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Discurso de João Paulo II aos participantes na Sessão Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé
2004-02-17 19:09:23

Audiência de João Paulo II aos participantes na Sessão Plenária da Congregação para a Doutrina da Fé, no dia 6 de Fevereiro.

"Senhores Cardeais
Venerados Irmãos
no Episcopado e no Sacerdócio
Caríssimos Irmãos e Irmãs
1. Renova-se a minha alegria, ao poder encontrar-me convosco no final da Sessão Plenária da vossa Congregação. Enquanto dirijo uma saudação cordial a cada um, desejo agradecer de modo particular ao Senhor Cardeal Joseph Ratzinger os sentimentos que desejou expressar em nome de todos e a síntese eficaz dos múltiplos trabalhos da Congregação.

Este encontro bienal permite-me reflectir de novo sobre os pontos salientes da vossa actividade e de indicar, outrossim, o horizonte dos desafios que vos comprometem na delicada tarefa de promover e de salvaguardar a verdade da fé católica, ao serviço do Magistério do Sucessor de Pedro.

Neste sentido, o perfil doutrinal que caracteriza de maneira especial a vossa competência pode definir-se como propriamente "pastoral", porque participa na missão universal do Pastor Supremo (cf. Pastor bonus, 33). Uma missão que tem entre as suas prioridades sobretudo a unidade da fé e da comunhão de todos os crentes, unidade necessária para o cumprimento da missão salvífica da Igreja.
Esta unidade deve ser descoberta de novo de modo incessante na sua riqueza e oportunamente defendida, enfrentando os desafios que se apresentam em cada época. O contexto cultural contemporâneo, qualificado tanto por um relativismo difundido como pela tentação de um pragmatismo fácil, exige mais do que nunca o anúncio corajoso das verdades que salvam o homem e um renovado impulso evangelizador.

2. A traditio evangelii constitui o principal e fundamental compromisso da Igreja. Cada uma das suas actividades deve ser inseparável do empenho em vista de ajudar todos a encontrar Cristo na fé. Por este motivo, desejo de modo particular que a evangelização de toda a Igreja nunca se debilite, quer diante de um mundo que ainda não conhece Cristo, quer perante muitas pessoas que, embora já O tenham conhecido, em seguida vivem distantes dele.
Sem dúvida, o testemunho da vida é a primeira palavra com que se anuncia o Evangelho; porém, esta palavra não será suficiente, "se o nome, a doutrina, a vida, as promessas, o Reino, o mistério de Jesus de Nazaré, Filho de Deus, não forem anunciados" (Evangelii nuntiandi, 22). Este anúncio claro é necessário para sensibilizar o coração a aderir à boa notícia da salvação. Agindo assim, presta-se um serviço grandioso aos homens que procuram a luz da verdade.

3. Sem dúvida, o Evangelho exige a livre adesão do homem. Contudo, para que esta adesão possa ser expressa, o Evangelho deve ser proposto, já que "as multidões têm o direito de conhecer as riquezas do mistério de Cristo, nas quais toda a humanidade assim acreditamos pode encontrar numa plenitude inimaginável tudo aquilo que procura às apalpadelas a respeito de Deus, do homem, do seu destino, da vida, da verdade..." (Redemptoris missio, 8). A plena adesão à verdade católica não diminui, mas exalta a liberdade humana e impele-a rumo ao seu cumprimento, num amor gratuito e repleto de esmero pelo bem de todos os homens.

Este amor é o selo precioso do Espírito Santo que, como protagonista da evangelização (cf. Redemptoris missio, 30), não cessa de sensibilizar os corações ao anúncio do Evangelho e, ao mesmo tempo, de os abrir ao seu acolhimento. Este é o horizonte de caridade que leva à nova evangelização, para a qual convidei várias vezes toda a Igreja e à qual desejo exortá-la uma vez mais no início deste terceiro milénio.

4. Um tema que já foi evocado outras vezes é o da recepção dos documentos magisteriais por parte dos fiéis católicos, frequentemente mais desorientados do que informados pelas reacções e interpretações imediatas dos meios de comunicação social.
Na realidade, a recepção de um documento, mais do que um facto mediático, deve ser considerada sobretudo como um acontecimento eclesial de acolhimento mais cordial do Magistério, na comunhão e na partilha da doutrina da Igreja. Com efeito, trata-se de uma palavra autorizada que lança luz sobre uma verdade de fé ou sobre determinados aspectos da doutrina católica, contestados ou subestimados por particulares correntes de pensamento e de acção. E é precisamente neste seu valor doutrinal que se encontra a índole altamente pastoral do documento, cujo acolhimento se torna, por conseguinte, uma ocasião propícia de formação, de catequese e de evangelização.

Para que a recepção se torne um acontecimento autenticamente eclesial, é necessário prever modos oportunos de transmissão e de difusão do próprio documento, que permitam o seu conhecimento integral, sobretudo por parte dos Pastores da Igreja, primeiros responsáveis do acolhimento e da valorização do Magistério pontifício, como ensinamento que contribui para formar a consciência cristã dos fiéis diante dos desafios do mundo contemporâneo.

5. Outro tema importante e urgente que gostaria de submeter à vossa atenção é o da lei moral natural. Esta lei pertence ao grande património da sabedoria humana, que a Revelação, com a sua luz, contribuiu para purificar e desenvolver ulteriormente. A lei natural, por si só acessível a toda a criatura racional, indica as normas principais e essenciais que regulam a vida moral. Com base nesta lei, pode-se construir uma plataforma de valores compartilhados, em redor dos quais desenvolver um diálogo construtivo com todos os homens de boa vontade e, de modo mais genérico, com a sociedade secular.
Hoje, devido à crise da metafísica, em muitos ambientes já não se reconhece uma verdade inscrita no coração de cada pessoa humana. Por conseguinte, por um lado, assiste-se à difusão entre os crentes de uma moral de índole fideísta e, por outro, deixa de existir uma referência objectiva para as legislações, que muitas vezes se fundamentam unicamente no consenso social, de modo que se torna cada vez mais difícil alcançar uma base ética comum para toda a humanidade.

Nas Cartas Encíclicas Veritatis splendor e Fides et ratio, desejei oferecer elementos úteis para descobrir de novo, entre outras coisas, a ideia da lei moral natural. Infelizmente, não parece que estes ensinamentos foram compreendidos até agora na medida desejada, e esta problemática complexa merece ulteriores aprofundamentos. Por conseguinte, convido-vos a promover iniciativas oportunas com a finalidade de contribuir para uma renovação construtiva da doutrina da lei moral natural, buscando também convergências com representantes das diversas confissões, religiões e culturas.

6. Por fim, desejo mencionar uma questão delicada e actual. No último biénio a vossa Congregação assistiu a um notável incremento no número dos casos disciplinares a ela referidos pela competência que a Congregação tem ratione materiae sobre os delicta graviora, e inclusivamente os delicta contra mores. As normas canónicas, que a vossa Congregação é chamada a aplicar com justiça e equidade, tende a garantir tanto o exercício do direito de defesa de quem é acusado, como as exigências do bem comum. Quando se comprova o delito, de qualquer forma é necessário avaliar bem, tanto o justo princípio da proporcionalidade entre culpa e pena, como a exigência predominante de salvaguardar o Povo de Deus.
Porém, isto não depende da aplicação do direito penal canónico, mas encontra a sua garantia melhor na formação justa e equilibrada dos futuros sacerdotes, chamados de modo explícito a abraçar com alegria e generosidade aquele estilo de vida humilde, modesto e casto, que constitui o fundamento prático do celibato eclesiástico. Portanto, convido a vossa Congregação a colaborar com os outros Dicastérios da Cúria Romana, competentes na formação dos seminaristas e do clero, a fim de que adoptem as medidas necessárias para assegurar que os clérigos vivam em sintonia com a sua vocação e com o seu compromisso de castidade perfeita e perpétua pelo Reino de Deus.

7. Caríssimos, agradeço-vos o serviço precioso que prestais à Sé Apostólica e a favor da Igreja inteira. Possa o vosso trabalho dar os frutos a que todos nós almejamos. Por isso, asseguro-vos uma lembrança especial na oração.


Acompanhe-vos a minha Bênção que, com afecto reconhecido, concedo de coração a todos vós e às pessoas que vos são queridas no Senhor".

Fonte Ecclesia

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