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Vaticano tem um Papa de gabinete
2005-10-17 10:51:50

Cumprem-se, na próxima quarta-feira, os seis primeiros meses de pontificado de Bento XVI. Se dúvidas havia quanto ao estilo da sua governação, estão dissipadas.

O problema central do nosso tempo é estarmos surdos à voz de Deus. Numa opção de vida, o agnosticismo torna-se o dia-a-dia”. Joseph Ratzinger não mudou. Eleito papa a 19 de Abril deste ano, 17 dias após a morte de Karol Wojtila, o homem mais poderoso do Vaticano continua igual a si próprio, mantendo a imagem que cultivou enquanto Prefeito para a Doutrina da Fé – a mais importante e a mais antiga das nove Congregações da Cúria Romana. Um homem tímido, introvertido, pragmático, que prefere os bastidores aos holofotes. Um ‘papa de gabinete’, empenhado na defesa intransigente dos dogmas e valores tradicionais da Igreja Católica, num combate sem tréguas àquilo que definiu como a “ditadura do relativismo”, que “não reconhece nada como definitivo e que tem como objectivo central o próprio ego e os próprios desejos”. Os seis primeiros meses que leva de pontificado correram depressa. Mas é já uma evidência que o estilo de Bento XVI nada tem que ver, tal como se esperava, com a dinâmica imprimida pelo seu antecessor – o papa peregrino que abraçou o mundo e que caminha, agora, lentamente, para os altares.

Aura Miguel, jornalista da Rádio Renascença, acreditada há 18 anos na Santa Sé, é testemunha dessa mudança. “Este papa tem um caracter muito mais reservado do que tinha João Paulo II. Creio que isso se reflecte num estilo diferente: deixou de haver audiências privadas, excepto em visitas oficiais ou casos muito especiais. O papa agora só saúda os fiéis na audiência geral das quartas-feiras”.

Segundo a vaticanista, “Bento XVI tem passado os últimos meses a trabalhar intensamente, informando-se, ao detalhe, sobre tudo o que se refere ao exercício do seu ministério. Nesta primeira fase, tem chamado a si os dossiês mais importantes dos vários dicastérios da Cúria Romana: educação católica, bispos, liturgia, evangelização dos povos”.

Uma das maiores curiosidades residia em saber quem escolheria para a Congregação da Doutrina da Fé, cargo que ocupou durante 23 anos. A opção recaiu sobre William Levada, antigo arcebispo de São Francisco. No que se refere à Causa dos Santos, Bento XVI manteve como prefeito D. José Saraiva Martins, mas introduziu uma nuance: decidiu passar a presidir apenas às canonizações, deixando as beatificações a cargo do cardeal português. Apesar do seu carácter tímido, “os que já privaram com o novo papa testemunham a sua afabilidade, simpatia e capacidade de ouvir. Neste sentido, a opinião pública ficou surpreendida com a sua decisão de convidar para uma audiência o responsável da Fraternidade Sacerdotal, São Pio X, dos seguidores de monsenhor Lefébvre, excomungado durante o pontificado de João Paulo II; e, noutra ocasião, um dos seus mais famosos opositores, o prof. Hans Kung”, nota Aura Miguel.

Para D. Januário Torgal Ferreira, bispo das Forças Armadas, este gesto revela que Bento XVI tem sido “um bom pastor”, dialogando com “as ovelhas que estão fora e queriam estar dentro da Igreja”.

Um dos momentos altos deste meio ano de pontificado foi a visita à cidade alemã de Colónia, por altura das Jornadas Mundiais da Juventude. A adesão e entusiasmo dos mais de um milhão de jovens e “os significativos gestos de aproximação e diálogo com os hebreus (na visita à sinagoga), com os representantes dos muçulmanos e com os líderes das confissões cristãs protestantes”, tornaram esta primeira visita fora de Itália “um verdadeiro marco histórico”, concluiu, em jeito de balanço, a jornalista da Rádio Renascença.

Para o padre Vítor Melícias, Bento XVI tem “decidido com serenidade e o sentido de responsabilidade de alguém que tem pela frente uma tarefa duraroura e de futuro”. “Todos os passos são cuidadosamente preparados”, sublinha o sacerdote franciscano. “Alguém está a ponderar e nós a aguardar”, acrescenta. Mas... seria possível uma outra postura? Vítor Melícias responde de uma forma bem curiosa: “Possível, é sempre. Oportuno, depende. Desejável, talvez”.

Já D. Jorge Ortiga, presidente da Conferência Episcopal, recusa comparações com João Paulo II: “É terrivelmente difícil fazer comparações quando temos de um lado seis meses e do outro um pontificado de mais de 25 anos. Mesmo apelando à maior frieza e ao mais profundo da nossa isenção, não é possível. Sabe-se, e isso não necessita de qualquer comparação na acção, que são dois homens de estilos diferentes. João Paulo II era extrovertido, Bento XVI é mais tímido. Isso é um facto. Agora, no que toca à acção como representante de Cristo na Terra, temos de esperar para ver.

"NÃO VÃO REFORMAR NADA"

“Até agora não vi nada nem acredito que Bento XVI vá fazer alguma reforma”. A descrença de Maria João Lemos, do movimento ‘Nós Somos Igreja’, assenta nas ideias defendidas por Ratzinger enquanto prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé e que “em nada mudaram” nestes primeiros seis meses de pontificado. “Tem agido de forma cautelosa. Mas ainda não deu nenhum sinal de abertura, nem acredito que o faça”, acrescentou. O fim do celibato, a igualdade de oportunidades, um novo olhar sobre a sexualidade, uma maior democratização, nomeadamente na escolha dos bispos e priores, são algumas das linhas defendidas por este movimento reformador da Igreja. “Mas não será com Bento XVI que as coisas vão mudar e os primeiros meses já deram para perceber isso”, lamentou Maria João Lemos.


Paulo João Santos

Fonte CM

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