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Publicações de Teologia em 2004
2005-01-05 19:28:45

Dir-se-ia que o panorama da literatura religiosa segue as tendências da restante literatura: nem sempre a popularidade convive pacificamente com a qualidade.
Também nela se verifica o paralelismo assimptótico que se costuma notar: o que vende nem sempre tem qualidade e o que tem qualidade nem sempre vende.


É claro que haverá seguramente algum subjectivismo neste género de apreciações.
Como é uso dizer-se, se o homem fosse objecto seria objectivo; como é sujeito, será inevitavelmente… subjectivo.
Ressalva feita, o primeiro dado a reter de 2004 é o fenómeno “Código da Vinci”, um romance que de original só parece ter o espantoso número de vendas que conseguiu. É que outros antes de Dan Brown tinham recorrido ao mesmo filão. Só tiveram, porém, alguma notoriedade agora, por arrastamento. Haverá alguma explicação para todo este êxito? Com certeza que há: a predisposição do público.
Este, hoje, é muito mais sensível à suspeita do que outrora. Tudo o que seja «desmontagem» ou «desconstrução» encontra largo eco mediático, que é, consabidamente, o meio mais eficaz de arrecadar sucessos no mundo editorial. Daí que toda a literatura “circum-Código” e “pós-Código” seja avidamente comprada e acriticamente digerida.
Neste sentido, não espanta que outro género de livros tenha recebido uma atenção bem mais modesta. É pena, porém. Porque, entre o que surgiu no último ano, houve muito de bom e — coisa não despicienda — em português! Começava já por José Tolentino Mendonça, que, em sintonia com o belíssimo repertório poético com que nos tem deliciado, obsequiou-nos, em 2004, com “A construção de Jesus. Uma leitura narrativa de Lc 7, 36-50” (Ed. Assírio & Alvim).
É a sua tese de doutoramento em Teologia Bíblica, por cujas páginas a alma de poeta do autor está bem patente, o que dá um efeito balsâmico à leitura da obra. Como que se divisa uma aura de surpreendente leveza num trabalho meticuloso e árido como é a exegese.
Volto-me, depois, para dois teólogos não clérigos (aspecto que também é importante assinalar, já que a Teologia há-de ser cada vez menos privilégio e exclusivo de alguns para que se torne cada vez mais desafio para todos e tarefa para muitos). Assim, Alfredo Teixeira publicou, já quase no fim do ano, “Não sabemos já donde a luz mana.
Ensaio sobre as identidades religiosas” (Ed. Paulinas). Trata-se de uma colectânea de artigos que o autor foi produzindo e que, sob a forma de livro, exibem uma apreciável unidade coerencial.
Referência especial merece também João Manuel Duque, que já em 2003 tinha feito sair “Dizer Deus na pós-modernidade”, com um acolhimento muito estimulante por parte da crítica. Em 2004, apareceu “Cultura contemporânea e Cristianismo” (Universidade Católica Editora) e “O Excesso do Dom. Sobre a identidade do Cristianismo” (Ed. Alcalá e Universidade Católica Editora). São obras por onde perpassa uma aguda percepção da realidade a par de um vigoroso domínio das principais problemáticas teológicas.
A profundidade na análise coexiste com uma brilhante agilidade no raciocínio e na exposição. Particularmente, o segundo livro coloca a questão da identidade cristã no seu autêntico punctum saliens: o dom.
Ora, num tempo em que prevalece a cultura da posse, é importante propor a fé como alternativa, isto é, como cultura da dádiva, da entrega e do despojamento. Ousaria mesmo dizer que, quanto à aproximação que possibilita ao facto cristão, esta obra emparceira com o célebre “Curso fundamental da Fé”, de Karl Rahner.
Realce também para preciosos contributos que nos chegaram de nomes sobejamente conhecidos: “Jesus Cristo: quem é?”, de Arnaldo de Pinho, “Maria, figura da graça”, de Maria Manuela de Carvalho, “Ser padre”, de Carlos Azevedo (os três da Universidade Católica Editora) e “Religião, opressão ou libertação?”, de Anselmo Borges (Ed. Campo das Letras). Permitia-me destacar, neste último, o texto “O perdão e a génese do religioso” (pp. 211-212).
No que concerne às traduções, dois breves destaques: “A condição cristã. Do mundo sem dele ser”, de Paul Valadier, e “Desafio para uma civilização global. Diálogo de culturas e religiões”, de Patrícia Mische e Melissa Merkling (os dois da editorial do Instituto Piaget). Vale a pena ler. E guardar.

João A. Pinheiro Teixeira, Director do “Voz de Lamego”

Fonte Ecclesia

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