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Guardião Ratzinger dá lugar a Papa conciliador
2005-10-19 09:47:41

"Pessoas buscam um exemplo, mais do que um conjunto de regras para seguir " diz Alfredo Teixeira.

"Um homem de reconciliação e não o grande inquisidor da Igreja Católica." É assim que alguns especialistas ouvidos pelo DN vêem hoje Joseph Ratzinger, considerado o "mau da fita" enquanto guardião para a Doutrina da Fé. A mudança ao assumir a função de Papa era expectável, dizem, e não significa uma inversão de personalidade de "alguém cuja missão é agora promover a comunhão. Seis meses depois de o conclave ter eleito Bento XVI, pouco ainda se pode dizer. Apenas que este será um pontificado de continuidade, embora marcado por um estilo diferente do de João Paulo II.

Após o entusiasmo de uns e a decepção de outros - que não pouparam críticas e traçaram os piores cenários para o futuro da Igreja Católica (IC) - as primeiras impressões do novo Papa atenuam a imagem de um homem intransigente, disciplinador e fechado ao diálogo. O mundo que conheceu o cardeal Ratzinger pelas suas posições disciplinares duras confronta-se agora com um homem que chama os seus opositores para conversar.

Bento XVI já reuniu com grupos dissidentes e teólogos com posições muitos distantes, como Hans Kung ou a Fraternidade de São Pio X, grupo de católicos integristas seguidores do francês Marcel Lefebvre e excomungados pelo Vaticano. Fora do catolicismo, o Papa também promoveu encontros com judeus, ortodoxos e islâmicos.

Duas funções, posturas diferentes. Para Peter Stilwell, director da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Ratzinger detinha a função de guardião da ortodoxia, uma espécie de "mau da fita". Agora, "como pastor, tem de ir adiante dando atenção a todos e promovendo a aproximação dentro e fora da Igreja", disse ao DN.

Alfredo Teixeira, director do Centro de Estudos de Religiões e Culturas da Universidade Católica, considera que "ao cardeal Ratzinger era pedida a missão de disciplinar. Agora, terá de pensar como presidir à comunhão. Não é possível fazê-lo só com base na disciplina, traçando a fronteira entre os que estão fora e os que estão dentro da Igreja. Presidir exercendo a repressão conduziria à exclusão".

A forma como Bento XVI fará a gestão da diversidade dentro da Igreja Católica e promoverá o encontro com outras religiões e o mundo ainda não é clara. "Dentro da Igreja, pode fazê-lo através de sínodos, dando mais valor às comunidades episcopais e locais", considera o teólogo Carreira das Neves. Ou viajando, indo ao encontro dos crentes um pouco por todo o mundo, como fez João Paulo II.

Para Alfredo Teixeira, a gestão da diversidade dentro da Igreja é um desafio urgente, embora ainda pouco visível, e que exigirá a criação de zonas de negociação e aproximação e a adopção de modelos eclesiais que abarquem essa diversidade. O sociólogo lembra que há movimentos dentro da IC com posições doutrinais fortes que vivem em tensão com o Vaticano.

Estilo. Apesar da continuidade doutrinal que deverá marcar a acção de Bento XVI - uma vez que muito dos documentos produzidos no tempo de João Paulo II tinham o cunho do cardeal Ratzinger - o estilo já está a ser diferente. O carisma, presença e capacidade de comunicação do actual Papa distanciam-se do seu antecessor, que foi reconhecido por cativar multidões. As Jornadas Mundiais da Juventude, onde Bento XVI foi recebido por milhares de jovens, foram o primeiro teste ao seu carisma. "Notou-se que não é o ambiente onde se sente mais à vontade", considera Peter Stilwell.

"Não é um Papa das multidões, mas do privado e da reflexão. É um homem de cátedra, nasceu para ensinar e estudar", afirma Carreira das Neves. "Mas sabe ouvir e, melhor do que ninguém, tem a percepção dos problemas e desafios da Igreja", acrescenta Peter Stilwell. Para o teólogo, João Paulo II era o homem da palavra abundante e do gesto; Bento XVI será o Papa da precisão teológica que tentará clarificar questões essenciais.

Um fenómeno curioso e, na opinião do investigador Alfredo Teixeira, típico dos tempos modernos, é o crescente interesse pela figura do Papa enquanto individualidade e homem com uma história pessoal. Hoje, valorizam-se os gostos do Papa, explora-se a sua história, o interesse pela música ou a resistência ao nazismo, refere o sociólogo. "As pessoas buscam uma referência, um testemunho e um exemplo, muito mais do que um conjunto de regras que devem seguir." O que faz da mediatização da figura do chefe da Igreja Católica uma ferramenta essencial para chegar perto das pessoas.

Diálogo ecuménico. Para além dos desafios internos da IC, Bento XVI prometeu, logo no primeiro discurso após a eleição, fazer do diálogo ecuménico e inter-religioso uma prioridade, prosseguindo o caminho trilhado pelo seu antecessor. Mas, mais do que um entendimento entre líderes, pediu gestos concretos. "As cúpulas estão aproximadas, mas a identidade confessional tem a ver com a própria identidade social das pessoas", tornando este caminho mais complexo do que apenas a promoção de encontros inter-religiosos e ecuménicos entre os líderes das comunidades, considera o sociólogo.

Para Alexandre Bonito, padre da Igreja Ortodoxa, a eleição de Bento XVI "suscitou esperanças na comunidade ortodoxa", abrindo caminho a marcos importantes, como uma viagem pastoral a Moscovo ou a Istambul (antiga Constantinopla), capitais da ortodoxia. Apesar do simbolismo que estas viagens pudessem assumir, Bonito reconhece que "as comunidades locais têm dificuldade em acompanhar a passada dos líderes". Isto porque, adianta Alfredo Teixeira, "no movimento ecuménico há dois planos (um institucional e outro de base) que andam a ritmos diferentes". Prova disso é o bom relacionamento que Bento XVI tem com o patriarca de Constantinopla, por vezes criticado pelos crentes.

"O Papa já disse que as igrejas não têm que ser uma só, pois a aproximação pressupõe também a diversidade. É possível garantir a unidade salvaguardando as diferenças culturais e teológicas", lembra Alexandre Bonito. "Além disso temos de nos focar no que nos une, afastando-nos do que nos separa."

Seis meses é pouco tempo para fazer avaliações, advertem os especialistas. Mas, considera Alfredo Teixeira, "o cardeal Ratzinger foi eleito por ser aquele que estava em melhores condições para dar continuidade ao trabalho de João Paulo II". Foi exactamente essa perspectiva que desagradou a muitos sectores dentro e fora da Igreja.

Rita Carvalho

Fonte DN

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