paroquias.org
 

Notícias






Religiosidade em Portugal
2003-07-28 21:05:01

Agência ECCLESIA – Qual o impacto da religiosidade popular na sociedade portuguesa?
Mário Lages – É uma questão muito ampla porque está relacionada com a permanência de aspectos culturais tradicionais, que sobrevivem, numa luta com outros muito mais modernos.


Mas, como o povo português tem uma longa ligação à tradição, sobretudo os meios mais populares e aldeãos, nós temos a permanência e a sobrevivência de aspectos da religiosidade popular. Alguns têm vindo até a exprimir-se de uma forma muito particular nos últimos tempos, designadamente as peregrinações a Fátima, que neste último ano tiveram uma expressão muito visível.

AE – Como é a convivência entre a Teologia e as Festas Populares?
ML – Convivem mal. Convivem relativamente mal. Pelo menos durante algum tempo conviveram mal. Neste momento, por orientações da Igreja, começou-se a dar importância à tradição e piedade popular. Desde os anos 60, tenta-se a conciliação entre o que durante muito tempo foi considerado antagónico.
A Teologia tem um pensamento muito mais racional do que a religiosidade popular, optando pela via do simbólico. Embora o essencial da religião cristã esteja no simbólico, a Teologia tentou racionalizar tudo o que é de expressividade religiosa. Por isso houve, durante certos períodos, alguma conflitualidade latente, mesmo na actuação por parte dos pastores. Ela está a ser ultrapassada, dando mesmo maior importância àquilo que releva da sensibilidade mais autêntica das pessoas mais simples, que não necessitam, muitas vezes, de racionalizar, mas precisam antes de as simbolizar...

AE – O aspecto simbólico é, na religião popular, elemento fulcral?
ML – Em toda a religião! A religião popular teve a virtude de ter guardado essa dimensão mais profunda da religião que vai, precisamente, através do simbólico. A religião só existe quando se considera o homem todo como sendo tomado pela ideia de Deus e pela vivência em Deus, transformando a vida humana na relação com a divindade, que nos toma e que nos possui. Isso ultrapassa, um pouco, a reflexão teológica, o que não significa que a reflexão teológica não faça um apelo à dimensão simbólica, que é fulcral na teologia.

AE – A religião dos portugueses é mais popular ou racional?
ML – Há de tudo! Sobretudo nas camadas menos instruídas, temos uma sensibilidade mais ligada ao tradicional e ao símbolo. Por outro lado, os que tentam, para além desta vivência, que é profunda, acrescentar-lhe essa dimensão da racionalidade, que obviamente não é contraditória de tudo o mais.

AE – Que valor atribuir, hoje, às constantes peregrinação dos mais jovens a Santuários?
ML – O apelo do mistério é sempre um apelo constante! A vida humana não se pode reduzir às explicações de natureza científica, que não resolvem todas as questões da humanidade. Os jovens também estão sensíveis a isso: há uma dádiva muito profunda por parte dos jovens e, quando se tenta dar radicalmente a vida, também se confrontam com o mistério nas suas diferentes dimensões e na sua totalidade

AE – Porque é que grande parte das festas populares se realizam no Verão?
ML – Há as do Verão e as do Inverno. As do verão são vividas de forma mais visível, mais plena... As do Inverno têm características um pouco diferentes.
O Verão é um tempo de exaltação da natureza e, por isso, é natural que a expressividade religiosa se faça sobretudo no Verão. As pessoas não estão tanto em casa. Há uma alternância entre a vida doméstica e a vida fora de casa, que se encontra em muitas civilizações. No Gerês, concretamente, havia vivências diferentes no Inverno e no Verão: as pessoas mudavam de lugar (no Verão na serra, no Inverno em zonas mais abrigadas). Esta alternância - que começa na Primavera - é natural, existindo muito mais expressividade no Verão, onde se colocam as festas fundamentais. Por outro lado, e mais recentemente, a emigração condicionou que algumas das festas que eram menos importantes começassem a aparecer como manifestação de uma vivência onde o emigrante mostrava a sua mudança de estado social.

AE – Os aspectos profanos não monopolizam, hoje, os religiosos?
ML – Os dois aspectos sempre existiram. Hoje, porventura, a dimensão religiosa está mais colocada ao lado, mas é importante que continue: é necessário garantir o aspecto religioso na festividade, que é uma manifestação de júbilo da comunidade. A mistura entre o religioso e profano é um dado da vida.

AE – Pela religião popular, podemos dividir o País entre Norte e Sul ou Litoral Interior?
ML – Não o podemos afirmar. O que temos são vivências diferentes em função da modernidade das populações. Não faria uma distinção entre Norte e Sul: nós encontramos no Sul expressões da religiosidade popular tal e qual como no Norte. Agora, as populações são mais pequenas, não têm tanta comunicabilidade, entre outros factores, que nos ajudam a perceber de forma diferente a religiosidade do Norte da do Sul. Basta ver, por exemplo, o cântico popular: o minhoto e o alentejano são completamente diferentes, que exprimem vivências muito antigas.
Quando ao interior e ao litoral, temos também que ter algum cuidado. É evidente que as populações mais recolhidas, com menos ligação com o exterior, têm uma vivência diferente. A região do litoral está mais modernizada, provocando uma compreensão mais racional. Mas, para além das expressividade, temos que analisar com profundidade, temos que descobrir a matriz fundamental do simbólico e da religiosidade. Aí encontramos muitas semelhanças.

AE – A religião popular está em crescimento ou em vias de extinção?
ML – Na cultura nós temos ciclos. Por vezes, certos movimentos parecem levar à destruição da religiosidade popular, depois ela retoma... Nós estamos num ciclo em que a religiosidade popular está a vir ao de cima. Estou convencido que, nos próximos tempos, a dimensão do simbólico vai ser mais agarrada por parte das populações.
Numa situação em que tudo parecer ser igual e em que há tendências para uniformizar a cultura, há uma forte necessidade das comunidades se identificarem. E essa identificação faz-se, precisamente, através da revivescência das suas tradições. E como as tradições estão fundamentalmente ligada ao religioso, seja na concordância ou na oposição, é natural que tudo isso venha ao de cima.

Fonte Ecclesia

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia