da vida de Maria que celebramos nesta festa litúrgica tem, na Palavra da Escritura que acabámos de escutar, duas abordagens que se encontram na plenitude de uma mulher, plenamente mulher: a primeira é o olhar extasiado e comovido com que nós, pecadores, olhamos para ela e lhe chamamos “Imaculada”, a sem mancha, que nunca conheceu a infidelidade do pecado. Só quem, na sua vida, nunca sentiu o desejo de vencer a fragilidade e a tentação, não sente o fascínio de uma mulher imaculada. Ela é uma estrela cuja luz reacende, na nossa vida, a esperança, tem o fascínio de um ideal de quem quer seguir essa luz, como os Magos seguiram a estrela, porque volta a acreditar que tudo é possível, “porque a Deus nada é impossível” (Lc. 1,37).
Eva foi criada à “imagem de Deus”, tendo gravada, no seu coração, a semente do amor divino. Mas não permaneceu imaculada, não foi bendita entre as mulheres, ou seja, deixou de ser o modelo de mulher que Deus desejou, importante para o triunfo positivo da humanidade. Segundo o texto do Génesis, a fragilidade de Eva surpreendeu Adão e deixou-o fragilizado, e desgostou, profundamente, o coração de Deus. Porque fizeste isto, disse Deus à mulher. E Adão, quando Deus lhe pediu contas da sua desobediência, a resposta que dá não é uma desculpa; é a expressão de um realismo sincero, que afirma, para todo o sempre, como o homem precisa da ajuda da mulher para ser fiel ao amor. “A mulher que me destes por companheira deu-me do fruto da árvore, e eu comi” (Gen. 3,12). A mulher companheira, a que intui quando ele ainda não percebeu, a que é capaz dos grandes rasgos de generosidade, a que tem um coração que se deixa cativar, que ele aprendeu a considerar o baluarte da sua fortaleza, o fundamento da sua segurança, a que primeiro intui o caminho da felicidade, falhou, deixou-se encantar por outra voz, que não era a de Deus. A fragilidade da mulher teve repercussões profundas no futuro da humanidade, em todos os tempos.
E é por isso que o surgir, no horizonte da história, de uma mulher imaculada, significa o renascer da esperança. Para os homens, que precisam de continuar a ter a mulher como companheira para construírem o seu próprio caminho de fidelidade, voltam a poder confiar nela, a abandonar-se às intuições mais profundas do seu coração, à ousadia do seu dom, à humildade da sua aceitação do mistério. Para as mulheres, que sentem que a maldição de Eva está vencida, e a sua dignidade recuperada, o seu coração volta a estar ancorado no amor de Deus e podem seguir, com segurança, todos os seus impulsos de amor. Descobrem, na linha da Carta de Paulo aos Efésios que, em Cristo, foram escolhidas antes da criação do mundo para serem santas e irrepreensíveis perante Deus, através do mistério do amor. Maria, a Mulher Imaculada, suscita em todas as mulheres que acreditam em Cristo, a esperança de voltarem a ser imaculadas, companheiras seguras do homem na aventura da fidelidade.
Mas o mistério de Maria que hoje celebramos é-nos apresentado pela Sagrada Escritura, também na perspectiva de Deus. Quando Deus vem ao encontro de Maria, através do mensageiro celeste, chama-lhe a “cheia de graça”. O Anjo diz a Maria: Deus está encantado por ti. A plenitude de graça é a plenitude do Amor. Deus pode amar Maria como Se ama a Si Mesmo, na intimidade da comunhão trinitária, e Maria, ao deixar-se amar, mergulha numa resposta de amor, sem receio e sem limites. Pela primeira vez, desde o pecado de Eva, uma criatura participa plenamente no amor divino e essa criatura é Maria. É isso que a torna “bendita entre as mulheres”. São Bernardo, num dos seus sermões sobre Nossa Senhora, referindo-se à Anunciação, diz que o Anjo, que trazia uma mensagem de amor da parte de Deus, fica surpreendido ao encontrá-la completamente mergulhada no amor divino. Esse amor é a expressão máxima do seu carácter imaculado.
O Evangelho relaciona esta plenitude de amor com a sua maternidade divina. Na natureza humana, fragilizada pelo pecado, a maternidade realiza a mulher, porque a abre a expressões fundamentais do amor: a sua gratuidade sem limites e a sua fecundidade. Em Maria é o amor que realiza a Mãe. É a plenitude desse amor que a torna Mãe, segundo o desígnio de Deus e não segundo a natureza. É o amor de Deus que é fecundo nela: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá da Sua sombra” (Lc. 1,35). O seu Filho é, realmente, fruto do amor divino: “É por isso que o Santo que vai nascer se há-de chamar Filho de Deus” (Lc. 1,35).
A criação reencontra a sua verdade fundamental. O homem e a mulher são reconduzidos ao seu papel de protagonistas da Salvação. Para que um homem voltasse a ter essa primazia de plenitude de vida, foi necessário que um homem especial, “o Homem”, fosse Filho de Deus. Para que a mulher recuperasse o seu lugar central na Salvação, bastou que uma mulher, simples criatura, fosse Imaculada e pudesse amar como Deus ama. É esta sua forma de plenitude que pode ser modelo para nós, simples criaturas, que Deus predestinou em Cristo, para sermos seus filhos adoptivos. Vencido o pecado, podemos caminhar para uma vida imaculada, digna da intimidade de Deus. Anima-nos a certeza de que “a Deus nada é impossível” (Lc. 1,37).

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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