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TAVARES MOREIRA: NÃO SOU DADO A PROMESSAS
2003-05-13 17:50:30

O ex-governador do Banco de Portugal é um economista e um político de renome. Mas por detrás de um racionalismo cartesiano há uma pessoa de fé que acredita em milagres.

É possível conciliar a razão, o pragmatismo da política e dos números com a fé religiosa e a crença por Nossa Senhora de Fátima?

Não são coisas incompatíveis. A questão está em exercer a actividade política e financeira segundo convicções profundas. Em usar a mesma ética espiritual no quotidiano dos negócios. E saber resistir a tentações. Às vantagens que a área da finança pode propiciar.

Costuma usar mais a razão ou a fé nos seus actos do dia-a-dia?

Não sei. Sou um católico assumido. Mas a razão e a fé talvez estejam em partes iguais nas minhas decisões, sem se interporem uma sobre a outra.

É um visitante habitual em Fátima. Com que frequência vai ao Santuário?

Não vou todos os dias a correr para Fátima mas vou lá com bastante frequência com a minha mulher e amigos. Casei-me em Fátima, há quase 30 anos e, por isso, nutro uma certa ligação afectiva com o Santuário.

Quando se desloca a Fátima, vai no intuito de pagar alguma promessa?

Não sou uma pessoa dada a promessas. Esse tipo de compromissos pode gerar alguma mercantilização na relação de fé. No fundo, a pessoa empenha-se ou faz qualquer coisa por Deus na expectativa de receber um benefício concreto em troca. O que é algo de estranho. Critico esta visão mercantilista de ‘trade-off’ com Deus. Ressalvo apenas os casos de pessoas que padeçam de uma doença grave ou de uma angústia profunda. A força interior gerada nestas situações pode ajudar a resolver estes problemas.

No fundo vai a Fátima para meditar

Sim. Vou reflectir sobre os problemas. O recolhimento e a introspecção são fundamentais.

Defende a criação de um feriado nacional, a 13 de Maio?

Não. Só se fosse por troca com outro. Já temos feriados a mais. Mesmo sem feriado, as pessoas deslocam-se massivamente a Fátima.

Há um certo aproveitamento mercantilista em relação a Fátima?

Evidentemente que há. Mas dificilmente se poderia escapar a isso. Fátima hoje, em nada tem a ver com Fátima de há 40 anos. O movimento que se gera à volta do santuário criou um fluxo de actividades de apoio (unidades hoteleiras, restauração, comércio de artigos religiosos) que pouco ou nada têm de religiosos. São subprodutos inevitáveis do fenómeno do urbanismo. O ideal é que não acontecessem mas enfim

A própria Igreja não se sente um pouco desconfortável com os excessos cometido por pessoas que andam durante quilómetros de joelhos ou viajam a pé de muito longe?

Há limites para a barbaridade. Nesses casos, acaba por se pôr de lado a relação exclusiva com Deus, apostando-se mais no espectáculo. Crítico por exemplo, fenómenos como o das Filipinas, em que se fazem sacrifícios com a cruz de Cristo às costas. É um exagero. É uma barbárie auto-infligida. Uma manifestação degenerada da fé.

A revelação do terceiro segredo de Fátima vem dessacralizar o mito da Nossa Senhora?

O terceiro segredo de Fátima não era nenhuma bomba atómica bem guardada. Havia um acontecimento importante por desvendar mas também não era a revelação sobre o fim do mundo. Foi preferível fazer esta revelação da forma que aconteceu, uma vez que permitiu acabar com as especulações.

Mas com a revelação deste segredo, houve vozes na Igreja, como o padre Mário Oliveira (escreveu o livro ‘Fátima Nunca Mais’), que exigiram desculpas da Igreja e defenderam o encerramento do Santuário. Concorda com elas?

Parece-me uma posição demasiado radical e fruto de um excesso de emotividade. Porque há de ser fechado o Santuário de Fátima, privando-se os crentes de lá ir?

O social-democrata António Pinto Leite escreveu: “Se noutro tempo, o grande crime contra Fátima foi a manipulação, hoje esse crime é a ignorância”. Concorda?

Pode haver uma tentativa de desvalorizar Fátima, em alguns meios. Mas não me parece que seja a atitude generalizada na sociedade portuguesa. Por exemplo, na última visita do Papa a Fátima, tivemos a presença de um Presidente da República agnóstico no Santuário.

Há um maior desprezo dos portugueses em relação a Fátima, em particular, e ao fenómeno religioso, em geral?

De alguns, talvez. Há uma certa tendência laicizante e agnóstica da vida. Em certos círculos intelectuais existe algum desdém pelos aspectos religiosos. Aconteceu isso no passado, com o advento da I República. Acontece isso hoje, numa sociedade dominada por problemas económicos e por uma procura de um bem-estar crescente. Quando numa sociedade avançada, como é a portuguesa, há um recuo no PIB, toda a gente acha que é uma tragédia. Uma coisa é certa, o bem-estar não pode crescer infinitamente. Isto leva a subalternizar outros aspectos da vida.

Por outro lado, a Igreja católica, no início do novo milénio, encontra-se num impasse. E mesmo os padres falam numa necessidade de mudança

A sociedade muda. As mentalidades mudam. A Igreja, que é um organismo vivo, tem de se adaptar a estes tempos de mudança. O que não quer dizer que tenha de abdicar dos seus valores fundamentais e perenes. Por outro lado, também não pode radicalizar as suas atitudes face aos fundamentalismos recentes. Isso significaria intolerância e atitudes persecutórias. Já tivemos a Inquisição no passado. E isso basta!

O que poderia mudar no seio da Igreja católica?

Os actos litúrgicos mudaram muito nos últimos anos. Hoje, há uma maior participação dos acólitos. Mas é necessária ainda uma maior abertura para as cerimónias se tornarem mais atractivas. A questão do celibato dos padres também deve ser debatida.

Concordaria se um dia a Igreja permitisse que os padres casassem?

Este magistério impõe este sacrifício. Temos casos de padres que têm tido grande dificuldade em manter o celibato. É o caso mediático da Igreja Americana. É um debate para os próximos decénios para os responsáveis eclesiásticos. Mas tão cedo não perspectivo nenhuma alteração.

Como católico, o que sentiu quando os casos de pedofilia entre padres vieram a público?

É sempre chocante este tipo de acontecimentos, sobretudo quando estão envolvidas altas figuras da Igreja católica. Mas a pedofilia também existe fora da estrutura eclesiástica, em pessoas que não estão obrigadas ao celibato. Não vamos concluir precipitadamente que estes comportamentos anormais são consequência do celibato forçado.

Qual seria o perfil ideal do próximo Papa?

Alguém com características semelhantes a João Paulo II. Uma pessoa profundamente aberta ao mundo e à sociedade. Com uma visão verdadeiramente ecuménica, até no relacionamento com outras religiões. Esta talvez seja uma das linhas essenciais de orientação para os tempos mais próximos.

Paradoxalmente, após o 11 de Setembro, as culturas ocidentais e muçulmanas parecem mais distantes do que nunca

Estas atitudes extremistas criam fricções entre povos, culturas e religiões. Mas estes são comportamentos esporádicos. Epifenómenos. Por outro lado, não podemos permitir tudo, sem responder.

Até Jesus Cristo teve uma atitude de extrema violência quando expulsou de Jerusalém os homens que lá mercadejavam.

Não se pode dar a face, eternamente

Exactamente.

SOB FOGO CERRADO

Em Dezembro de 2002, uma notícia do ‘Expresso’ dava conta de uma alegada investigação do Banco de Portugal, em 2000 e 2001, sobre os exercícios do Central-Banco de Investimento SA (CBI), presidido à época por Tavares Moreira. Em causa estavam 25 milhões de euros que terão passado para ‘off-shores’ na Suíça. Tavares Moreira admitiu ter havido irregularidades, mas acrescentou que não era o autor moral, nem material do caso e pediu a suspensão do mandato como deputado para responder ao processo do Banco de Portugal ao CBI. “Sinto-me indignado mas encaro as acusações com uma tranquilidade profunda. Porque todos os meus actos foram realizados com a consciência correcta, no sentido de tentar resolver os problemas. Sou acusado, de uma forma insidiosa, de estar envolvido na execução desses problemas. Penso, que se não tivesse as convicções religiosas, encarava os problemas com muito mais dificuldade”, respondeu ao Domingo Magazine. Tavares Moreira garante que se trata de “uma perseguição pessoal. Mais do que política.” Mas prefere esperar pela ‘verdade’ longe do poder.

BILHETE DE IDENTIDADE

José Alberto Vasconcelos Tavares Moreira nasceu a 10 de Outubro de 1944. Licenciou-se em Economia, pela Universidade do Porto, e em Direito na Universidade de Lisboa. Foi deputado do Grupo Parlamentar do PSD e é vice-presidente dos sociais-democratas. No currículo detém a presidência do Conselho de Administração do Central-Banco de Investimento e a administração do BAI - Banco Africano de Investimentos. Tavares Moreira foi Pró-Reitor da Universidade Católica Portuguesa e Presidente do Conselho Fiscal da União das Misericórdias. Nos governos PSD deixou marcas como Secretário de Estado do Tesouro (1980) e como Secretário de Estado-Adjunto do Ministro das Finanças (de 1985 a 1986). A sua coroa de glória foi o cargo de Governador do Banco de Portugal ( de 1986 a 1992).

Fonte CM

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