paroquias.org
 

Notícias






Mensagem da Quaresma de D. José Policarpo: Tudo nos fala de conversão
2004-02-20 22:05:55

1. O convite à conversão define a especificidade espiritual da Quaresma como tempo litúrgico. Longa preparação para a celebração anual da Páscoa, na Quaresma o povo cristão é chamado à radicalidade evangélica sugerida pela morte e ressurreição de Cristo. O Santo Padre João Paulo II, na sua Mensagem para a Quaresma deste ano, fala dela como um tempo “durante o qual a liturgia renova aos crentes o apelo a uma conversão radical, confiando na misericórdia divina”.

Mas a Igreja de Lisboa tem, este ano, outros motivos para se sentir chamada à conversão. Antes de mais a longa preparação para o Congresso Internacional da Nova Evangelização e a missão que o acompanhará. A nossa determinação em evangelizar, isto é, em anunciar Jesus Cristo, morto e ressuscitado como chave definitiva da solução para a vida humana, ganhará uma força nova se tiver a autenticidade de um testemunho. É na medida em que nos convertermos a Jesus Cristo, que O podemos anunciar. Fá-lo-emos, então, com a convicção de uma experiência experimentada e vivida.
Mas há mais: o Santo Padre concedeu à nossa Sé Catedral, na celebração dos 1700 anos do Martírio de São Vicente, Padroeiro da nossa Diocese, as graças jubilares de um Ano Santo. Este facto ajudar-nos-á a descobrir o poder da Igreja de ser mediadora sacramental da conversão. Esta é um dom de Deus que nos é concedido através da Igreja. As pessoas e as comunidades cristãs da nossa Diocese são, assim, convidadas a fazerem-se peregrinas da Catedral e aí realizarem os actos exigidos para a obtenção da Indulgência Plenária, que dará outro horizonte à nossa busca da conversão. Nas Paróquias da Diocese que têm São Vicente como padroeiro, os cristãos podem receber esse dom na sua própria Igreja Paroquial, nas condições estabelecidas.
São, assim, várias as interpelações a convidarem-nos à conversão. Não desperdicemos o dom de Deus que nos visita.

“Convertei-vos ao Senhor vosso Deus”
2. Converter-se é, antes de mais, voltar-se para Deus, redescobrir a importância de Deus na nossa vida. Mesmo para os que acreditam n’Ele, Deus é, tantas vezes, o grande ausente das suas vidas. Em momentos especiais ou de aflição ainda Lhe batemos à porta, mas não alimentamos, habitualmente, uma relação de confiança e de amor com Ele. Toda a revelação do Seu projecto salvífico é a manifestação do Seu desejo de construir intimidade relacional com os homens. Ele ama-nos como um pai, e é nesse amor que encontraremos a força para viver. A conversão é sempre um regresso à Casa do Pai, o redescobrir de uma intimidade.
Para nós cristãos a conversão é um regresso a Jesus Cristo, em Quem encontramos o Pai na plenitude do Seu amor. Cruzámos a nossa vida com a d’Ele, no baptismo, um dia acolhemos, mesmo, o Seu chamamento e aceitámos segui-Lo como discípulos; tantas vezes nos reunimos, ao Domingo, para celebrar a Sua Páscoa; experimentámos, talvez, a alegria de sofrer por Ele e pela Sua Igreja. Mas cultivamos tão pouco aquela intimidade amorosa que Ele deseja, porque ama a Sua Igreja como um esposo ama uma esposa. Converter-se é redescobrir a oração adorante, a Eucaristia como festa da vida, a transformação das nossas atitudes que devem ser dignas do Seu amor. Jesus disse aos discípulos: “Já não vos chamo servos… chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que aprendi de Meu Pai” (Jo. 15,15). Como poderemos anunciá-Lo, dar testemunho do Seu amor, se não regressamos a esta amizade, se não cultivamos essa intimidade?
Deus chama-nos à conversão com a mesma insistência amorosa com que nos chamou à salvação. É urgente escutar esse chamamento, acolhermos a Sua Palavra. A Palavra de Deus, proclamada pela Igreja, na Liturgia e no seu Magistério, é o principal caminho de conversão. Nesta Quaresma, além da riqueza da Palavra de Deus da liturgia, meditarei convosco, nas Catequeses Quaresmais, o kerigma cristão, ou seja, aqueles pontos fundamentais, inalterados desde a época apostólica, com que a Igreja anuncia Jesus Cristo, morto e ressuscitado, nosso Deus e nosso salvador. Quero, convosco, ir ao encontro de Jesus Cristo, de uma forma mais profunda e radical. Quero, convosco, converter-me mais a Jesus Cristo. É preciso que a Sua Senhoria brilhe na Igreja e triunfe no coração de cada cristão.

“Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações”
3. O principal obstáculo à conversão é a dureza do nosso coração. “Mudai o vosso coração”, é o primeiro apelo de Jesus no início da pregação do Reino. Já no Antigo Testamento os profetas tinham anunciado que, nos tempos do Messias, Deus daria um “coração novo”, capaz de sentir e de amar e de celebrar uma nova aliança com Deus. Converter-se é estar atento àquilo que nos endurece o coração, tornando-o “surdo” à Palavra de Deus e insensível às necessidades dos irmãos.
Esse “coração novo” só Deus no-lo pode dar, com a acção santificadora do Espírito Santo, que age em nós para sermos capazes da intimidade com Deus. Não há conversão sem mudança do coração e esta só pode ser obra da graça de Deus em nós. Converter-se é, também, recorrer com humildade e confiança, às fontes da graça.
O Santo Padre, na sua Mensagem, parte da relação entre as crianças e o Reino dos Céus, para significar esse “coração novo”. Foi o próprio Jesus que, chamando uma criança, ensinou assim os discípulos: “Se não vos fizerdes como uma criança, não entrareis no Reino dos Céus” (Mt. 18,3).
O que é que o nosso coração adulto poderá aprender de um coração de criança? Antes de mais a docilidade do discípulo que se deixa encontrar por Jesus e O segue, como nos diz o Papa: “nas palavras de Jesus, a criança aparece como a imagem eloquente do discípulo que é chamado a seguir o divino Mestre, com a docilidade de um menino”.
A criança sugere-nos, depois, a confiança humilde de quem confia e se abandona. “Quem for humilde como esta criança, será o maior no Reino dos Céus” (Mt. 18,4).
Como ela podemos reaprender a candura da inocência, a olhar todas as realidades com simplicidade e beleza, a abraçar o mundo num gesto de ternura infinita. A criança ensina-nos a pôr a alegria e a festa acima dos interesses, a dar prioridade ao coração sobre a razão, a percebermos melhor como é bom acreditarmos num Deus que é Pai. Jesus tinha um coração de criança; por isso Ele pôde proclamar, a partir da Sua própria experiência: “bem-aventurados os que têm um coração puro; são esses que vêem a Deus” (Mt. 5,8).

A Igreja, sinal de conversão para a sociedade
4. A nossa sociedade precisa de conversão. São já muitas as vozes que se fazem ouvir, para exprimirem a urgência de um regresso a valores, a um ideal que mobilize, a uma generosidade que vença egoísmos, a um sentido de responsabilidade que dignifique a liberdade. Os cristãos, na sua conversão, devem ser sementes dessa atitude nova que germine numa mudança social. Só as pessoas, na grandeza da sua generosidade, no ideal por que se orientam, podem fazer um mundo melhor. Não é ousadia esperar que, num país cristão, a Páscoa pudesse ser motivação para uma mudança da sociedade.

Um gesto concreto de partilha
5. Vem sendo hábito na nossa Diocese exprimirmos esta renovação interior com um gesto de partilha, fruto de alguma renúncia que faremos com amor. Temos, assim, ajudado outras Igrejas mais pobres materialmente, permitindo-lhes resolver necessidades mais urgentes. No ano passado ajudámos a nova Diocese de Bafatá, na Guiné-Bissau e em 2002 contribuímos com € 331.537,81 para a Maternidade Escola de Timor-Lorosae.
Este ano convido-vos a orientar a vossa partilha generosa para um objectivo de outra natureza: ajudar a Ordem Cisterciense de Estrita Observância, ramo feminino, a restaurar a Ordem em Portugal, erigindo um Mosteiro no Patriarcado de Lisboa. Considero um dom de Deus esta oportunidade de termos um Mosteiro de contemplativas. Só Deus conhece a força da oração contemplativa na construção do Reino de Deus. Santa Teresinha de Lisieux mereceu, no seu Carmelo, o título de rainha das missões.
Pusemos à disposição da Ordem, para esta finalidade, uma quinta que é propriedade da Diocese, no Concelho de Alenquer. O lugar é belo, mas precisa de restauro. O projecto de arquitectura está pronto, falta agora realizar as obras. É para esta obra que vos convido a partilhar, nesta Quaresma. Sede generosos. Espero que o Mosteiro venha a ser um “pulmão” onde todos poderemos respirar a brisa do amor divino e atraia algumas das nossas jovens a entregarem-se à contemplação. Também assim brilhará para nós a Luz da Páscoa.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2004, Festa das Cinco Chagas do Senhor


† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia