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Continuidade do Congresso tem de se exprimir na fidelidade da Igreja ao dom de Deus
2005-11-14 00:30:34

Homilia do Cardeal-Patriarca no encerramento do ICNE

1. Com esta celebração encerramos a Sessão de Lisboa do Congresso Internacional para a Nova Evangelização. Fazemo-lo em comunhão com as Igrejas de Viena, Paris, Bruxelas e Budapeste, louvando o Senhor por todo o percurso percorrido, desejosos de discernir caminhos e escutar os Seus chamamentos para o futuro da missão. O nosso Congresso, grande realização humana, é apenas um momento de um dinamismo contínuo e universal, a força transformadora do homem e da história, que brota de Jesus Cristo, morto e ressuscitado e que se exprime na Igreja, seu sacramento e principal agente, através do Espírito Santo. O Congresso fez-nos sentir a importância fundamental da missão da Igreja para a humanidade e a exigência da fidelidade a essa missão.
A Liturgia de hoje propõe-nos para meditação a parábola evangélica dos talentos, que simboliza as vicissitudes da força salvífica de Deus condicionada pela fidelidade humana. É o dinamismo da Encarnação, em que a força do amor salvífico de Deus se exprime nos homens e através dos homens. É o drama da salvação, onde, se por um lado Deus eleva o homem à grandeza de ser protagonista da Salvação, de poder salvar os seus irmãos, por outro pode comprometer, pela infidelidade dos cristãos à Páscoa de Jesus, a realização da Salvação. Esse é o maior drama que pesa sobre a Igreja histórica: ela pode, com a sua infidelidade, atrasar o progresso da humanidade em ordem à cidade definitiva que Deus deseja.
A parábola dos talentos não se aplica só às pessoas individualmente, mas à Igreja, Povo do Senhor e sacramento de salvação. Foi a ela que Deus entregou todos os talentos, ou seja, toda a energia transformadora do Seu amor salvífico, para que os ponha a render nela mesma, vivendo em santidade e fecunde com eles o mundo, como força recriadora da História. Deus entregou-lhe Jesus Cristo Vivo, enriquece-a continuamente com o dom do Espírito Santo, Espírito de amor divino; deu-lhe a possibilidade de celebrar com Jesus Cristo a Páscoa da vida, donde jorram continuamente rios de água viva, que através dos sacramentos, podem transformar o homem e o mundo; diz-lhe, sempre de novo, a Sua Palavra, que ela é convidada a escutar como palavra de amor, dita agora, em cada momento da nossa vida, porque o amor é sempre presente; convida-a à intimidade amorosa, que só a oração e a contemplação exprimem e envia-a sempre de novo a anunciar a alegria da salvação, que é a exaltação de se sentir amado por Deus, em Jesus Cristo Vivo, na Sua contemporaneidade com todos nós. É à Igreja, Seu Povo, que enriqueceu com todos estes dons, a quem quer dar tudo o que tem para dar, que o Senhor, no fim dos tempos, há-de perguntar: como fizeste frutificar todos os dons que em ti depositei? A salvação do mundo depende da fidelidade da Igreja aos dons de Deus.

2. Neste momento uma interrogação, que é um anseio, brota do coração de todos nós: que novos caminhos se abrem para a missão da Igreja, depois deste Congresso. E a resposta principal foi-nos dada pela parábola evangélica dos talentos: a fidelidade da Igreja a Jesus Cristo Vivo, à Eucaristia que celebra, à Palavra que lhe toca o coração, ao Espírito que a santifica. O Santo Padre dizia-nos na sua Mensagem: “As vossas Igrejas locais vivem do dom da carne e do sangue de Cristo, pelo qual Ele nos quer transformar e fazer semelhantes a Si Mesmo. Estão vivas, porque Cristo está vivo nelas e, por elas, quer comunicar a todos a vida, e vida em abundância”. Toda a renovação pastoral que o Congresso nos sugira, deve visar, em primeiro plano, a fidelidade da Igreja. Percebemos melhor aquelas palavras que Jesus disse um dia: «Eu fui enviado, em primeiro lugar, às ovelhas perdidas da Casa de Israel».
Fidelidade da Igreja supõe aprofundamento da fé, caminhos renovados de catequese, distribuição a todos do pão da Palavra, conduzindo os crentes para a sabedoria, onde a inteligibilidade da fé origina uma racionalidade crente, sem dicotomias entre fé e razão, valorizando a inteligência humana como capacidade de acolhimento da Palavra. O aprofundamento da fé supõe uma visão renovada da relação entre teologia como ciência da fé e acção pastoral.
Fidelidade da Igreja supõe celebrar bem, cada vez melhor, os mistérios da fé. A Liturgia tem de ser o foco irradiador da profundidade.
Fidelidade da Igreja supõe aprender a rezar. Só na experiência da comunhão íntima com Deus se entra na Sua intimidade e se descobre a alegria de ser amado por Ele. A oração é contemplação, enquanto abandono pessoal à intimidade de amor, mas é também acção, com frutos fecundos no crescimento do Reino de Deus. Só Deus conhece em que medida o futuro da cidade depende da oração silenciosa dos íntimos de Deus. Que um justo pode salvar a cidade é já afirmado por Deus a Abraão, a propósito da ameaça de destruição de Sodoma e Gomorra (cf. Gen. 18,22-32). Deste Congresso pode surgir um grande dinamismo de aprendizagem de oração: aprender a rezar celebrando e a celebrar rezando, ganhar o gosto pela adoração, de modo particular pela adoração eucarística, descobrir que toda a vida pode ser acto de louvor.
Fidelidade da Igreja supõe valorizar as diferenças e os carismas, infinita variedade dos dons de Deus, pérolas diferentes a embelezar o rosto de uma Igreja una. É humano supervalorizar o próprio dom o que pode levar a rejeitar as diferenças. O mesmo Espírito que nos guia no discernimento dos dons de Deus, é o único que nos tornará humildes e sábios para nos alegrarmos com os dons dos outros, como acordes de uma única harmonia. O próprio Santo Padre nos convida, na Mensagem que nos dirigiu, a “reforçar a comunhão entre as estruturas paroquiais e as várias realidades carismáticas largamente presentes nas vossas cidades, a fim de que a missão possa atingir todos os ambientes da vida”.
Entre os diferentes carismas que enriquecem a Igreja de Lisboa, quero referir um de que pouco se fala e pode exercer papel decisivo na renovação da Igreja e da missão: refiro-me ao carisma feminino, à maneira feminina de ser cristão, de rezar, de amar, de servir, de anunciar. Alguém me disse um dia que uma das ameaças que pesa sobre a Igreja dos nossos dias é o risco de perder a mulher. Seria, de facto, uma grave perda, para a Igreja e para a mulher.
Na Primeira Leitura desta celebração é-nos dito: “Quem poderá encontrar uma mulher virtuosa? O seu valor é maior que o das pérolas” (Prov. 31,10). E é. Toda a mulher que procura ser plenamente mulher, numa relação amorosa com Jesus Cristo, é um dom precioso para a Igreja. Muitas lamentam que a Igreja seja demasiadamente masculina. Não é, de facto, e sê-lo-á cada vez menos na medida em que mais mulheres sejam santas e sejam capazes de abraçar o mundo num acto de amor.
Fidelidade da Igreja supõe revitalização contínua das suas estruturas pastorais. Entre estas sobressai, pela sua importância, a Paróquia. O Santo Padre pede-lhes que “assumam um comportamento mais missionário na pastoral quotidiana e se abram a uma colaboração mais intensa com todas as forças vivas de que a Igreja hoje dispõe”. Esta valorização da dimensão evangelizadora da Paróquia, ponto de convergência de todas as forças vivas, anuncia, certamente, o principal fruto deste Congresso. Se isso falhar, o Congresso poderá perder-se como simples evento, na memória da Igreja de Lisboa.
Fidelidade da Igreja significa, finalmente, dinamismo missionário. Uma Igreja fiel é, espontaneamente evangelizadora. Na sua fidelidade a Igreja descobre-se sempre como enviada à cidade dos homens. Cada cristão vive no meio dos outros homens e mulheres, toda a Igreja vive no meio da cidade, partilha com todos as alegrias e tristezas, os projectos e as utopias e essa convivência é o lugar do seu testemunho. Os problemas de todos os homens, nossos irmãos, são os nossos problemas, as causas justas da cidade são as nossas causas. E quando damos as mãos para partilhar problemas e anseios, podemos testemunhar a esperança com que o fazemos. Todas as causas justas da cultura e da civilização são objectivos da Igreja.

3. Mas o Congresso não acaba hoje, porque ele continua, em ordem à Sessão de Bruxelas, e ganha uma densidade nova nas cidades que já organizaram as Sessões, na exigência da fidelidade. É preciso encontrar a convergência destes dois dinamismos: o entusiasmo das cidades que vão organizar as próximas sessões, e a riqueza do “post-congresso” para aqueles que já o organizaram. À Igreja de Bruxelas, a quem entregámos o testemunho, queremos garantir que o nosso desejo de fidelidade se concretizará, também, no empenho na próxima Sessão.
E que a Virgem Santíssima, que abraçou esta Sessão de Lisboa, vos envolva no mesmo abraço.

Mosteiro dos Jerónimos, 13 de Novembro de 2005
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca


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