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Catolicismo Português e Fátima
2003-05-10 21:15:19

É exercício para a imaginação perceber como seria o catolicismo português sem Fátima. Talvez mais disperso e sem vincada consciência nacional? Mais racionalista e mais enfraquecido nas expressões sensíveis e menos materno e mariano na afeição do sentimento religioso?
O catolicismo português convive com o fenómeno de Fátima em relações que poderia caracterizar por quatro atitudes essenciais: aceitação, influência, resistência e renovação.
A primeira relação que se estabeleceu entre o catolicismo português dos princípios do século XX e as aparições de Fátima podemos chamar-lhe de aceitação.


Aceitação dos pastorinhos que acolhem os sinais de uma presença no contexto do seu mundo religioso, nos limites infantis da sua iniciação católica deficiente e doutrinalmente rudimentar, bem como na admiração estupefacta de uma forte experiência espiritual, de que beneficiavam, sem plenamente entender o alcance.

Aceitação também dos católicos portugueses a quem paulatina e gradualmente a notícia conquista. A tendência para exaltar o maravilhoso, própria da religião natural e as aflições sociais e os sofrimentos de tempos conturbados para a Igreja católica são terreno favorável para a aceitação enquanto não chega a aprovação da hierarquia que confirma os factos ocorridos como integrados na mensagem cristã e sem elementos que contradigam a revelação de Deus, plenamente anunciada e acontecida em Jesus Cristo. A maioria dos católicos aceitou e integrou o evento das aparições no seu mundo religioso. Fátima foi um dom acolhido por corações disponíveis para o Mistério. O que temos feito desse dom como católicos portugueses?

A segunda atitude na relação apelido-a de influência. Aqui incluo vários elementos: por um lado, a leitura que sofreu a experiência fundadora por parte da mentalidade católica portuguesa, as valorizações políticas da mensagem, as contra-propostas dos confrontos ideológicos envolventes, as interpretações espirituais sobre os videntes, realizadas em momentos teológicos anquilosados e pobres. Por outro lado, assinalo a influência que o fenómeno de Fátima exerce sobre o catolicismo das comunidades cristãs do país. À imagem do que se vive em Fátima multiplicam-se, por mimetismo, práticas religiosas, procissões, formas de rezar o terço, veneração de imagens, cânticos ouvidos. E ainda, alargando esta relação de influência, seria de registar o impacto notável que proporciona na vida dos cristãos a existência de Fátima. Aí tantos encontram confiança total para enfrentar a vida, olhando Maria como consoladora dos aflitos e muitos experimentam a gratidão reconhecida pela realidade da sua presença e companhia, intercessão e esperança em horas difíceis. Fátima é o maior contributo para vivenciar a emoção religiosa e vibrar com o peso de uma multidão orante e peregrina.

A terceira atitude classifiquei-a de resistência. Explico-me. As sucessivas fases do catolicismo são também fases da história da Fátima. Aconteceu a purificação dos exageros penitenciais menos coerentes com o Evangelho de Jesus, a insistência na conversão como dinâmica essencial da vida cristã, o santuário como espaço de silêncio contemplativo e lugar de referência para refazer as energias do espírito. Fátima resistiu aos sucessivos modos de encarar a fé cristã, adaptou-se à perspectiva conciliar sobre Maria e seu papel na espiritualidade cristã, com resistência capaz de atender às mudanças. Será que tem prevalecido a navegação na corrente de pendor fatalista e tradicionalista, resistindo a ampliar a visão do nosso olhar ao que Maria diz à Igreja em cada hora da sua história?

Assim se insere a última relação entre catolicismo português e Fátima, que na minha breve análise denomino renovação. Fenómeno catalisador como lugar nacional de peregrinação, sítio de reuniões, semanas de estudos e congressos, morada de congregações religiosas, Fátima tem proporcionado aos católicos portugueses caminhos renovadores na vivência da fé. Mesmo que muitos lá cheguem espectadores, com mentalidade pagã dentro da alma, ainda que baptizados, com manifestações exteriores de uma religiosidade pouco evangelizada, têm hipóteses de sair renovados pela mente, graças ao tipo de instruções recebidas; ao estilo de pregação que abandonou o tom amedrontador e de ameaça apocalíptica; à pastoral global que convoca para, como Maria, ouvir Cristo, perceber o núcleo do seu apelo, sentir-se igreja congregada, combater o individualismo crónico de um catolicismo com sarro, pouco solidário, e abrir-se ao sentido comunitário do cristianismo.
Concluindo, Fátima tem feito mais pelos católicos do que os católicos por Fátima, ou seja corresponderem aos apelos de Deus com redobrado vigor pela entrega à contemplação de modo profundo e serem semeadores de paz no mundo.

Os católicos portugueses são mais devotos de Fátima do que apóstolos da sua mensagem. Mas Fátima não contribui para o nosso atraso na evangelização, evidencia-o! A pouca determinação para uma perspectiva sistemática e perseverante de renovação evangélica denuncia a superficialidade de passageiros sentimentos a que se reduz um catolicismo de verniz. Nada se retira contudo à verificação: tanta novidade e renascimento aconteceram no cruzar de vidas com os caminhos do santuário; surgirá verdadeira radicalidade em novas experiências, com a disponibilidade de Maria, na fidelidade à mensagem.

P. Carlos A. Moreira Azevedo
Vice-reitor UCP

Fonte Ecclesia

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