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Um Cardeal na primeira pessoa
2001-02-21 19:19:18

Mais que um testemunho, direi o que sinto perante esta situação especial em que a Providência me colocou.

O que senti e o que sinto nesta circunstância, vendo-me escolhido pelo Santo Padre para fazer parte do Colégio Cardinalício, ser alvo de tantas manifestações de simpatia por parte de conhecidos e não só? Vem-me vontade de fazer próprias as palavras de Nossa Senhora, salvas as devidas proporções e no respeito da singularidade da sua situação: magnificar o Senhor; mais que exultar, magnificá-l’O, porque dignou-se olhar para a modéstia da minha pessoa e operar em mim grandes coisas; coisas que não mereço e que só Ele, que é grande, é protagonista das mesmas e garante, com a sua graça, de que servirão para sua maior glória e bem do seu Povo, a santa Igreja.
Há momentos em que o inteiro arco da nossa existência se faz insistentemente presente ao espírito, como um quadro único, a pedir uma razão que o explique e unifique. Assim foi quando professei na Vida religiosa, quando me ordenei sacerdote, quando recebi a ordenação episcopal e também agora com a nomeação cardinalícia.
Em todos esses momentos, apercebia-me que o fio condutor que me levava a essas etapas, fora sempre a Providência de Deus: foi Ele que urdiu a teia, que teceu a minha vida. E se, depois, os Superiores me acharam apto para assumir determinadas responsabilidades, sinto sinceramente que foi ainda Deus quem, com a sua graça, me ajudou a modelar o feitio e me deu as habilitações que inspiraram a estima e confiança dos mesmos Superiores.
Não me considero melhor dos meus irmãos nem dos coetâneos da minha aldeia beirã, quando os deixei para entrar no seminário dos Padres Claretianos. A perseverança foi também graça do Senhor. Aos meus formadores, e sobretudo a Deus, devo se fui admitido à Profissão religiosa e, mais tarde, ao Sacerdócio.
Entenderam os Superiores que me especializasse nas doutrinas eclesiásticas para poder ajudar outros candidatos a servir o reino de Deus no sacerdócio ministerial. Mandaram-me pois estudar para Roma, para as Pontifícias Universidades Gregoriana e de São Tomás de Aquino, e a seguir para a Universidade de Lovanium, onde concluí a minha especialização em Teologia Dogmática. Tudo isso me foi pedido pelos Superiores; por sua exclusiva decisão, como é costume na Vida Religiosa. Nada fiz por isso; apenas a minha dedicação ao estudo e às exigências de uma vida consagrada. E foram ainda os Superiores que decidiram sobre a minha maneira de servir a Igreja: a docência no Instituto Claretiano de Roma e na Pontifícia Universidade Urbaniana.
Foi sobretudo a esta última que dediquei a maior parte do meu trabalho de docente. E foi no exercício desta actividade que me indicaram e me escolheram para Reitor da mesma Universidade. Não entrava nos meus cálculos e nada fiz de especial para desempenhar esse serviço de chefia. Não se concorre para serviços do género. É-nos pedido e, se nos sentimos com forças, aceita-se. Quem tem por hábito contar com a ajuda do Alto não se desorienta; confia. O campo é do Senhor e é para a sua causa que se trabalha.
Na mesma normalidade e disponibilidade, sem cálculos ou especiais programas de vida da nossa parte, a Providência vai-nos abrindo caminhos, oferecendo responsabilidades, que podem deixar-nos perplexos, mas para as quais há a mesma disposição de dom e confiança de sempre. Foi assim que um belo dia, o Santo Padre me confiou o encargo, deveras delicado e de muita responsabilidade, que é o de Secretário da Congregação para a Educação Católica, o Dicastério da Santa Sé que acompanha um dos sectores mais sensíveis da vida da Igreja, como são os Seminários, as Universidades e Institutos Superiores católicos.
Não foi fácil a nova tarefa, mas a disposição de fundo foi sempre igual: ler a vida com espírito de fé; dar o melhor que se pode e confiar na acção de Deus, que é sempre Ele o protagonista e o verdadeiro Senhor.
No mesmo espírito e disposição aceitei a proposta que, anos depois, me fez o Santo Padre de assumir a chefia da Congregação para as Causas dos Santos, um outro Dicastério que lhe é muito caro. Todos sabem como vem fazendo da proclamação da santidade um dos pontos fortes do programa do seu Pontificado.
É óbvio que um Secretário e Prefeito de Dicastério não actua sozinho. É ajudado por um grupo de oficiais e consultores, especialistas nas matérias. Não posso dizer que perdi o sono com essas responsabilidades, também pelo meu feitio e facilidade de tomar os encargos com naturalidade, contando com a ajuda dos colaboradores e, acima de tudo, com a acção iluminadora do Espírito.
A nomeação cardinalícia não comportou perplexidades de maior, tanto mais que as responsabilidades e actividades, enquanto o Santo Padre for servido, continuarão a ser fundamentalmente as mesmas. Não se pode deixar de sentir todavia uma certa confusão por ter sido objecto de uma especial atenção da Providência divina. Reconheço ser uma honra e, antes de mais, uma graça não indiferente poder colaborar tão estreitamente com o Santo Padre no governo da Igreja.
Os cardeais são, por uma tradição milenária, os colaboradores mais próximos do Santo Padre no exercício do seu múnus petrino. A nova situação me vincula a uma maior união e disponibilidade de serviço e de vida ao Sucessor de Pedro. Também neste particular conto com a ajuda da graça de Deus. Mais que uma honra, vejo no cardinalato, um serviço eclesial, e dentro da Igreja todo o serviço se deve processar em espírito de fé.
A graça, que sempre me ajudou, certamente não me irá faltar de futuro. Deus ma concederá também em atenção à oração que por mim farão os leitores deste meu testemunho, ao menos os que comigo comungam do mesmo espírito de fé.
Bem-haja a todos.

D. José Saraiva Martins
Prefeito da Congregação
para a Causa dos Santos

Fonte Ecclesia

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