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Os Cardeais Não São de Instituição Divina, a Comunidade Cristã Sim
2003-11-30 17:01:32

A atitude inflexível da Igreja provoca uma ruptura, um choque e um corte de pontes dentro da Igreja Católica, diz o teólogo espanhol Juan José Tamayo, nascido em 1946.

Defendendo a necessidade de uma maior democratização da Igreja, Tamayo diz que "os cardeais não são de instituição divina, a comunidade cristã, sim". "Porque só eles podem eleger o Papa e se exclui a comunidade cristã?"

PÚBLICO - Porque decidiu o Vaticano investigar os seus livros?
JUAN JOSÉ TAMAYO - O estudo dos meus livros pode ser um simples pretexto. Detrás de tudo isto, há um certo mal-estar pela minha atitude crítica através dos meios de comunicação, que chegam a um público mais amplo.

P. - Estamos, então, perante o medo da opinião pública dentro da Igreja?
R. - Claro. Já [o Papa] Pio XII falava da necessidade de opinião pública dentro da Igreja e [ela] não pode existir se não há liberdade e democracia. Para haver opinião pública, tem que haver um reconhecimento das liberdades - de expressão, de cátedra, de investigação, de imprensa. E a maioria dessas liberdades, de uma ou outra forma, estão negadas dentro da Igreja.

P. - Mas o discurso oficial diz que a Igreja não é uma democracia...
R. - Isso parece-me muito perigoso. Qualquer organização formada por seres humanos, mesmo que tenha origem divina como é o caso da Igreja Católica, precisa de uma dinâmica entre os membros que a formam. E, se uma organização não é democrática, está claro que é uma ditadura. Não se pode dizer que a Igreja não pode ser democrática por ser de origem divina. Como é possível que Deus queira a democracia na sociedade e não a queira no seu seio?

Onde se reúne um grupo de pessoas, tem que haver canais de participação que impliquem o respeito da vontade de todos. A mais adequada que se conhece é a vontade popular expressa a partir de "uma pessoa, um voto".

Não somos todos os crentes iguais pelo baptismo, desde o Papa até ao último? É uma contradição dizer que a Igreja, por ser de instituição divina, não pode ser democrática. Os cardeais não são de instituição divina, a comunidade cristã, sim. Porque só eles podem eleger o Papa e se exclui a comunidade cristã? Ou, num concílio, porque só os bispos podem aprovar documentos?

P. - É um paradoxo com um Papa que defende tanto a democracia nas sociedades contemporâneas?
R. - Mais que um paradoxo, é uma contradição, ou a incoerência vaticana: como se pode pôr tanto empenho em defender a democracia na sociedade e não a praticar no interior da Igreja? Como se pode defender com tanto afinco o respeito pelos direitos humanos e denunciar as ditaduras, enquanto se desconhecem os direitos humanos no interior da Igreja? Como se pode protestar contra a limitação das liberdades em algumas sociedades e negar quase todas as liberdades dentro da Igreja Católica em função da ideologia de quem as defende?

P. - Afinal, Jesus Cristo é Deus ou não?
R. - Essa pergunta não admite respostas simples. A minha cristologia parte da figura histórica de Jesus de Nazaré como crente, mas um crente crítico, não crédulo, na tradição dos seus antepassados patriarcas e matriarcas, libertadores e libertadoras, profetas e profetizas. É um crente que vive a sua fé numa atitude crítica com as instituições do seu tempo.

Jesus de Nazaré é uma pessoa que tem a sua esperança no Reino de Deus, [para] onde convergem as aspirações libertadoras da humanidade e a vontade de salvação de Deus. É um Reino que se anuncia para os pobres, os excluídos e os marginalizados.

A oração, em todas as religiões, é uma das manifestações mais puras, mais autênticas, de relação da pessoa crente com o Ser transcendente, com a divindade. A oração é o momento em que Jesus expressa a sua confiança plena em Deus, mas também as suas profundas dúvidas de fé e de esperança. Jesus de Nazaré segue um processo evolutivo de consciência e de aprendizagem. O evangelho diz que Jesus crescia em sabedoria e em graça diante de Deus e dos homens.

P. - Não se sentiu como Deus desde pequeno?
R. - Jesus de Nazaré toma consciência da sua missão e da sua função na medida em que vai entrando na relação mais plena com Deus, seu Pai e Mãe.

É muito difícil responder à sua pergunta. São Paulo diz que Jesus é reconhecido como filho de Deus pela ressurreição. São as duas experiências mais complexas, mas mais centrais do cristianismo: Jesus é o Filho, não "um" filho, e essa filiação divina tem lugar através da ressurreição, que é a reabilitação que Deus faz de uma vítima.

Esta é uma síntese difícil de explicar com as categorias próprias do nosso tempo. A maioria das verdades do cristianismo está formulada com uma linguagem de filosofias e culturas diferentes da nossa.

P. - Escreveu um artigo no "El País" em que falava das luzes e sombras do pontificado de João Paulo II. Já falámos de algumas sombras, que luzes aponta?
R. - A que mais iluminou a consciência cívica da humanidade foi o seu empenho e o seu esforço pela paz. Foi um Papa que, em todas as suas actividades públicas, defendeu métodos pacíficos e denunciou os métodos violentos. É exemplar a sua atitude nas últimas guerras que quase se podem considerar de religião: a primeira Guerra do Golfo, contra o Afeganistão, e a segunda do Golfo.

O Papa utilizou todos os meios - pacíficos - ao seu alcance para convencer os líderes implicados de que isso seria algo desumano, ilegal, injusto e uma ameaça contra a humanidade. O balanço dessa atitude de João Paulo II nos conflitos internacionais é muito positivo. E fê-lo com a denúncia, a palavra persuasiva e a verificação de que a paz é o caminho mais racional e que a guerra desemboca em catástrofe.

P. - Pensa que os responsáveis têm medo de que, se se avança muito em temas como a democratização da Igreja, o celibato, o papel das mulheres ou uma nova moral sexual, se podem criar rupturas na Igreja Católica?
R. - Pelo contrário: criam-se rupturas quando não se respeita o pluralismo e quando [a Igreja] se fecha a qualquer contributo novo das ciências, ou a qualquer nova manifestação das relações humanas ou nova concepção das relações entre casais. A atitude inflexível como é hoje a da Igreja é que está provocando uma ruptura e um choque insolúvel e um corte de pontes dentro da Igreja Católica. Preserva-se melhor a unidade respeitando o pluralismo que impondo a uniformidade. A uniformidade é o pensamento único. A unidade reforça-se muitíssimo mais a partir da tolerância e do respeito das posições plurais que podem existir entre os cristãos.

Fonte Público

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