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Páscoa-Passagem
2003-04-21 17:06:52

Passagem. Este é o sentido primeiro desta palavra que marca a história da humanidade. A passagem de um povo da escravidão à liberdade, a passagem de Deus na história dos homens. E, as passagens de Deus são feitas sempre com a imensa ternura de quem se chama Amor. É um pouco como diz Sebastião da Gama num belíssimo poema: “O Senhor Deus passou... / Passou e não parou... / Mas porque eu sou de barro e o barro é mole, / profundamente me deixou gravada, / no meu corpo de barro, / a Sua subtilíssima Pegada.”

E a nossa vida tem este estranho sabor de passagem, de um tempo que tem sede de eternidade, de um crescimento que se faz em etapas, de uma perfeição que não deixa de nos chamar a ser mais. “Mais luz”, como dizia Goethe ao morrer!

Mas a Páscoa primeira da libertação do Egipto era anúncio da Páscoa de Cristo. A passagem do Filho de Deus pelo coração da humanidade não pôde deixar tudo na mesma. Se Deus se fez homem foi para o introduzir numa relação nova com Deus, consigo próprio, com os outros, com o mundo. Rompe-se o véu que ocultava o rosto de Deus e agora, no rosto de Cristo, podemos ver o Pai. Jesus revela a imensa beleza de cada pessoa e desperta em cada um o seu fundo de bondade. Convida a olhar os outros, não como adversários e inimigos, mas como próximos e irmãos e, portanto, a amá-los. Mostra que é possível viver em harmonia com o mundo criado tão maravilhosamente.

Cada pessoa está sempre em páscoa-passagem. Somos peregrinos de uma vida em que lançamos sementes de que não iremos colher os frutos. Damos vida que nos foi dada como dom e responsabilidade. Mas o medo também desperta em nós as trevas. Construímos castelos e fechamo-nos lá dentro. Fazemos a guerra porque o medo do que pensa diferente ou tem uma pele de cor estranha me torna inseguro. Acumulamos os bens para nos sentirmos importantes. E morremos antes do tempo porque recusamos o amor. Deus conhece o nosso íntimo e sabe como o medo é a morte da alma. Por isso Jesus tantas vezes desafiou os seus a não terem medo! E mesmo na dor suprema da cruz, o medo dá lugar à confiança: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.”

A Páscoa de Cristo continua na Páscoa da Igreja e dos cristãos. Mistura fecunda de dor e de alegria, pois todos somos chamados a morrer e a ressuscitar. Não é preciso dar a vida por tudo aquilo que é importante para que possa haver crescimento? A prova do amor não é morrer por quem se ama? Oh, singela lição das sementes que só dão fruto quando se abrem à vida que está dentro delas!

É esta vida que é preciso todos descobrirem dentro de si. Uma vida capaz de vencer a escuridão da terra e procurar a luz. Uma vida que transforma a indiferença e a mágoa em solidariedade e perdão. Uma vida encantada com a beleza de tudo. Uma vida que contagia o pensar e o agir em profundidade. Sim a vida que tem a marca da ressurreição!

Podemos passar ao lado de tudo isto! Tirar uns dias de férias e metermo-nos no bulício do Algarve, esquecer as imagens do sofrimento no Iraque e das outras guerras agora menos mediáticas, fugir do quotidiano e sonhar com o que não temos. Mas a Páscoa vem bater à nossa porta.

Talvez com os campos floridos da primavera a convidar-nos também a deixar florir os nossos prados interiores. Ou com o rosto de Deus a surpreender-nos no riso de uma criança ou nas rugas de uma avó. Quem sabe se Jesus na cruz não vai olhar-nos nos olhos e vamos descobrir nesse ínfimo momento que o amor é mais forte que tudo. Ou se o aleluia escutado à porta de uma igreja não vai libertar-nos dos grilhões que impedem uma vida mais plena. Gosto tanto destas surpresas com que Deus vem até nós!

E no ritmo das celebrações da paixão, morte e ressurreição de Jesus, renovamos a vida nova que a Páscoa nos dá. São momentos muito intensos, de uma tradição que encarna na realidade das nossas vidas.

Acompanhar os passos de Jesus é vê-los na nossa história de homens e mulheres. É redescobrir a força que brota da aparente derrota, é espantarmo-nos com o que é simples, é apaixonarmo-nos pela verdade e pela justiça. Só então as orações e os cantos têm o sabor de um diálogo de amor! Porque a Páscoa é passagem a mais amor!

P. Vitor Gonçalves


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