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Os 40 anos do decreto conciliar «Unitatis redintegratio»
2005-01-20 11:50:10

“O ecumenismo é uma atitude da mente e do coração que nos move a olhar os nossos irmãos cristãos separados com respeito, compreensão e esperança.
Com respeito porque os reconhecemos como irmãos em Cristo e os olhamos como amigos, mais do que como opositores; com compreensão, porque procuramos as verdades divinas que possuímos em comum, ainda que reconheçamos honestamente as diferenças na fé que existe entre nós; com esperança, que nos fará crescer juntos num mais perfeito conhecimento e amor de Deus e de Cristo...” (C. Meyer).


Desde os primeiros séculos que existiram divisões no seio da igreja, mais ou menos dolorosas, que foram crescendo com o decorrer do tempo. No século XIX começaram a aparecer alguns sinais de mudança desta situação, principalmente ao nível da Igreja ortodoxa e das igrejas saídas da reforma, com a aproximação entre os diversos patriarcados e a criação de estruturas que congregassem as inúmeras confissões em que estas se tinham multiplicado. Contudo, só no século XX é que se pode falar do início de um verdadeiro movimento ecuménico.
Algumas datas são significativas em todo este processo. Em 1900 realizou-se, em Nova York, uma Conferência Ecuménica Missionária para estudo de um plano de expansão missionária que abarcasse toda a terra, a que se seguiu, em 1910, em Edimburgo, uma nova assembleia, que estará na origem de dois movimentos ecuménicos, ‘Vida e acção’ e ‘Fé e constituição’ (estes dois movimentos estarão na base do futuro Conselho Mundial das Igrejas). De referir, em ambiente católico, as conversações de Malines, entre anglicanos e católicos, apadrinhadas pelo Cardeal Mercier (1921-25) que deram bons frutos no primeiro quartel deste século. Em 1933, o Pe. Couturier, retomando uma iniciativa anglicana, lança o ‘Oitavário de Oração para a Unidade dos Cristãos’. Em 1948, em Amesterdão, cria-se o ‘Conselho Mundial das Igrejas’ que reúne um grande número de igrejas protestantes às quais se une, em 1954, uma grande parte das igrejas ortodoxas. A partir da Conferência de Oxford, em 1937, o termo ecuménico designa com clareza as relações amistosas entre as diferentes igrejas com o desejo expresso de realizar a união e de estreitar a comunhão entre todos os crentes em Jesus Cristo. Contributo importante para este movimento foi, em 1962, o Concílio Ecuménico Vaticano II. Para este Concílio João XXIII convidou observadores não-católicos, de várias igrejas e comunidades eclesiais, que foram crescendo em número ao longo das várias sessões. Em 1964, já sob o pontificado de Paulo VI, o Concílio publica o decreto Unitatis Redintegratio sobre o ecumenismo, documento que recentemente celebrou o seu quadragésimo aniversário, com um Congresso Internacional sobre «O decreto sobre o ecumenismo do Concílio Vaticano II, quarenta anos depois», que decorreu entre os dias 11 a 13 de Novembro de 2004, em Rocca di Papa (localidade próxima a Roma), onde se fez um balanço de quatro décadas de diálogo ecuménico.

Pequena história do decreto
Com o início dos trabalhos conciliares, todas as comissões que o tinham preparado deixaram de existir. A excepção, expressamente querida pelo Papa João XXIII, é a do chamado ‘Secretariado Romano para a unidade’, como sinal claro de uma vontade decidida em que o clima e a preocupação ecuménica estivessem presentes na aula conciliar. Na primeira sessão são oferecidos dois textos sobre ecumenismo: um elaborado pela Comissão teológica e pensado como parte da constituição ‘De Ecclesia’, e um outro preparado pela Comissão das Igrejas orientais, intitulado ‘Ut omnes unum sint’. Um terceiro seria elaborado pelo ‘Secretariado para a unidade’, sem ser apresentado nesta sessão. Durante a segunda sessão, os padres trabalham sobre um novo texto, que incluía os três textos referidos anteriormente, com cinco capítulos: os três primeiros estritamente ecuménicos, o quarto com referências aos não cristãos, e o último capítulo consagrado à liberdade religiosa. Rapidamente se impõe a opinião de que estes dois últimos constituíam documentos distintos, como veio a acontecer, constituindo os primeiros a base de trabalho do futuro decreto ecuménico. Na terceira sessão o texto é corrigido, tendo por base as modificações propostas, e é aprovado em 21 de Novembro de 1964 com 2137 ‘placet’ e 11 ‘non placet’, sendo promulgado nesse mesmo dia pelo Papa Paulo VI.
O significado ecuménico do decreto conciliar manifesta-se de muitos modos. É, antes de mais, significativo a mudança operada logo no seu primeiro capítulo: não trata este texto dos princípios de um ecumenismo católico, mas sim dos ‘princípios católicos do ecumenismo’, reconhecendo-se assim um único movimento ecuménico, e não um movimento ecuménico católico. Destes princípios alguns podem ser destacados: uma concepção de Igreja dinâmica, que tem a sua origem no mistério trinitário e se desenvolve na história, que ‘subsiste’ na Igreja católica mas não se esgota nesta; o carácter escatológico desta Igreja peregrina, que permite falar na provisoriedade e de uma Igreja ‘semper reformanda’; deixa-se de falar de um ‘simples retorno’, como meta do ecumenismo, e deseja-se uma plena comunhão que seja na fé, nos sacramentos, e no ministério eclesiástico; o diálogo aparece como atitude e como método de aproximação; é afirmado o princípio da ‘hierarquia das verdades’ como algo a ter em conta na ultrapassagem de muitas das questões doutrinais que subsistem, recordando que o fundamento da fé cristã é cristológico e trinitário.
O Concílio pôde assumir o movimento ecuménico sem grandes dificuldades, porque apresentou a Igreja como um movimento, ou seja, como ‘um povo de Deus a caminho’ (cf. LG 2, 8-9 e 48-51; UR 2). Por outras palavras, o Concílio Ecuménico Vaticano II voltou a valorizar a dimensão escatológica da Igreja, demonstrando que a Igreja não é uma realidade estática, mas dinâmica, é o povo de Deus em peregrinação entre o "já" e o "ainda não", integrando o movimento ecuménico nesta dinâmica escatológica. Nesta perspectiva escatológica e espiritual, a finalidade do ecumenismo não pode ser concebida como um simples regresso dos outros ao seio da Igreja Católica. A finalidade da plena unidade só pode ser alcançada através do compromisso animado pelo Espírito de Deus e a conversão à única Cabeça da Igreja, Jesus Cristo.
Além disso, uma eclesiologia de ‘comunhão’, animada pelo Espírito que realiza a unidade, valoriza a pertença que acontece pelo baptismo, como sacramento primordial desta ‘comunhão’: é este o sacramento da fé, através do qual os baptizados pertencem ao único corpo de Cristo, que é a Igreja. Por conseguinte, os cristãos não católicos não se encontram fora da única Igreja mas, pelo contrário, já lhe pertencem de maneira fundamental (cf. LG 11 e 14; UR 22). Tendo como base o único baptismo comum, o ecumenismo vai muito além da mera benevolência e da simples amizade; não se trata de uma forma de diplomacia eclesial, mas possui um fundamento ontológico e uma profundidade ontológica; o ecumenismo afirma-se como um evento do Espírito.
Nas palavras do Cardeal W. Kasper, no congresso acima referido, “O Decreto constituiu um início. Não obstante, teve repercussões vastas e importantes, tanto no interior da Igreja Católica como a nível ecuménico em geral, e mudou profundamente a situação do ecumenismo ao longo dos últimos quarenta anos. Sem dúvida, a UR deixou também algumas questões a resolver, enfrentou críticas e conheceu ulteriores desenvolvimentos. Contudo, os problemas encontrados não devem levar-nos a esquecer os ricos frutos que produziu. O Decreto sobre o Ecumenismo deu início a um processo irrevocável e irreversível, ao qual não existe uma alternativa realista. O Decreto sobre o Ecumenismo indica-nos o caminho a seguir no século XXI. A vontade do Senhor consiste em empreendermos este caminho com prudência, mas também com coragem, paciência e sobretudo esperança inabalável. Em última análise, o ecumenismo é uma aventura do Espírito. Por isso, concluo citando as palavras com que se encerra também este decreto: ‘A esperança não engana, porque o amor de Deus é largamente difundido nos nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado’ (Rm 5, 5)”.

JOÃO PEDRO BRITO

Fonte Ecclesia

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