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Religiões Reivindicam Intervenção Política
2004-07-12 21:55:20

As religiões querem ter intervenção social e política no reordenamento mundial e não ficar remetidas a um papel estritamente espiritual. No Parlamento das Religiões do Mundo, que amanhã se conclui em Barcelona, essa tem sido uma constante dos debates, em relação a temas como o acesso à água potável, a dívida externa dos países pobres, os refugiados, a sida ou a protecção do ambiente.

A reivindicação foi assumida por várias das vozes mais importantes do parlamento. Hans Küng, padre e teólogo católico que há duas décadas foi proibido de ensinar teologia em nome da Igreja, foi um dos porta-vozes dessa vontade, afirmando que as religiões têm um papel essencial na elaboração de um novo paradigma, que deve passar por um desempenho construtivo.

Numa das sessões plenárias, recordava-se que mil milhões de pessoas de pessoas não têm acesso a água potável e que cinco milhões (dos quais 1,8 milhões de crianças) morrem anualmente por não ter água limpa. Esses números foram o ponto de partida para vários grupos representados na sessão se comprometerem em iniciativas concretas para alargar o acesso à água potável. Um lama budista tibetano, refugiado na Índia, contou como, numa aldeia de refugiados, se construiu em conjunto uma rede de água limpa, que acabou por dar origem a um festival da água.
Ontem, numa das quase cem sessões de que diariamente se faz o parlamento, uma freira católica, missionária no Congo, criticou o facto de, na região onde trabalha, a água ter sido privatizada e entregue à Coca-Cola. Agora, "cada garrafa custa o equivalente ao que uma família gasta por dia em alimentação".

Jane Goodall, que dedicou a sua vida ao estudo dos chimpanzés, alertou para a urgência de travar a deterioração do meio ambiente e de adoptar políticas de planeamento familiar.
O pedido de anulação da dívida externa dos países pobres - tema que periodicamente é recordado pelo Papa João Paulo II aos líderes mundiais - foi repetido nas sessões do parlamento. O brasileiro André Porto, da associação Viva Rio, catalogou a dívida como "um novo tipo de colonialismo moderno", que atrofia e escraviza nações menos desenvolvidas. A americana Maria Clarke Brill, da Rede Americana do Jubileu, a dívida não permite desenvolver a educação e a saúde, pois os estados gastam mais a pagar os juros que a desenvolver estruturas sociais.

A crítica vai fundo, ao coração do próprio sistema económico e ao seu papel nocivo em relação às religiões. Ontem, no simpósio sobre o tema "Para uma teologia inter-religiosa e inter-cultural da libertação", Raúl Fornet-Betancourt, professor de Filosofia na Universidade de Aachen, afirmou que o capitalismo, como sistema económico, "não admite a comunidade" e retirou ao cristianismo a sua dimensão comunitária original e a sua capacidade de intervenão. Ao mesmo tempo, denunciou a "militarização da vida quotidiana e da política mundial", considerando que esses são desafios essenciais para a teologia inter-ecultural e inter-religiosa.
Constante neste parlamento, o convite a que cada pessoa, grupo ou comunidade apresente publicamente uma iniciativa concreta para ajudar a atenuar estes e outros problemas. Como que a demonstrar que a intervenção social e política, de quem age em nome do seu credo, não pode ficar, como também dizia Hans Küng, pela afirmação do desejo de "paz e justiça".

Concerto e noite de oração, encontro intercultural e sintonia pelo desejo de paz. Sábado à noite, diante do Templo da Sagrada Família, aconteceu um misto de tudo isso, no concerto "Religiões do mundo, músicas de paz". Desde o canto da terra de uma índia iroquesa, da nação Oneida (Estados Unidos), até à oração budista, passando pela espiritualidade intensa do flamenco e pela música popular contemporânea interpretada por um grupo de israelitas e palestinianos.

Com cerca de 10 mil pessoas a assistir, o concerto foi a síntese do que vinha sucedendo desde os primeiros dias do Parlamento das Religiões do Mundo: a música tornada expressão religiosa, orações vestidas de ritmo. Em diferentes momentos do parlamento, estiveram presentes a música litúrgica e espiritual (com Jordi Savall), a memória da música da diáspora judia sefardita (Ellen Gould, no concerto "Os exilados"), os sons, um grupo de Hare Krishna catalães mostraram como se alia a expressão oriental a ritmos sevilhanos e ibéricos.

Sábado à noite, foi no espantoso cenário da fachada da Natividade, de onde sobressaía o colorido da metade superior das quatro torres, que vozes e instrumentos se elevaram para o céu ameno da noite de Barcelona, simbolizando a capacidade da música se relacionar com o divino e colocar diferentes credos em diálogo.

A índia Joanne Shenandoah, do clã Wolf, começou por ecoar as religiosidades indígenas. A freira católica Carmen Miró (com o piano de Xavier Prado) calou a noite com a sua voz de soprano e Carmen Corpas trouxe a espiritualidade intensa do flamenco com dois cânticos dedicados à Virgem.
O som rumou, também, a Oriente, com os tambores japoneses do Shumei Taiko Ensemble, e o hindu-cristão Russil Paul a tocar teclado, sintetizador, harmónica e sitar. As suas melodias fundem a expressão indiana com o gregoriano ou o minimalismo contemporâneo, com citações da liturgia cristã ("Kyrie eleison", Senhor tem piedade), da afirmação judaica do Deus da paz ("Shalom Adonai") e da profissão de fé islâmica de que Deus é grande ("Allah u ak bar").

Fonte Público

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