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A Eucaristia na Cidade - Homilia na solenidade do Corpo de Deus
2005-05-27 00:04:35

Homilia na Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo Praça do Município, 26 de Maio de 2005

1. Neste Ano da Eucaristia, tanto João Paulo II como Bento XVI, nos pediram que celebrássemos, com especial solenidade, esta Festa do Corpo de Deus. Esta celebração, na Praça do Município e a solene procissão, que nos conduzirá, em atitude de adoração, até à Catedral, são cumprimento desse desejo. Correspondamos, com fé mais profunda e renovada intensidade interior a este apelo de adoração eucarística. Estamos reunidos na Praça que, simbolicamente, representa a Cidade; percorreremos com a Santa Eucaristia, o centro da velha Lisboa; em ano de “missão na cidade”, quero meditar convosco a relação da Eucaristia com a Cidade, o sentido misterioso dessa co-habitação contínua de Cristo Vivo no meio de nós.


Tomemos consciência desta realidade misteriosa: Cristo vivo vive permanentemente connosco, na nossa Cidade e só Ele conhece e pode avaliar a fecundidade misteriosa dessa presença. Se é verdade que Deus age onde existe, é também verdade que actua onde está, porque para Jesus Cristo ressuscitado, viver no meio do Seu Povo, significa sempre amor infinito e transformador.

Cristo está na Cidade, porque vive no meio do Seu Povo. A Eucaristia é a expressão mais forte do cumprimento da promessa do Senhor ressuscitado de ficar com os Seus discípulos até ao fim dos tempos. Por isso, a presença de Cristo vivo na Igreja, verdadeiro centro da vida de fé e de caridade, acaba por definir o sentido da própria Igreja na Cidade. Porque Cristo habita connosco, a Igreja só pode amar a Cidade, anunciar continuamente o amor, ser grito de esperança e testemunho de vida.

O primeiro sentido da presença de Cristo vivo no meio de nós, é a promessa da vida, o anúncio de que a vida é possível e pode ser plenamente vivida. A vida não é fácil nesta Cidade. Há sofrimento silencioso, lágrimas solitárias, egoísmos assassinos, condições sociais aviltantes, pobreza envergonhada. Há também o entusiasmo de quem quer sorver a vida em tudo o que ela pode oferecer imediatamente, sem horizonte de profundidade onde a vida se descobre como um dom e uma conquista. Muitos perderam a noção de que Deus é a fonte da vida e que vale a pena procurá-la n’Ele e vivê-la com Ele.

Mas há também tanto amor, tanto sofrimento oferecido, tanta alegria partilhada, tanta doação para ajudar os outros a viver. Nós os cristãos aprendemos essa força da vida na Eucaristia, recebendo e oferecendo. Experimentamos a verdade das palavras de Jesus: “Eu sou o Pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste Pão viverá eternamente” (Jo. 6,51-52). Na Eucaristia, Cristo está na Cidade, como fonte abundante e acessível de Vida, onde todos os que procuram a vida a podem ir beber. A Eucaristia é sempre o triunfo da vida sobre todas as formas de morte, físicas e espirituais. Sempre que uma pessoa se sente amada, descobre a vida; na Eucaristia sentimo-nos amados por Deus, em Jesus Cristo e nesse amor, descobrimos a vida eterna.

Quem procura a vida na Eucaristia, transforma-se na força da Cidade. São centenas de milhares aqueles e aquelas que celebram a Eucaristia todos os Domingos, muitos procuram-na todos os dias, tantos ficam em adoração. O Domingo, o dia de Cristo ressuscitado, em que a Cidade descansa do seu trabalho normal, para quem quiser poder encontrar o Senhor, pode ser o dia decisivo da Cidade, aquele que misteriosamente lhe garante a força e traça o sentido. A nossa Cidade ainda saberá porque pára ao Domingo? Os cristãos ainda têm consciência do que significa para a Cidade a Eucaristia que celebram? Da Eucaristia que celebramos jorra uma torrente de vida, de força, de esperança, de solidariedade, que pode, através de nós, inundar silenciosamente a Cidade.



2. Fonte de vida, a Eucaristia é, na Cidade, um desafio de unidade, antes de mais na Igreja que a celebra. Ouvíamos São Paulo: “Uma vez que existe um só Pão, nós, que somos muitos, fazemos um só corpo, visto participarmos todos desse único Pão” (1Cor. 10,17). Na Igreja, a Eucaristia é a principal fonte da unidade, o que define esta como generosidade da caridade e não como busca da uniformidade. A verdadeira unidade é aquela que o amor realiza entre pessoas e chama-se comunhão. A Eucaristia realiza a comunhão de amor entre os crentes e Jesus Cristo, que nos introduz no amor de Deus, Uno e Trino, e nessa união de amor em Jesus Cristo, os cristãos experimentam, entre si, uma união de amor, fonte e garantia de todas as experiências de comunhão, nas quais procuram exprimir a vida. Quando enfraquece, na Igreja, a densidade da comunhão eucarística, aumentam e agravam-se as desuniões, na falta de amor, na dificuldade de confessar a mesma fé e de caminhar, em conjunto, para a verdade. A Eucaristia permite-nos fazer da variedade das nossas diferenças, não um risco de dispersão ou desunião, mas uma força de convergência para a unidade.

A busca de uma unidade que respeite a individualidade da liberdade e as diferenças de cada um, é também um desafio para a Cidade como um todo. E aí a construção da unidade é ainda mais frágil e ameaçada do que na Igreja e os cristãos, porque celebram a Eucaristia, são chamados a ser fermentos de unidade na sociedade. Esta está, hoje, cada vez mais fragmentada, na concepção da verdade, na definição da felicidade, na identificação do “bem-comum”, na dimensão religiosa, na própria compreensão do homem e da sua dignidade. A unidade, a este nível, só pode ser procurada através de objectivos a prosseguir, de valores a defender, de concordância sobre dimensões fundamentais como o são a defesa da vida e da dignidade do homem, da justiça, da paz. E aí o testemunho dos cristãos na Cidade pode tornar-se importante, porventura decisivo, até porque lhes compete a eles trazer para a Eucaristia todas as lutas justas por uma sociedade melhor e dar-lhe forma de “hóstia espiritual”. A Cidade, no que ela tem de melhor, torna-se eucaristia através dos cristãos e da Igreja, os únicos que sabem que também a sociedade, como um todo, é campo da acção do Espírito Santo.



3. Outra manifestação da fecundidade transformadora da presença da Eucaristia na Cidade é a renovação e actualização contínuas do envio em missão. Aquele “ide em paz” com que termina a celebração eucarística, é um autêntico reenvio em missão. Ide para o meio da Cidade, partilhai em todos as suas lutas e nas suas esperanças, enfrentai os problemas, impregnai de profundidade eucarística os vossos juízos, os vossos discernimentos, as vossas tomadas de posição. Dai testemunho da esperança que está em vós. E quando vos fraquejar a luz do discernimento ou a coragem para a acção, procurai o Senhor, adorai-O em silêncio, e Ele fortalecerá o vosso coração e iluminará a vossa inteligência. Da Eucaristia somos sempre enviados de novo para a “missão na Cidade”.

A presença eucarística de Cristo Vivo na Cidade, não é apenas um mistério escondido na intimidade dos templos. Ele co-habita com a Cidade no coração dos cristãos que o celebraram, comungaram e adoraram. Aliás a nossa Cidade de Lisboa tem a Eucaristia bem gravada na sua tradição e no seu património. Desde o esplendor das custódias, que, mesmo num museu, são um hino de louvor à transcendência da Eucaristia, até aos tronos barrocos, manifestação da Senhoria Real e da divindade de Cristo Eucarístico, até à arreigada tradição desta procissão do “Corpo de Deus”, verdadeiro cortejo real de vassalagem a Cristo, que é Senhor. Nela a Cidade reencontra-se com a Eucaristia, engalanará as janelas e prostrar-se-á nas ruas em silêncio adorante. Não se trata de uma manifestação triunfalista da Igreja que segue, humildemente, o seu Senhor; trata-se, isso sim, do triunfo de Jesus Cristo, realmente presente na Eucaristia, reconhecido por uma Cidade que O adora como seu Rei e Senhor. E neste cortejo pelas nossas ruas, Ele, Senhor e Deus, abençoará e amará a nossa Cidade.



† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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