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“A Fecundidade de Deus”
2003-10-14 21:23:27

Homilia na Peregrinação Internacional de Fátima
Santuário de Fátima, 13 de Outubro de 2003


Queridos Peregrinos,

1. Aos pés de Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, contemplando e louvando o Senhor pelo dom da sua maternidade, em que todos renascemos para a vida nova, segundo o Espírito, proponho-me meditar, convosco, sobre a fecundidade de Deus. Toda a acção transformadora do Espírito Santo, nos corações e na história, toda a graça da salvação, concretizada em dinamismos de vida e de comunhão, a edificação da Igreja como Povo novo do Senhor e a sua fecundidade sacramental, a própria ressurreição de Jesus, são manifestações da fecundidade do amor divino. Deus é fecundo porque é Amor. Ama sempre e o Seu amor nunca é estéril. A vida acontece, participação na própria vida divina, porque Deus ama e as pessoas se deixam amar por Ele.
Na História da Salvação, a primeira concretização deste amor fecundo de Deus é a Sua Palavra. Deus fala-nos porque nos ama, porque tem para nós um desígnio de amor. E a Sua Palavra é fecunda e criadora, gera vida naqueles que a acolhem. Já no Antigo Testamento a certeza desta fecundidade da Palavra de Deus faz parte das certezas da fé de Israel. Ouçamos o testemunho do Profeta Isaías: “Assim como a chuva e a neve descem dos Céus e não voltam lá sem ter regado a terra, a ter fecundado e feito germinar (…) assim a Palavra que sai da minha boca não volta a Mim sem resultado, sem ter realizado o que Eu queria e cumprido a sua missão” (Is. 55, 10-11).
Na plenitude dos tempos é esta Palavra de Deus que fecunda Maria e o fruto do seu seio maternal é a própria Palavra eterna de Deus tornada Homem. A aceitação de Maria é um abandono à fecundidade da Palavra de Deus: “faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc. 1, 38).
E que Palavra foi essa que Deus dirigiu a Maria e a fecundou? Foi uma Palavra de amor porque a Palavra de Deus é sempre uma declaração de amor. “Tu és a cheia de graça e o Senhor está contigo” (Lc. 1, 28). Ou seja: tu és a amada de Deus, Ele vive contigo uma comunhão de amor. Depois desta declaração de que Maria é a amada de Deus, o Anjo Gabriel pode anunciar-lhe que, também nela, o amor de Deus é fecundo: “encontraste graça diante de Deus, conceberás e darás à luz um Filho” (Lc. 1, 30-31). Ou seja: Deus está a viver uma profunda comunhão de amor contigo e esse amor vai ser fecundo em ti.
É bom tomarmos consciência de que a fecundidade da Palavra de Deus em Maria, não é um caso inaudito e único. Nela acontece o que Deus deseja desde a criação do mundo: que a Sua Palavra seja acolhida e seja fecunda no coração dos crentes e no seio do Seu Povo. Revelou-o continuamente o Senhor, pregaram-no os Profetas, desejaram-no os justos, e rejeitou-o, tantas vezes, um povo infiel, de coração duro, ferindo, com essa recusa, o coração de Deus. O que é único no acolhimento que Maria faz da Palavra é o fruto do seu ventre, a encarnação da Palavra eterna de Deus. No seu Verbo, Deus diz a Palavra decisiva aos homens, e porque decisiva, definitiva. Mas fá-lo respeitando o ritmo da fecundidade da Sua Palavra naqueles que a acolhem. A fecundidade de Deus, no seio de Maria é o clímax, o ponto de chegada do desejo de Deus gerar a vida naqueles que O acolhem.
Na maternidade de Maria inicia-se a fase decisiva da salvação, o ritmo definitivo da fecundidade de Deus. A Sua Palavra de amor dirigida aos homens, para que eles renasçam para a Vida, nunca mais será só palavras, mas a Palavra, sempre a mesma, expressando sempre a plenitude do amor de Deus, a pedir ser escutada e acolhida, para ser fecunda. Essa Palavra tornada carne humana, é gerada em Maria, é dita a partir de Maria, é o fruto bendito do seu ventre. Os Apóstolos proclamaram-na, a Igreja é sua serva, sem nunca poder esquecer que essa Palavra que gera em nós a vida, continua a ser fruto da fecundidade maternal de Maria. Ela é, Mãe fecunda, a fonte da graça, Mãe e modelo inspirador da Igreja. Todo o segredo da salvação está no acolhimento, pelos crentes, de Jesus Cristo, Palavra amorosa de Deus. E a fecundidade dessa Palavra far-nos-á nascer de novo, fazendo de nós filhos de Deus, como nos diz São João no início do seu Evangelho: “A todos aqueles que O receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, aqueles que acreditam no Seu Nome, que nem o sangue, nem o poder da carne, nem a vontade dos homens, mas só Deus gerou” (Jo. 1, 12-13). Naqueles que acolhem Jesus Cristo, na fé, o amor de Deus continua a ser fecundo.

2. Porque só o amor de Deus é fecundo, o Espírito Santo, o amor de Deus personificado, é o agente de toda a fecundidade de Deus na realização da salvação. Também foi assim na fecundidade maternal de Maria: “O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra” (Lc. 1, 35). Começa aqui o ritmo definitivo da salvação: o dom do Espírito Santo será, até ao fim, a manifestação definitiva do amor de Deus e a garantia da fecundidade salvífica da Igreja. Sempre que alguém acolhe a Palavra e acredita, sempre que um homem se converte e se abre ao amor, quando a vida é vivida com a novidade da Páscoa, tudo isso é manifestação da fecundidade do amor de Deus em nós, através da acção Espírito. Se a encarnação do Verbo, fruto maravilhoso do seio fecundo de Maria, é a expressão máxima do amor de Deus por nós, a santidade cristã é a maior expressão do amor de Deus em nós. Se Jesus é o fruto bendito do ventre de Maria, a santidade da Igreja, que a une e identifica com Cristo, é o fruto maravilhoso da fecundidade da Igreja, cujo seio também é maternal, em Maria e como o de Maria.
Não é por acaso que a oração é o fruto espontâneo da Igreja nascida da Páscoa que, com Maria, se prepara para acolher o Espírito. “Todos perseveravam unidos em oração” (Act. 1, 14). A oração será sempre, na Igreja, o fruto mais precioso, da fecundidade do Espírito, como ensinava São Paulo: “Vós recebestes um espírito de filhos adoptivos que nos faz exclamar: Abba, Pai. O Espírito de Deus une-se ao nosso espírito para atestar que nós somos filhos de Deus” (Rom. 8, 15-16).
A própria Igreja, em cujo seio maternal se processa a fecundidade do Espírito, é, ela própria, o fruto desse amor fecundo. Como ouvimos na 1.ª Leitura, já no Antigo Testamento se tinha essa consciência de que a fecundidade do amor de Deus fazia crescer o Seu Povo: “A linhagem do povo de Deus será conhecida entre os povos e a sua descendência no meio das nações. Quantos os virem terão de os reconhecer como linhagem que o Senhor abençoou” (Is. 61, 9). E no Novo Testamento toda a riqueza da Igreja, na sua variedade de dons e carismas, é o fruto bem-aventurado da fecundidade do Espírito: “Tudo isto (a variedade dos dons) é um só e mesmo Espírito que o realiza, distribuindo a cada um os Seus dons” (1Cor. 12, 11).

3. Neste Ano do Rosário saudemos Maria, repetindo-lhe: tu és bendita entre as mulheres porque é bendito o fruto do teu ventre, Jesus. A fecundidade do amor de Deus, em Maria, é actual e inspirador da fecundidade do Espírito na Igreja. Com ela precisamos de aprender que só o amor é fecundo, que todo o verdadeiro amor é fecundo. Com ela, teremos uma visão de esperança sobre a Igreja e sobre o mundo, porque Deus continua a amar aqueles que redimiu e o seu amor é fecundo. Com ela perceberemos que o destino da Igreja e do mundo está ligado ao acolhimento da Palavra. Se nela, Jesus foi o fruto bendito do seu ventre, em nós a identificação com Cristo será o fruto venturoso do nosso acolhimento da Palavra, na fé e nos sacramentos. E como o Profeta Isaías, como Ela na visita a Isabel, experimentaremos esse fruto maravilhoso do Espírito que é a alegria. “Exulto de alegria no Senhor”. O Domingo, dia do acolhimento da Palavra eterna, feita pão da vida, pode ser o dia da nossa alegria e da nossa festa.


† JOSÉ, Cardeal-Patriarca


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