paroquias.org
 

Notícias






Nota Histórica
2001-02-21 19:09:35

A comunidade cristã dos primeiros séculos, após a primeira fase de anúncio da fé, serviu-se de referências modelares existentes já no Império romano. A palavra Consistório, de origem oriental – bizantina, foi utilizada para referir a reunião do Imperador com os altos quadros do império.

As comunidades cristãs do primeiro milénio não utilizaram esse termo para referir reuniões importantes dentro da comunidade cristã. Problemáticas emergentes ou questões doutrinais eram dirimidas ou formuladas em sede sinodal local, provincial ou concílio ecuménico. No dealbar do segundo milénio, com o início da Reforma gregoriana (séc. XI), dão-se profundas alterações políticas, eclesiásticas e sociais na Europa. Aquele movimento renovador dará um impulso assinalável na polarização do poder papal que funcionará como instância reguladora de toda a vida espiritual e temporal. A esse centralismo emergente associou-se um conjunto de organismos e instituições em ordem a coadjuvar o papa no seu alto desempenho de pastor universal. Decorrente disso, deu-se uma criteriosa escolha de colaboradores oriundos de Itália e de outros países europeus. Esse grupo de trabalho, na qualidade de principais ou cardeais, organizou-se rapidamente como colégio assumindo tarefas cada vez mais abrangentes. O bom desempenho e a confiança que granjeou junto dos papas guindou-o a responsabilidades anteriormente assumidas pelo clero ou sínodo romano, maioritariamente composto pelos bispos da periferia de Roma. A Igreja de Roma que até ao século XI era considerada apenas a sede do bispo de Roma, agora passa a identificar-se com a Igreja universal; e os cardeais, na qualidade de colaboradores mais próximos do papa, consideram-se acima dos bispos. Para além de serem corpo electivo do sucessor de S. Pedro, a partir do pontificado de Calisto II (1119-1123) é-lhes reconhecido o estatuto de senadores responsáveis por todo o apostolado. Todas as decisões maiores passam a ser tomadas pelo papa na presença dos cardeais. Foi dessa forma que se introduziu formalmente o consistório na prática da vida da Igreja. A consolidação dessa forma de intervenção reflectiu uma concepção eclesiológica diferente da do primeiro milénio; a autoridade dos bispos desloca-se para o cardinalato e a do sínodo romano para o consistório.

A periocidade da convocação do consistório não se deu sempre de igual forma. Inocêncio III (1198-1216) convocava-o três vezes por semana; outros papas espaçaram mais a actividade consistorial. Nos séculos XII e XIII aparece já a distinção formal entre consistório secreto e consistório público. Nos primeiros intervinha apenas o papa na presença dos cardeais; nos segundos admitiam-se também outras pessoas ligadas aos trabalhos de cúria. Com a crise que atingiu a Igreja no século XIV, a actividade consistorial ressentiu-se muito. De todos os modos, é bom referir que o consistório até ao século XVI teve competências bem acima dos órgãos administrativos e judiciais da cúria romana, funcionando como instância de recurso no governo geral da Igreja. Depois de Trento (1563), o consistório, convocado cada vez mais espaçadamente, terá uma intervenção mais limitada na vida da Igreja. Transformar-se-á apenas numa reunião solene e pomposa, muito ao jeito da mentalidade barroca.

O novo sistema de governo, iniciado por Sisto V (1588), transformará as Congregações romanas em Dicastérios, independentes do Consistório, dependentes directamente do papa sem a mediação consistorial; é certo que na lista das Congregações criadas por Sisto V figurava a Congregação Consistorial que acabou por assumir na prática todas as questões atinentes à erecção de dioceses e respectivas provisões episcopais; o resultado desses processos, comunicado solenemente em consistório, excluía qualquer reexame às provisões anteriormente decididas. No período da implementação das reformas tridentinas o consistório reúne poucas vezes; o papa, de quando em vez, consulta algumas congregações de cardeais por ele escolhidas, retirando dessa forma funções de governo ao colégio cardinalício. Com o obnubilamento da actividade consistorial, a função do colégio cardinalício centra-se praticamente na eleição papal. No século XVII praticamente já não se menciona o consistório como instrumento de intervenção eclesial; os cardeais assumem-se decididamente como colaboradores do papa.

Segundo o ordenamento canónico actual, os consistórios podem ser ordinários e extraordinários. Para os primeiros são convocados todos os cardeais, pelo menos os que se encontram em Roma, para consultas de natureza importante; para os extraordinários são igualmente convocados todos os cardeais para debaterem questões específicas da vida da Igreja. Estes últimos são reservados exclusivamente ao papa e aos cardeais. A visibilidade maior desses actos incide nas sucessivas criações cardinalícias e da investidura dos novos purpurados em consistório ordinário público. O pontificado de João Paulo II sobre essa matéria tem seguido a prática dos papas precedentes, rodeando esses actos duma solenidade e beleza a que muitos se associam gratamente. Sem pôr em prática a ancestral prática consistorial medieval, tem-se servido ao longo do seu pontificado, em momentos importantes da vida da Igreja, do conselho e prestimosa colaboração do colégio cardinalício. Também a isso, dentro da prática mais nobre da Igreja, se pode considerar uma prática consistorial.

P. David Sampaio Barbosa
Professor de História da Igreja na UCP



Fonte Ecclesia

voltar

Enviar a um amigo

Imprimir notícia