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A nova Europa do Espírito, assentada sobre os valores humanos e cristãos
2004-07-23 22:24:19

VP – Enquanto presbítero, como foi a acção pastoral de D. Julián ao longo de 22 anos? Como define a realidade paroquial e o ser pároco em Espanha? É igual em todas as regiões espanholas?

D. Julián Barrio Barrio (JBB) – Em 1971, ano da minha ordenação sacerdotal, fui enviado a Roma pelo Sr. Bispo para prosseguir os estudos de História Eclesiástica na Universidade Gregoriana de Roma. Durante a minha estadia lá colaborei pastoralmente, aos fins-de-semana, na Paróquia Santa Clara. Depois, quando regressei a Espanha, em 1978, o Sr. Bispo destinou-me a Vice-Reitoria e a Secretaria de Estudos do Seminário Maior Diocesano de Astorga, nomeando-me mais tarde, no ano lectivo de 1980-81, Reitor e Director do Centro de Estudos Eclesiásticos do mesmo. Estive dedicado nesta missão até 31 de Dezembro de 1992, dia em que fui nomeado para Bispo Auxiliar do Arcebispo da Arquidiocese de Santiago de Compostela.

VP – Na Igreja actual, pelo menos em Portugal, ser consagrado Bispo aos 47 anos, como foi D. Julián, pode dizer-se que é uma idade relativamente nova. Mas, de facto, é preciso que se nomeiem bispos com tenra idade, para que também assim a Igreja seja desde já renovada. Concorda com esta ideia?
JBB – Certamente, parece-me oportuno e conveniente. Em todo o caso, como o amo de casa a que faz referência o Evangelho, a Igreja vai buscando do antigo e do novo. Humanamente, uma idade jovem nem é garantia de renovação nem uma idade maior tem que ser sinal de falta de dinamismo. O importante é a abertura à acção do Espírito em nós, com um atitude de bom samaritano para saber interpretar os sinais dos tempos que se nos vão apresentando, e dar a resposta pastoral adequada, recordando as palavras do II Concílio do Vaticano: “A alegria e a esperança, a tristeza e a angústia dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e dos aflitos, são também alegria e esperança, tristeza e angústia dos discípulos de Cristo e não há nada verdadeiramente humano que não tenha ressonância em seu coração”.

VP – Sendo Arcebispo de Santiago de Compostela é já a segunda vez que vê e sente mais directamente o Ano Santo Compostelano, o Xacobeu. Quais são os grandes propósitos que envolvem esta realidade espiritual?

JBB – Tenho a dizer que para mim está a ser uma experiência espiritual e pastoral muito enriquecedora e gratificante. Tenho tentado, através das Cartas Pastorais (1997 e 2002) que escrevi para a preparação destes 2 Anos Santos como Arcebispo, sublinhar o sentido cristão, espiritual e eclesial dos Anos Santos Compostelanos que hão-de ajudar-nos a revitalizar a nossa fé e renovar a nossa vida cristã. No podemos esquecer a dimensão penitencial que caracteriza a peregrinação jacobeia.

VP – Que particularidade e vivência especial tem este Ano Santo ao ser o primeiro do Terceiro Milénio?
JBB – Notamos uma maior afluência de pessoas (crianças, jovens, adultos e velhinhos), em relação com os Anos Santos precedentes. Por outro lado as pessoas que vão peregrinando vão-no fazendo com um maior espírito religioso e espiritual, pelo que podemos perceber exteriormente. São muito numerosas as Confissões, como é também significativa a participação na Comunhão.

VP – No próximo domingo, dia 25, celebraremos a festa litúrgica de S. Tiago, que será certamente revestida de grandíssima solenidade em Compostela? Como vai ser esse dia preenchido e animado, litúrgica e ludicamente?
JBB – Esta Solenidade tem um sentido íntimo e afectuoso, de maneira especial para Espanha, pois o Apóstolo Tiago é o nosso Patrono. É um convite a viver a experiência espiritual do encontro com a fé dos Apóstolos e com as origens apostólicas da Tradição cristã. A oferta ao Apóstolo que trarão Suas Majestades os Reis neste dia e que recolherá especialmente as inquietudes e esperanças do nosso povo, é uma chamada aos que formamos a Igreja que peregrina em Espanha a viver na fidelidade o compromisso de fé, a reafirmar a nossa identidade cristã e a não romper com as nossas raízes cristãs.

VP – Donde são os peregrinos, na sua maioria, originários?
JBB – A maioria destas pessoas são de Espanha. Neste sentido temos de referir-nos também a Portugal, Itália, Alemanha, França e ao resto das nações europeias. A peregrinação jacobeia evoca as raízes culturais e espirituais do velho continente. Não esqueçamos também os peregrinos que em menor número vão chegando de outros continentes.

VP – Todos os que passam em Santiago vão, de facto, em espírito de Peregrinação ou vão como meros turistas, não sabendo, muitas vezes, como estar na Catedral ou noutros locais de culto? Acha que os fiéis se preparam dignamente para viver o que vão celebrar? E conhecem as várias atitudes, formas e condições de preparação, assim como os actos devocionais possíveis?
JBB – A maioria chega com espírito de peregrino e sabe o que vem celebrar, conhecendo as condições para participar nas Graças Jubilares. Insistiu-se muito na preparação espiritual da Peregrinação através das Dioceses. Também nos encontramos com pessoas interpeladas pela chamada religiosa. Aqui, na Meta do Caminho, queremos estar muito próximos delas oferecendo-lhes o melhor acolhimento possível.

VP – Como prevê e espera que seja a Peregrinação Europeia de Jovens a S. Tiago de Compostela? Quantos jovens se inscreveram? Qual vai ser a mensagem principal que D. Julián lhes vai deixar?
JBB – Esperamos contar com 40.000 jovens vindos de toda a Europa. Aqui desejamos e pedimos ao Senhor que fortalecendo a sua fé sejam testemunhas de Cristo para a Europa da Esperança. A mensagem principal é a da esperança cristã para saber olhar com agradecimento o passado, com responsabilidade o presente e com confiança o futuro. “O homem não pode viver sem esperança: a sua vida condenada à insignificância converter-se-ia em insuportável”. A esperança converte-se em fonte de amor e de serviço ao próximo. Na modernidade o homem julgou-se soberano e independente frente à natureza, à sociedade e ao próximo: programou-se uma antropologia sem o próximo e sem Deus, mas com tal delineamento o homem cai reduzido à sua própria solidão.

VP – Todavia, de que forma se poderá moldar, aperfeiçoar e tornar possível essa esperança colectiva de que fala?
JBB – A esperança colectiva só será possível desde a reconstrução da pessoa. Pensar e fazer, mas também esperar. Certamente, não se trata de criar uma Europa paralela à existente, senão a de mostrar a esta Europa que a sua alma e identidade estão profundamente enraizadas no Cristianismo, para poder assim oferecer-lhe a chave de interpretação da sua própria vocação no mundo. A Europa unida do Terceiro Milénio, a nova Europa do Espírito, será possível se está assentada sobre os valores humanos e cristãos que integram a sua alma comum, como são: a dignidade da pessoa humana, o profundo sentimento de justiça e liberdade, o trabalho, o espírito de iniciativa, o amor à família, o respeito à vida, a tolerância e o desejo de cooperação e de paz. Só a força espiritual da verdade de Cristo pode vencer a debilidade mental e moral que padecemos e ajuda-nos a recuperar a confiança, porque a falta de confiança leva-nos à trivialidade.

VP – Sabemos que, infelizmente, a Al-Qaeda ou o terrorismo “sem nome” aliam os seus propósitos destruidores, entre outros, às situações de enorme aglomeração populacional. Já tiveram alguma(s) ameaça(s) mais consistente(s) de atentado?
JBB – Não, em absoluto.

VP – O apóstolo Tiago, na religiosidade popular, é o Santo invocado pela necessidade especial do reumatismo. Considera que as pessoas ao rezarem e ao pedirem intercessão a S. Tiago o associem e se refugiem a ele por esta causa? Como é visto o apóstolo em Compostela?
JBB – Pelo que sei, os peregrinos jacobeus bem que estão sempre abertos ao milagre no meio de tantas necessidades que sentem na sua vida pessoal, familiar e social; sem obstáculo, a preocupação primordial é a conversão a que lhes chama o Ano Santo, essa mudança nas suas vidas, que lhes leve a ser criaturas novas conforme o Homem novo que é Cristo Jesus. O Apóstolo Tiago é o meio para encontrar-se com Jesus.

VP – A Espanha (± 25.100) e a Itália (± 14.500), juntas, são os países com mais missionários em todo o mundo, segundo dados do final da década 90. De que forma interpreta e justifica esta forte chama missionária espanhola?
JBB – Quando há uma intensa vida de fé sente-se a necessidade de comunicá-la. A dimensão missionária é essencial na Igreja e em cada um dos cristãos e é por sua vez sinal de vitalidade cristã. A fé fortalece-se dando-a.

VP – Visto que D. Julián é o Presidente da C. E. E. dos Seminários e Universidades, como baliza a situação entre ambas as Instituições, a nível de alunos, de objectivos, de formação e educação?
JBB – Considero que hoje os Seminários e as Universidades Eclesiásticas contam com os meios adequados pelo que se refere aos Planos de Formação e Orientações que hão-de plasmar-se na realidade de rosto a conseguir os objectivos precisos de ambas as Instituições, tanto na formação como na educação. O que preocupa é a carência de alunos, que de alguma forma condiciona a vitalidade destas Instituições.

VP – Pelo que sei, há pouco tempo atrás, D. Julián tomou a iniciativa de abrir um caminho seguro para a efectiva integração eclesial do Renovamento Carismático Católico na realidade pastoral da Arquidiocese de Compostela. Qual a responsabilidade e motivação de ser o “garante” do que é a Renovação não só na sua Arquidiocese, mas também em toda a Espanha?
JBB – Creio que há que dar muitas graças a Deus pelos novos movimentos apostólicos que estão surgindo na Igreja, como sinal de vitalidade da mesma. A minha iniciativa tinha como finalidade potenciar a tal efectiva integração que bem mencionou na questão. Hoje, não só basta sentir na Igreja e com a Igreja. Considero que é preciso oferecer sinais perceptíveis desta realidade na qual nos sentimos todos comprometidos. Sempre me preocupou que toda a força deste movimento, em concreto, não tivesse a eficácia pastoral que está chamado a ter. Os carismas são dom de Deus, que os dá às pessoas que devem vivê-los ao serviço de toda a comunidade cristã.


TRÍMERO TEMÁTICO:

VP – Descida de popularidade da Casa Real espanhola...
JBB – A Família Real pela sua proximidade, singeleza, simplicidade e o seu saber estar social, cultural e politicamente goza de grande popularidade.

VP – Papa João Paulo II: incapacidade física vs lucidez intelectual...
JBB – João Paulo II, convencido da verdade que o leva ser cristão, é um homem histórico e um testemunho de esperança. O seu pontificado é um dos mais importantes para a Igreja e para o mundo. É o Papa talvez mais visto, o que não quer dizer, que tenha sido o mais compreendido. As suas muitas intuições proféticas verificaram-se na Igreja peregrinante dos nossos tempos. Na espessura da nossa história, às vezes opaca aos valores do Espírito, admira-me a sua coragem e zelo apostólicos e, dentro da sua debilidade física, a sua lucidez mental ao serviço incondicional da Igreja e do homem dos nossos dias.

VP – Legalização das uniões homossexuais...
JBB – As pessoas homossexuais, como todos, estão dotadas da dignidade inalienável que corresponde a cada ser humano. É evidente que, enquanto pessoas, têm na sociedade os mesmos direitos que qualquer cidadão e, enquanto cristãos, estão chamados a participar na vida e na missão da Igreja. A autoridade legítima tem potestade de estabelecer as normas para a regulação da vida social, mas neste sentido, ao tratar sobre as uniões destas pessoas, há também que recordar algo tão óbvio e natural como que o matrimónio não pode ser contraído mais que por pessoas de sexo distinto: uma mulher e um homem. O bem comum exige que as leis reconheçam, favoreçam e protejam a união matrimonial, essencialmente heterossexual, como base iniludível da família. Não é aceitável a legislação que equipare, de algum modo, as chamadas uniões homossexuais com o matrimónio.

Perfil

D. Julián Barrio Barrio nasceu em Manganeses da Polvorosa, província de Zamora e Diocese de Astorga, a 15/08/1946. É licenciado em Teologia pela Universidade Pontifícia de Salamanca, Doutor em História da Igreja pela Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma e licenciado em Filosofia e Letras, área de Geografia e História, pela Universidade de Oviedo. Foi Professor de História Eclesiástica no Seminário Maior e de História de Espanha e de Contemporânea no Seminário Menor. Actualmente, além de Arcebispo de S. Tiago de Compostela (desde 5/01/1996), é Presidente da Comissão de Seminários e Universidades da Conferência Episcopal Espanhola (C.E.E.) e membro da Comissão Permanente da C.E.E.. Desempenha também o cargo de Bibliotecário do Instituto Histórico Espanhol, anexado à Igreja Nacional Espanhola de Santiago e Montserrat em Roma, donde foi Bolseiro.

Fonte Ecclesia

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