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“Sacerdócio ministerial: vocação e compromisso”
2003-04-14 22:18:50

Catequese do Domingo de Ramos
Sé Patriarcal, 13 de Abril de 2003

1. No Domingo de Ramos, Dia Mundial da Juventude por vontade do Santo Padre, após uma caminhada quaresmal em que meditámos no sacerdócio de Nosso Senhor Jesus Cristo, participado pela Igreja e nela perenemente actuante, era forçoso que me dirigisse hoje aos jovens da nossa Diocese, pois é sobretudo entre eles que o Senhor continuará a chamar aqueles que Ele escolheu para se identificarem mais profundamente com Ele, no ministério sacerdotal.


Uma das graças que espero Deus me conceda, a mim e à Igreja de Lisboa, neste ano jubilar, é o dom de vocações sacerdotais, pois elas são o mais belo fruto do sacerdócio apostólico.
Acredito profundamente que Deus continua a chamar e dará à Sua Igreja, em cada tempo, os padres de que ela precisa. Este é um compromisso de Deus assumido já no Antigo Testamento: “Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração” (Jer. 3,15). De facto, com estas palavras Deus garante ao seu Povo que nunca o deixará privado de pastores que o guiem. “Eu estabelecerei para as minhas ovelhas pastores que as apascentarão, de modo a que nunca mais tenham medo” (Jer. 23,4)[1]. É certo que Deus cumpriu cabalmente esta promessa ao dar-nos o Seu Filho Jesus Cristo, o nosso Bom Pastor. Mas continuará a cumpri-la, chamando e consagrando aqueles que há-de identificar sacramentalmente com Jesus Cristo, sacerdote perfeito e definitivo.

Os sacerdotes são um dom de Deus à Igreja. Só Ele, que sonda os corações, pode escolher e chamar. À Igreja compete ajudar aqueles que Ele escolheu a identificar esse chamamento, a entusiasmá-los na resposta, a prepararem-se para o ministério, confirmar o seu chamamento consagrando-os em Seu Nome. A pastoral vocacional não pode ser apenas um programa e, muito menos, uma estratégia; ela é uma paixão enraizada na nossa fé e na fé da Igreja.

Sacerdotes para um tempo novo.

2. O sacerdócio ministerial e, consequentemente, a vocação sacerdotal, sofre muito profundamente aquela tensão que é própria de toda a vida da fé: exprimir e conciliar as dimensões perenes e imutáveis, que são as de Jesus Cristo por nós participadas, com as situações transitórias próprias de cada tempo. O Santo Padre João Paulo II escreveu: “Deus chama sempre os seus sacerdotes a partir de determinados contextos humanos e eclesiais, com os quais estão inevitavelmente conotados e aos quais são mandados para o serviço do Evangelho de Cristo”. Se é certo, continua o Santo Padre, que há uma fisionomia essencial do sacerdote, que não muda, pois o sacerdote assemelha-se sempre a Jesus Cristo, “é igualmente certo que a vida e o ministério do sacerdote se deve adaptar a cada época e a cada ambiente de vida”[2].

Vós jovens tendes de escutar os chamamentos do Senhor no contexto concreto do mundo de hoje e da cultura que nos envolve. Algumas das suas características podem dificultar-vos escutar o chamamento de Deus ou mesmo fechar-vos completamente a ele. Refiro-vos apenas um exemplo, com a autoridade de João Paulo II, que afirma: “regista-se uma defesa exasperada da subjectividade da pessoa, que tende a fechá-la no individualismo, incapaz de verdadeiras relações humanas. Assim muitos, sobretudo entre os adolescentes e os jovens, procuram compensar esta solidão com substitutos de vária natureza, através de formas mais ou menos agudas de hedonismo e de fuga às responsabilidades; prisioneiros do instante fugaz, procuram consumir experiências individuais o mais fortes e gratificantes possível no plano das emoções e das sensações imediatas, encontrando-se, porém, inevitavelmente indiferentes e como que paralisados frente ao apelo de um projecto de vida que inclua uma dimensão espiritual e religiosa e um compromisso de solidariedade”[3].

Mesmo no seio da experiência cristã, é preciso vencer uma visão subjectiva da fé e abrir-se à dimensão comunitária. Discernir uma vocação não é só perceber o que é bom para mim, aquilo que eu quero e gosto de fazer na vida; é sobretudo perceber o que Deus quer de mim, se para além dos meus projectos, Deus tem um desígnio a meu respeito, que só pode ser concretização do Seu amor à Igreja e da sua ânsia de redenção. O sacerdote é sempre um enviado de Deus aos outros, sacramento do Seu amor. Ele tem de aprender a encontrar a vida, aceitando perdê-la, isto é, dá-la completamente para o serviço dos irmãos, em nome de Jesus Cristo.

O Senhor chama aqueles que O amam.

3. Um chamamento ao sacerdócio só pode acontecer no seio de uma relação de fé e de amor por Jesus Cristo. Aos outros o Senhor chama-os à fé. A vocação é, antes de mais, uma atracção por Jesus Cristo. O próprio Senhor nos disse: “Ninguém vem a Mim se o Pai não o atrair” (Jo. 6,44), a vocação é uma atracção de amor, um convite a segui-Lo, a dar-lhe a nossa vida, a identificarmo-nos com Ele e com a Sua missão; é participar do amor que Ele tem pela Igreja.

O Senhor chama aqueles que convida, que atrai, para uma mais radical intimidade de amor. Como poderíamos recusar um desejo Seu, um convite a participarmos mais radicalmente na Sua missão redentora, Ele que deu tudo por nós e deseja ser tudo para nós? O segredo das vocações sacerdotais está aí: quantos dos nossos jovens já amam Jesus Cristo e sentem que Ele os ama? Quantos cruzaram com Ele o seu olhar, e aceitaram contemplar o Seu rosto? Quantos descobriram que Ele encerra o segredo da nossa vida, da nossa liberdade e da nossa felicidade? Terá o Senhor a quem chamar?

Eu sei que o nosso testemunho de sacerdotes vos pode ajudar a entregardes a vossa vida a Jesus Cristo, a perceberdes que entregar-Lhe a vida é ganhá-la, porque as exigências e os sofrimentos do nosso ministério são sempre fonte de uma incomparável alegria. Graças a Deus a maior parte dos nossos sacerdotes podem dar-vos esse testemunho. Eu também vos quero dar o meu, de 42 anos de sacerdócio e 25 anos de episcopado.

A experiência de sermos amados por Jesus Cristo.

4. É o mais precioso testemunho que vos posso dar: a do amor de Jesus Cristo, da sua delicada fidelidade em todas as circunstâncias, como se precisasse continuamente de nos agradecer o facto de nos termos posto ao serviço da Sua própria missão. A primeira certeza desse amor é o sentirmo-nos escolhidos. Ele próprio no-lo recordou: “Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi e vos instituí, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça” (Jo. 15,16). Só quem nunca amou não sabe saborear o facto de ser escolhido. O sacerdote sente que esta escolha do Senhor é contínua, se renova em cada dia e em cada missão, sempre que Ele nos envia ao encontro dos irmãos; sentimos que esta escolha é a fonte da fecundidade da nossa vida e do nosso ministério.

O nosso sacerdócio assenta numa misteriosa amizade de Jesus Cristo. A sua promessa de amizade perene permanece no nosso coração como fonte de generosidade no serviço, força nas dificuldades, disponibilidade para a missão: “Não vos chamo servos, porque o servo não participa nos segredos do seu Senhor; chamo-vos amigos, porque tudo o que aprendi de Meu Pai, vo-lo dei a conhecer” (Jo. 15,15). Esta amizade de Jesus faz-nos entrar nos Seus segredos, porque partilha connosco o que de mais íntimo Ele tem, a Sua intimidade com o Pai. O exercício do nosso sacerdócio é lugar contínuo da revelação do amor de Deus, não só por nós, mas pela Igreja e pelo mundo.

O Senhor deseja que este amor cresça, se aprofunde e permaneça para a eternidade. “Como o Pai me amou, Eu vos amei. Permanecei no Meu amor” (Jo. 15,9). Esta experiência de ser amado por Jesus Cristo torna-se, a pouco e pouco, no maior tesouro da nossa vida. Permanecer no amor de Cristo significa, antes de mais, deixarmo-nos amar por Ele, à Sua maneira, com as suas exigências, aceitando com Ele o perene e contínuo sacrifício da Cruz. Jesus disse-nos: “recordai-vos da palavra que vos disse: o Servo não é maior que o seu Senhor. Se Me perseguiram, hão-de perseguir-vos também a vós; se guardaram a minha palavra, hão-de guardar também a vossa” (Jo. 15,20).

Servidores de um mistério.

5. O nosso ministério está ao serviço de um mistério: o sacerdócio do próprio Cristo e o dom da salvação. Em tudo o que fazemos, no exercício do nosso sacerdócio, somos maiores do que nós. Temos um poder que é o d’Ele, a nossa acção dá frutos que só Ele pode produzir. Sentimos isso quando a nossa palavra toca os corações, converte e nos converte; quando perdoamos os pecados, sendo nós próprios pecadores; quando celebramos a Eucaristia, tomando o lugar de Cristo na oferta da Sua própria Páscoa; quando acompanhamos os cristãos nas mais diversas circunstâncias das suas vida, descobrindo com eles as perspectivas do Reino de Deus.

Este poder fazer tudo em nome de Jesus Cristo, amar com o Seu amor, salvar com o Seu poder, partilhar dos sofrimentos dos outros com a Sua compaixão, perdoar com a Sua misericórdia, é uma manifestação da Sua ternura por nós, que nos comove. Tanto mais que nos sentimos indignos desse mistério. Sentimos continuamente, como nosso, o testemunho do Apóstolo Paulo: “Deus escolheu o que é estulto no mundo, para confundir os sapientes; Deus escolheu o que, no mundo é fraco, para confundir os fortes” (1Cor. 1,27).

Esta participação no mistério de Jesus Cristo constitui o âmago de uma motivação vocacional. Escutemos o Santo Padre: “O conhecimento da natureza e da missão do sacerdócio ministerial é o pressuposto irrecusável, e ao mesmo tempo o guia mais seguro e o estímulo mais premente para desenvolver na Igreja a acção pastoral de promoção e discernimento das vocações sacerdotais e da formação dos chamados ao ministério ordenado”[4].

Construtores da comunhão.

6. Na “Novo Millenio Ineunte”, o Santo Padre afirmou que a Igreja deve ser a escola da comunhão entre os homens. O ministério sacerdotal é um serviço contínuo de comunhão. Participação no mistério de Cristo, ele participa da própria comunhão trinitária. “A identidade sacerdotal, como toda e qualquer identidade cristã, encontra na Santíssima Trindade a sua própria fonte”[5].

Esta é uma dimensão apaixonante do nosso ministério: ajudar a construir a Igreja como comunhão de amor. Fazemo-lo, sobretudo, na Eucaristia, sacramento por excelência da comunhão. Presidir à Eucaristia é a mais comovente experiência do sacerdote, porque ele oferece ali a Deus, com Cristo, o fruto de tanta solicitude pastoral, no anúncio da Palavra, no crescimento da fé, na organização da caridade, na solicitude pelos doentes e pelos mais pobres. A Eucaristia reúne todo o nosso esforço apostólico, numa única oferta, que é experiência de comunhão. O sacerdote preside à comunidade, não como chefe, mas como sacramento de comunhão. Ouçamos, a este propósito, o testemunho do Santo Padre João Paulo II: “Não se pode, definir a natureza e a missão do sacerdócio ministerial, senão nesta múltipla e rica trama de relações, que brotam da Trindade Santíssima e se prolongam na comunhão da Igreja como sinal e instrumento, em Cristo, da união com Deus e da unidade de todo o género humano. Neste contexto, a eclesiologia de comunhão se torna decisiva para explicar a identidade do presbítero, a sua dignidade original, a sua vocação e missão no seio do Povo de Deus e do mundo”[6].

As jovens cristãs e as vocações sacerdotais.

7. Queridas jovens! Certamente muitas de vós estareis a pensar: que temos nós a ver com isso, se só os rapazes podem ser padres? Talvez haja mesmo algumas que perguntem: mas porque não podemos, também nós, ser chamadas ao sacerdócio? Esta interrogação está na moda.

A esse respeito garanto-vos uma coisa e peço-vos outra: garanto-vos que se o Espírito de Deus guiasse por aí a sua Igreja, todos nós o aceitaríamos com alegria. Isso não depende da decisão dos homens, nem de processos reivindicativos, mas da maneira como Deus conduz a sua Igreja. E peço-vos que sejais realistas na fé, aceitando a resposta que a Igreja dá a essa questão pelo Magistério do Santo Padre, que vós admirais e amais tanto.

Mas merecer de Deus o dom de vocações sacerdotais não vos é alheio, nem vos pode ser indiferente. O Senhor também vos pode chamar a segui-Lo, numa radicalidade de amor e de dom, para a realização da Sua missão. E eu acredito que há uma complementaridade e uma fecundidade mútua entre todos aqueles que aceitam seguir o Senhor, consagrando-Lhe toda a sua vida. Só o Senhor, que perscruta os corações e garante a harmonia da Sua Igreja, sabe em que medida uma vocação sacerdotal não é o fruto da entrega, no amor virginal, de religiosas e cristãs consagradas no mundo.

E há um contributo específico e explícito, que todas as jovens cristãs podem dar à maturação de uma vocação sacerdotal: compreender e ajudar a construir o “amor novo” sugerido no amor virginal, que para o sacerdote não é uma imposição, mas um dom, expressão da sua identificação com Cristo e da total entrega da sua vida. Os jovens que escolhem o sacerdócio são-vos enviados a vós como pastores. Eles querem amar-vos como Cristo ama a Igreja, vão conviver convosco, estabelecer fortes laços de comunhão, o que supõe que na vossa amizade, na vossa forma de os amar, descubrais a exigência desse amor novo, para que eles possam receber de vós uma força que incentiva e não um obstáculo a vencer. Na fidelidade a Jesus Cristo, seguindo-O como discípulos seus, encontraremos todos, em Igreja, a sabedoria e o gosto de ajudar o Senhor a enriquecer a Sua Igreja com os pastores de que ela precisa.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

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[1] Exortação Apostólica de João Paulo II, Pastores Dabo Vobis, n. 1

[2] Ibidem, n. 5

[3] Ibidem, n. 7

[4] Ibidem, n. 11

[5] Ibidem, n. 12

[6] Ibidem, n. 12

Fonte Ecclesia

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