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"Nasceu o Emanuel: Deus está no meio de nós"
2003-12-27 09:47:06

Homilia na Noite de Natal
Sé Patriarcal, 24 de Dezembro de 2003

Escolhi três frases retiradas de cada uma das três leituras desta celebração, que podem iluminar a nossa compreensão do mistério e conduzir-nos à adoração, atitude própria para quem se aproxima do presépio:
- “Um Menino nasceu para nós, um filho nos foi dado. Tem o poder sobre os ombros e será chamado Conselheiro Admirável, Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz” (Is. 9,5).

- “Manifestou-se a graça de Deus, fonte de salvação para todos os homens” (Tito, 2,11).

- “Imediatamente juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste, que louvava a Deus, dizendo: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados” (Lc. 2,14).


Um Menino nos foi dado. Esse Menino nasceu em Belém, filho de uma Mãe Virgem. Puseram-lhe o nome de Jesus e deram-lhe como apelido o Cristo, o ungido, significando a sua origem divina, como enviado por Deus, e a sua missão redentora. Tinha sido anunciado como o Emanuel, o Deus connosco. Esse nome expressava o mais profundo anseio dos crentes de Israel: poderem contemplar o rosto de Deus, sentirem Deus presente na ternura do Seu amor, como Pai bondoso e esposo solícito de Israel. O próprio Deus fizera aliança com o Seu povo; e essa aliança sempre renovada criou nos crentes esse desejo íntimo e inexplicável, de conviverem com Deus, de O sentirem próximo, o íntimo do coração, a sublinhar a semente de divindade que germina no coração de cada homem. Ele ali está, tendo como berço as palhinhas de um estábulo, envolto em panos, como qualquer recém-nascido pobre, mas cuidadosamente zelado pelo terno desvelo de Sua Mãe. Aquele Menino é o Filho de Deus, o Deus connosco. Foram cumpridas todas as promessas e podem ser realizados todos os desejos dos corações crentes, de construírem uma intimidade com o próprio Deus, na certeza de que esse amor os salvará. Naquele Menino manifestou-se, abundantemente, a graça de Deus, caminho de salvação para quantos O reconhecerem e adorarem.
Parece tudo tão simples a partir daquele momento. Deus está connosco, é o Emanuel. Mais uma vez o amor de Deus nos surpreendeu na sua generosidade e ousadia. Deus ultrapassou uma fronteira inimaginável por aqueles que, na fé, O adoravam como Senhor altíssimo: fez-Se homem, nasceu de uma mulher, como todos nós, para ser Deus connosco, Deus no meio de nós. Mas nessa simplicidade, nesse encanto de um recém-nascido, Deus não nos dispensou de ultrapassarmos, também nós, a mais exigente fronteira da nossa peregrinação: a fronteira da fé. Contemplamos aquele Menino, mas para vermos e acolhermos tudo o que Ele é, precisamos de acreditar. A beleza do que vemos atrai-nos para a beleza escondida do mistério. Acreditar é passar para além do que vemos, atraídos por essa outra beleza que só brilhará iluminada pela luz da fé.
Como podemos ver, naquele Menino, o Deus connosco, o Emanuel prometido? É tudo tão humano, tudo tão normal. Ali só não é normal a pobreza do presépio, porque não houve lugar para eles na hospedaria. Mas essa anormalidade da circunstância pode até distrair-nos do essencial. Mas se cruzarmos o nosso olhar com o olhar sereno daquela Mãe, sentiremos que dos seus olhos sai uma luz que nos conduzirá à fé. Ela sabe quem é aquele Menino, ela acredita naquele Menino. Ela sabe como Ele foi gerado no seu seio, ela recorda que o mensageiro divino lhe revelara que Ele seria o Filho do Deus Altíssimo. Ela é a única que saboreia, desde o primeiro momento, essa intimidade do Deus connosco. Ela não fala, nenhum evangelista relatou qualquer palavra sua, nesse momento; mas contempla com a profundidade do seu olhar, que sorri. Naquela noite, naquele presépio, só o olhar iluminado de Maria nos poderá levar a acreditar, nos poderá conduzir à contemplação do mistério daquele Menino, e ajudar-nos a fazer da nossa ternura um acto de adoração e um hino de glória.
Os Reis Magos chegaram à adoração do Menino, conduzidos pela luz de uma estrela. Há-de ser sempre assim: só através de sinais mergulharemos no mistério daquele Menino. Ele próprio recorrerá aos sinais quando, mais tarde, quer revelar a Sua divindade. Mas naquela noite, a luz que o olhar daquela Mãe irradia, é mais forte do que a luz de qualquer estrela; ela será para a Igreja, até ao fim dos tempos, a “estrela da manhã”.
Aos pastores teve de ser um Anjo a abri-los para o mistério daquele Menino. Também isso é normal, na ordem da graça. O anúncio e a revelação de quem é Jesus, só pode partir do coração de Deus. Os Anjos são mensageiros excepcionais; a grande mensagem que nos virá do coração de Deus é a Sua Palavra, essa sim acessível e disponível a todos, até ao fim. Tanto a Palavra como o olhar de Maria permanecerão como fontes permanentes daquela luz que nos conduz ao mistério. Ela continua a guardar tudo, em silêncio, no seu coração (cf. Lc. 2,51), mas o seu olhar maternal continua a irradiar essa luz que nos conduz ao mistério, e há-de ser assim em todos os momentos da vida de Jesus como Deus connosco, Deus para nós. Na Igreja, na sua caminhada de fé, para se encontrar com o amor de Deus em Jesus Cristo, há uma complementaridade entre a Palavra profética da Igreja e o olhar de Maria. Ambos são o sinal, o testemunho de uma experiência de intimidade com o Senhor.
Nesta Noite de Natal, somos convidados a contemplar aquele Menino. Mas como povo crente, somos chamados a celebrar a plenitude de Cristo, manifestada para nós na Páscoa. Continuamos atraídos por Deus, e somos de novo desafiados para atravessarmos essa fronteira da fé, para além da qual nos encontraremos com a profundidade do mistério. Já ouvimos a Palavra da Escritura; resta-nos cruzar o nosso olhar com o olhar de Maria, a Mãe de Jesus; guiados por essa luz, brotará do nosso coração crente, um hino de glória. Poderemos exclamar, também nós: “Glória a Deus nas alturas”. Essa experiência do Deus connosco, inundará o nosso coração de paz; e essa paz com que Deus inunda o nosso coração é o nome do Natal.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Fonte Ecclesia

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