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"Sem as Pequenas Comunidades a Igreja Não Poderá Ir para a Frente"
2001-05-26 17:34:41

Existe o perigo de os grupos carismáticos seguirem uma lógica de seitas e de acentuarem o individualismo. O cardeal brasileiro Aloísio Lorscheider, arcebispo de Fortaleza, tem uma visão crítica do recente fenómeno católico do seu país. E faz críticas ao excessivo centralismo da Cúria Romana. As mesmas que levaram à sua marginalização durante esta semana, no consistório em Roma.



Entrevista ao cardeal Aloísio Lorscheider

Arcebispo de Fortaleza, Aloísio Lorscheider já ultrapassou o limite de idade para resignar ao cargo, mas o Papa pediu-lhe mais uns meses. Mesmo assim, o cardeal não se coíbe de criticar o peso centralista da Cúria Romana. Já esta semana, em pleno consistório, deu uma entrevista ao jornal francês "La Croix", onde repete esses argumentos, o que caiu muito mal em Roma. Há duas semanas o cardeal brasileiro esteve em Lisboa, onde falou sobre a exclusão e defendeu a urgência "de uma nova ordem económica que permita a distribuição equitativa dos bens essenciais".

PÚBLICO - Como caracteriza o actual momento da Igreja Católica no Brasil, depois do enfraquecimento da teologia da libertação e da expansão dos movimentos carismáticos?
D. ALOÍSIO LORSCHEIDER - Esses movimentos carismáticos existem. Mas a Igreja, na orientação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), continua sempre na mesma linha: a opção evangélica preferencial e solidária pelos pobres. Esta é a linha da Igreja na América Latina.

Um segundo ponto é o da participação e comunhão. Somos uma grande família e [queremos] fazer com que as pessoas participem todas o mais possível. Não se põe tanto ênfase nas comunidades eclesiais de base. Mas o novo projecto que a CNBB lançou no início deste ano, "Ser Igreja no novo milénio", insiste na necessidade de criar pequenas comunidades. Sem elas, a Igreja não poderá ir para a frente.

É o individualismo religioso que a Igreja quer evitar. O individualismo está marcando a nossa cultura sob muitos aspectos. Não é fácil criar um espírito comunitário, solidário. Mas a Igreja quer trabalhar para uma sociedade justa, fraterna e solidária.

P. - Esse risco do individualismo está presente nos grupos carismáticos?
R. - Esse perigo existe. Nós insistimos em que esses grupos não se isolem. O grande perigo é que esses grupos virem quase uma espécie de seita. E isso queremos evitar. As pessoas podem seguir espiritualmente o movimento que achem bom, mas precisam integrar-se no todo da Igreja. Essa imagem de conjunto que a Igreja no Brasil promove deve marcar esses grupos, mas está um pouco difícil.

P. - O padre Marcelo Rossi dizia há dois anos, em Portugal, que, graças os grupos carismáticos católicos, 60 por cento dos fiéis que tinham ido para a Igreja Universal do Reino de Deus já tinham regressado à Igreja Católica. Estamos numa guerra?
R. - Parece, não é?... Não se deve olhar a questão quantitativamente. O que se põe em dúvida é se esses grupos têm uma fé viva, operativa, que opera pela caridade, como diz S. Paulo na Carta aos Gálatas. Se não temos uma fé que opera pela caridade, a gente anda para trás. O ponto chave não é ter muita gente que me escute, mas que as pessoas vivam o seu cristianismo.

P. - Significa que as intuições mais importantes da teologia de libertação não estão postas de lado?
R. - Não estão postas de lado. E todo o modo de reflectir é a partir do que fazia a teologia de libertação. Olhamos primeiro a realidade, que procuramos iluminar com a luz da fé e, depois, partimos para acção. A metodologia da teologia da libertação não foi abandonada. E a própria teologia da libertação, que queria ajudar a libertar o povo da opressão a que está sujeito, continua. Porque o povo está ainda sendo muito oprimido. E isto a Igreja não pode perder de vista. Não podemos ser uma Igreja puramente espiritual. Temos que ser uma Igreja concreta, dentro da vida. A Igreja tem que ser fonte de vida de toda a sociedade.

P. - A Igreja no Brasil oscila entre esses grupos espiritualistas e o apoio a iniciativas como o Movimento dos Sem Terra...
R. - Não se deve fazer dicotomia. Se se separa o social e o espiritual, fica-se completamente equivocado. O equívoco está nisso: em querer separar o que Deus uniu. Já na "Carta a Diogneto" [século II] se diz que os cristãos são a alma do mundo. Não adianta falar de espiritualidade espiritualista, se não incido na vida do homem. O que interessa é salvar o ser humano. Jesus veio salvar todo o ser. Dizer "o verbo se fez carne e veio colocar a sua tenda entre nós" significa que o próprio Deus veio habitar dentro da nossa realidade.



Fonte Público

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