paroquias.org
 

Notícias






Cardeal Patriarca adverte: não será prudente um referendo ao aborto
2005-03-31 18:13:37

Ecclesia - O recente documento do Papa João Paulo II fala em conversão pastoral e cultural aos media. Por onde passa essa conversão?
D. José Policarpo - Passa antes de mais pela aprendizagem em usar as novas linguagens na comunicação da palavra. A Evangelização é, fundamentalmente, um fenómeno de comunicação, que abrange a amplitude dos meios e das circunstâncias em que é possível comunicar. O problema das linguagens não é o único, mas é um problema fundamental. Ao longo dos séculos, a Igreja foi-se abrindo às novas linguagens - estou a pensar a revolução que foi a descoberta da imprensa. No momento que estamos a viver isso já está a acontecer. A própria Ecclesia é disso um testemunho: tem havido um abrir-se progressivo da Igreja às novas linguagens.


E - Em Portugal, a utilização dos meios de comunicação social obedece a uma estratégia, a um planeamento ou é fruto das necessidades e dos recursos do momento?
DJP - Penso que, a pouco e pouco, a planificação começou a existir. Começou pela curiosidade, pela resposta imediata muito local, de pessoas e instituições. A partir de determinado momento, começou-se a planificar.
É preciso, no entanto, reconhecer que a grande utilização dos meios modernos na comunicação acontece por instituições neutras do ponto de vista religioso e até culturalmente. O entrar de uma comunicação temática, como é a da Igreja, neste mar imenso de comunicação, não é fácil. Mas é possível. Hoje penso que se está numa linha mais técnica da utilização destes meios e minimamente planificada.

E - O Semanário "Agência Ecclesia" sai esta semana com o número mil. Fez um percurso até ser, hoje, uma Agência de notícias. Ela é necessária, a Igreja precisa de fornecer informação aos media de forma que a comunicação social e o público percebam?
DJP - Eu diria mesmo que esse foi o grande interesse do "boletim": preparar o terreno para algo mais amplo e mais multimédia, mais aberto às diversas linguagens. E isso é uma agência: um serviço que facilite a informação e ajude a chegar não apenas ao cidadão isoladamente, mas aos próprios meios de comunicação aquilo em que a Igreja pode ser notícia.
Hoje há duas formas da Igreja ser notícia para os grandes meios de comunicação: o impacto do acontecimento (se a Igreja não for acontecimento mediático dificilmente ela se transforma em notícia e muitas vezes os acontecimentos seleccionados pelos grandes meios até nem são por ventura os acontecimentos decisivos...); há depois uma dimensão de presença nesses meios, que pode ser suscitada, em diálogo e com qualidade profissional. O suscitar significa sublinhar, significa propor. Foi assim que surgiu o “boletim”: de uma maneira muito modesta, para fornecer aos órgãos internos da Igreja em Portugal, sobretudo de imprensa regional, esses elementos. Hoje penso que se alargou.
A função de uma Agência, como a Agência Ecclesia, não é tanto a preocupação de estar em cima do grande acontecimento, porque esse é espontaneamente coberto pelos grande media, mas é de ajudar a que a vida de todos os dias possa ser trabalhada como acontecimento, como mensagem que passe, como notícia que leva conteúdo. Aí, o diálogo profissional de pessoas que sabem trabalhar esse sector é importante para que outros meios, que são neutros em matéria religiosa, mas que não são necessariamente contrários antes neutros em matéria religiosa e às vezes também cultural, aí os diversos serviços podem suscitar e sugerir a importância de uma perspectiva, de uma afirmação, de uma linha de conjunto em que os acontecimentos se inserem, porque se se isola um acontecimento de um projecto em que ele surge, o acontecimento é só lido parcialmente.

E - Também para que o dia-a-dia da Igreja seja notícia, acha que se justificaria um título nacional, semanário ou mensal? Poderá evoluir este Semanário para uma revista?
DJP - A importância da comunicação para a evangelização é tão grande que eu atrever-me-ia a dizer que se justificam todos os meios que forem possíveis. O problema põe-se na viabilidade técnica e na viabilidade económica. Hoje, mesmo os grandes meios mostram-nos que cada sector só se torna viável se inserido num conjunto multimédia.
A Igreja é por natureza multimédia. O problema é saber em que medida, por exemplo a hipótese que me põe da expansão deste “boletim”, é viável. Sob o ponto de vista técnico não tenho dúvida, que quer a experiência quer do Secretariado Nacional quer da Agência Ecclesia garantir-nos-íam isso. Mas até que ponto é viável financeiramente…
Eu hoje, até pelo que se passa aqui na diocese, tenho a impressão que essas coisas só são viáveis se inseridas num conjunto muito vasto. De per si elas são deficitárias do ponto de vista financeiro. Isso põe-nos um problema: temos dinheiro para as manter? Elas são tão importante para nós que vale a pena pôr aí outros dinheiros que, por ventura, possamos fazer? E se isso for possível deparamo-nos com um discernimento de investimento, a que ainda estamos pouco abertos. Estamos poucos abertos em gastar dinheiros em investimentos que não são financeiramente rentáveis.
Admito teoricamente, exactamente porque a comunicação é muito importante para nós, sobretudo a imprensa escrita. Mas ou ela é inserida num conjunto multimédia que a garante, que a sustenta, ou ela é subsidiada. Não vejo outro caminho. Não vejo que seja possível o alargamento do “boletim” Ecclesia escrito auto-financiar-se. Oxalá a realidade desminta o meu pessimismo.
Que ele é importante é, porque a dimensão multimédia é absolutamente decisiva. Agora, com franqueza, para mim é muito mais importante a Agência no seu todo do que esta forma escrita. Eu penso até que o boletim para ter um lugar mais sugestivo - eu ia a dizer mais agressivo, mas evitei a palavra - precisará por ventura até de se transformar fisicamente.


Da participação política ao aborto

Ecclesia - O Portugal que passou por eleições respondeu positivamente à Nota do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa de Dezembro último?
D. José Policarpo - É uma resposta difícil. A nossa proposta foi de participação. Penso que poderia ser um pouco triunfalismo da nossa parte dizer que foi a nossa Nota que provocou mais participação no voto. Acho que houve um conjunto de factores.
A participação no voto é uma expressão importante, mas está longe de ser a mais importante expressão da participação dos cidadãos na construção da sociedade. Por via negativa, é claro que uma pessoa que não vota, normalmente não participa em mais nada. As questões da sociedade não são preocupação a ponto de tomar posição. O que é mais importante é que o cidadão, e no nosso caso concreto de cristãos, com a generosidade que a nossa fé propõe e com os discernimento que ela sugere, é extraordinariamente importante que os cristãos tomem consciência que a participação é todos os dias, no trabalho e na família, na expressão religiosa, na expressão social, na expressão política. Essa mobilização para que a sociedade seja um bem comum construído por todos supõe que os grandes objectivos sejam traçados de acordo com o quadro cultural e aceites pela sociedade como um todo.
O que se passou foi um momento normal na vida democrática, com características peculiares (cada um tem as suas...), a democracia funcionou, a participação foi boa... Mas não pode acabar aí: tem que continuar num interesse renovado. A sociedade como um todo tem que suscitar esse interesse. Hoje, todos nós sabemos que na grande parte dos problemas de uma sociedade como a nossa, os agentes de solução são variados, não são só os governantes, não é o Estado que resolve tudo. Quando muito o Estado é o catalisador, o mobilizador, o harmonizador. Preocupa-me, entre nós, uma certa mentalidade corrente de que é o governo que tem que resolver tudo e se não resolve não serve. Não! Quem tem que resolver tudo é a sociedade como um todo. Compete ao Estado mobilizar para a causa comum as potencialidades e as energias, da mais diversa ordem, que estão patentes na sociedade. E isso é impossível sem este sentido de participação.

E - O previsível referendo ao abordo será um espaço privilegiado para essa participação?
DJP - O problema do aborto é um problema decorrente, que de vez em quando volta. Começa a ser um problema clássico nas sociedades ocidentais. Ele põe um problema mais de fundo, que é um problema cultural: o sentido da vida e a maneira como se encara a vida.
Todos nós sabemos, por experiência que a vida é uma coisa muito bela, é um mistério, mas é difícil. A vida no conjunto de uma comunidade ao longo do tempo enfrenta momentos de alegrias e tristezas, enfrenta dramas, enfrenta dificuldades que são da mais variada ordem. Se nós temos diante da vida uma perspectiva de anular as dificuldades - diante de um drama, uma situação difícil, vamos anulá-la com uma solução rápida, facilitando isto, facilitando aquilo - é uma atitude cultural que se tem, vulgarizada hoje numa sociedade facilitante nos grande objectivos e que não creio que seja um quadro cultural que dignifique a pessoa humana. Se eu tenho outra perspectiva - a do Evangelho, onde a cultura cristã veicula um grande respeito pela vida, convidando todos a contemplar e a considerar a dignidade, a beleza e o mistério da vida, que nós vivemos, que o meu irmão vive, e para nós que somos crentes tem a marca do Deus Criador - eu sou chamado a vencer, a ajudar os outros a vencer os dramas da existência. Sempre existiram, no princípio, durante e no fim da existência: existe a doença, existe o desastre, a pobreza, a maternidade difícil de suportar...
Se eu tenho diante da vida uma atitude cultural que é de negar e não enfrentar as dificuldades, eu não vou só legalizar o aborto, vou legalizar outras coisas, vou legalizar a eutanásia, vou minimizar o sofrimento, vou desconhecer muitas coisas, vou porventura diminuir o impacto do empenho e da solidariedade.
Se eu tenho uma atitude diferente eu não nego o drama. Sobre o princípio da vida, como do fim, a Igreja não nega o drama, não nega o sofrimento, não nega situações que podem ser muito difíceis sob o ponto de vista existencial.
O que a Igreja diz é que a vida é que o princípio inspirador da ética. Não há nada mais forte nas diversas culturas que seja inspirador daquele quadro de valores, das atitudes que inspiram comportamentos - e a isso chamamos ética - não há nada mais forte do que a vida como baluarte inspirador da ética. Se eu tenho esta atitude, eu vou tentar ajudar. Mas não vou ceder naquilo que é inspiração ética fundamental,.
O caso concreto do aborto, é antes demais uma questão muito dolorosa, que divide a sociedade, até porque tem sido muito hipertrofiada, nem sempre apresentada com a clareza do drama. É uma questão fracturante, que vai dividir a sociedade ao meio. Num referente, ganhe o sim ou o não, é apenas uma página mais do drama, porque a sociedade ficará mais dividida.
Num momento em que Portugal precisa convergir, não sei se é prudente... Se o referendo existir, todos aqueles (e não são só os cristãos. É um erro no qual eu não quero colaborar: o de apresentar o não ao aborto como uma questão religiosa. Não é uma questão religiosa, é uma questão de cultura, é uma questão de ética fundamental. E há muitos homens e mulheres portugueses que não se identificando habitualmente com as exigências éticas do cristianismo, são contra o aborto.) que ainda são sensíveis a valores fundamentais da vida humana, que é um mistério sagrado do princípio até ao fim, são esses que tem que dizer sim ou não. Quem disser que sim tem uma responsabilidade tremenda, porque o primeiro dever que tem é esclarecer-se, é perceber que o que está em questão não é resolver problemas (até porque não os resolve imediatamente). Os problemas interpelam-nos (interpela uma inundação, interpela o tsunami). E devem-nos mobilizar para ajudar, sem ultrapassar aquela fronteira da dignidade fundamental da vida humana.


Este e o próximo Papa

Ecclesia - A atitude do Papa João Paulo II é a afirmação por excelência da dignidade da vida humana até ao fim?
D. José Policarpo - No santo Padre João Paulo II todos verificamos duas coisas: que a saúde se tem vindo a fragilizar progressivamente, fruto da idade, fruto da doença de Parkinson e das muitas peripécias que ele sofreu durante a sua vida; também ressalta uma grande coragem e uma grande genica para enfrentar todas essas vicissitudes.
Há duas abordagens muito diferentes deste fenómeno: a dos grandes media internacionais, para quem o Papa é um factor mediático e as questões que põem é se o Papa vai ou não poder governar a Igreja, se fala ou não, se é possível ou não governar a Igreja por escrito, se vai resignar ou não; depois há o conjunto dos fiéis, gente que ama muito o Papa e que não põe essas questões, antes está comovido e em grande união espiritual ao Santo padre, que nos tem dado exemplo muito interpelante, de quem sabe que pode servir o Evangelho e Igreja, tanto nos tempos áureos das suas viagens triunfais e da sua lucidez pastoral, como neste apagamento físico. E este é um testemunho muito grande de coerência. As outras questões, postas na linha mediática, são importantes, mas não se me põem neste momento.
Eu estou pouquíssimo preocupado em saber quem vai ser o sucessor do Papa. Temos um Papa, é este, temo-lo numa circunstância peculiar. A igreja é uma estrutura forte, mas muito plural e muito maleável, muito adaptada a estas circunstâncias todas. Neste momento, eu particularmente sou muito sensível ao carinho que de todo o mundo tem vindo e à coragem de um Papa sofredor, porque é preciso muita coragem para aparecer na limitação que ele tem de não desistir. É um grande exemplo de humanidade.

E - A saúde do Papa faz bem à saúde da Igreja?
DJP - O normal é que a Igreja conte com um Sumo Pontífice em plenas funções, mas a Igreja precisa mais da fé e da caridade do Papa do que das sua energia física.

E – São critérios humanos os que determinam a resignação?
DJP - Não! A grande qualidade que um Papa, hoje, precisa de ter - e peçamos a Deus que dê a este e ao seu sucessor esse dom - é: ser a primeira testemunha da fé, a primeira testemunha de uma maneira de viver, e de viver também a doença e a morte.
Este Papa é um grande crente, no lugar que ocupa, hoje, como elo de unidade.
E repare, a unidade da Igreja, que tem no Papa o seu sacramento mais visível, já não se faz como dantes. Estamos num mundo muito plural, com variedade das culturas, das iniciativas, que dá importância ao indivíduo e à liberdade individual, à liberdade de consciência, à liberdade de opinião... Hoje a unidade da Igreja tem que ser feita com outros meios complementares da unidade dogmática, que foi aquela que noutros séculos se exprimiu mais. E esses novos elementos podem ser a força interpelante destes testemunhos vivos. O Papa, por exemplo, como peregrino do Evangelho, nas viagens que fez: é certo que foram ocasiões de magistérios não tanto pelo que disse, antes pela sua figura, o seu testemunho. Ele foi um elo visível da unidade da Igreja.
Já o Papa Paulo VI, no fim da vida, disse que a Igreja o mundo contemporâneo precisavam mais de santos do que de doutores. Penso que ele queria dizer o mesmo que eu estou a dizer, que à clareza dos doutores, à afirmação clara do que é a afirmação da Igreja, é preciso este vigor do testemunho, muito ligado na tradição bíblica, à figura do profeta.

E - Está a traçar o perfil de um futuro Papa. Essa é uma questão que se lhe coloca?
DJP - Se o Santo Padre não viver mais do que eu... Se eu ainda for vivo e ainda for eleitor na altura em que o Santo Padre falecer, nessa altura colocar-se-á de uma maneira mais imediata, em diálogo com os meus irmãos cardeais. É evidente que não me é indiferente, a questão.
Eu penso que este pontificado abriu tantas frentes - cito-lhe a reforma interna da Igreja numa linha de autenticidade e de fidelidade, o diálogo ecuménico, as questões sociais, a prioridade dada à Ásia sob o ponto de vista missionário - são tantas frentes que este Papa abriu que uma delas poderá porventura sugerir a personagem… Mas é um pouco complicado dizer que vamos privilegiar esta linha ou aquela, porque nós temos o exemplo de uma personagem que as abriu todas.
E eu penso que, inevitavelmente, o Papa que vier terá que ser sensível, porque estas são as páginas abertas do mundo contemporâneo. Uma coisa para mim é clara: o caminho da Igreja é o de reforçar uma fidelidade interna, mas não pode ser de se fechar sobre si mesma. A Igreja está no mundo, tem que aceitar este confronto com um mundo que não se identifica com ela, mas que a olha com atenção, umas vezes em linguagem crítica, outras vezes explicitamente vendo nela uma referência moral. Este aceitar esse confronto com o mundo contemporâneo passa inevitavelmente pelo reconhecimento das pontes de diálogo, de acentuar aquilo que de melhor a humanidade contemporânea tem. Curiosamente, o Concílio Vaticano II definiu a Igreja como sacramento de salvação, como um sinal da salvação de Jesus Cristo para o mundo todo. Isso nunca tinha sido tão posto em prática como neste Pontificado, quando a Igreja se transformou em ponte de encontro, de diálogo e de defesa das grandes causas da humanidade contemporânea e inevitavelmente também de denúncia, porque isso faz parte da dimensão profética. Ela não está a trazer imediatamente o mundo todo para o rebanho do Senhor. Ela está a pôr a Igreja de Jesus Cristo numa centralidade humana que, para os que gostam e para os que não gostam, não a podem desconhecer com ponto de referência. E essa e uma questão absolutamente decisiva que tem que continuar a ser acentuada.


Evangelizar é uma questão cultural

Ecclesia - Falemos agora do Congresso da Nova Evangelização. Será a terceira parte de um Congresso Internacional ou Lisboa trará muito de novo a esta realização?
D. José Policarpo - Pergunte-me isso depois, na terceira semana de Novembro...! Há aqui, de certo modo, uma originalidade: o caminho da mobilização das comunidades e até cultural da sociedade, foi muito mais longo do que em Viena e em Paris.
Nós estamos praticamente há três anos a "martelar" a sociedade lisboeta e a Igreja de Lisboa com esta perspectiva. Isto foi a nossa maneira de organizar o Congresso.
E eu cito isto porque eu acho que a possibilidade de frutos positivos do Congresso pode estar ligada a essa longa mobilização, dado que a evangelização hoje não é só uma acção! Evangelizar hoje não é só fazer coisas. Evangelizar é ir acentuando uma cultura, uma perspectiva da vida e da história. E isso faz-se ao longo dos tempos, faz-se com a consciencialização das pessoas, com mobilização das pessoas, num diálogo com todos os outros. É extraordinariamente importante o diálogo da Igreja com a sociedade, um diálogo respeitador, que não é seguidismo, mas que é respeitador. Só assim a Igreja poderá ser respeitada naquilo que é o seu contributo específico para a sociedade.

Ecclesia – Como se faz a reevangelização da Europa?
DJP - Passa pela frescura e pela ousadia das acções evangelizadoras (e há alguns elementos mais carismáticos que têm acentuado essa dimensão como se a a evangelização da Europa passasse pela ousadia chocante das maneiras de propor Jesus Cristo. Tudo tem o seu lugar!). Mas, para mim, isso passa pelo diálogo cultural e por os cristãos estarem presentes na mutação cultural.
A mutação cultural tem a ver como se aferem valores, se perdem ou se transformam ou se mantêm, tem a ver com o sentido comunitário de uma vida comum, tem a ver com um sentido moral... No fundo tem a ver com uma velha questão da humanidade: saber o que é o bem e o que é o mal. Isso não se faz por decreto, é a manifestação de uma cultura. As culturas não são fixas. Estão em mutação contínua, e hoje em mutação acelerada, por vários factores, mas devido sobretudo à globalização e à mediatização da sociedade contemporânea. Esta mutação cultural é feita pelas instituições, mas é feita pelas pessoas.

Ecclesia – Que responsabilidade está reservada aos leigos?
DJP - Na nossa sociedade os cristãos são uma percentagem significativa dos cidadãos. Se cada cristão tomasse consciência, ao menos desconfiasse, que se for coerente com a sua inspiração da vida, com os valores que vive ele próprio no sítio onde está a incidir na sociedade, se não guardasse para um sector religioso, quase reserva do espírito, a expressão da sua fé, mas aceitasse exprimi-la no dia a dia da vida, isso não era uma conquista, antes um factor enorme deste caldear contínuo do sentir colectivo. E a isso chama-se cultura.
Há factores que intervêm mais. Os media, a mediatização, tem uma influência enorme nesta mutação cultural. Às vezes quase me arrepia pensar que o mundo poderia ser diferente se a comunicação social fosse diferente. Hoje evangelizar é ter a coragem de se situar no médio e longo de prazo e o campo de intervenção é cultural.

E – Na realização de Lisboa do ICNE, haverá espaço para essa intervenção cultural?
DJP - Todo o que for possível. As actividades culturais, com certeza.
O Congresso é um épifenómeno, vale por si. Vale muito pelo dinamismo que o antecedeu e pela continuidade que tiver. Vale pela sua internacionalidade.
Como grande acção pastoral planeada, com preocupação comum e com objectivos comuns, é a primeira vez que se faz com esta dimensão e com a garantia de continuar depois. A nossa óptica é que depois deste primeiro percurso, que envolve cinco dioceses da Europa, é que depois se inicia uma segunda fase, e isso é um dado novo.


E - Noutras cidades?
DJP - Há já grandes cidades no projecto, até fora da Europa, da Austrália, por exemplo. Depois há outras cidades da Europa. Londres está muito interessada... Portanto é um dinamismo novo. E eu, sem vaidade, é com muita alegria que vi Lisboa na primeira grande iniciativa desta frente comum de uma actividade pastoral em ordem ao que é preocupação de todos nós, desde a Ucrânia a Lisboa: a reevangelização da Europa.

(Parte desta entrevista será emitida no programa 70X7 do Domingo de Páscoa, dia 27 de Março. Na :2, às 9:30 horas)

Fonte Ecclesia

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia