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Missão do Papa poderá ser diferente
2001-01-21 18:10:40

Tensão entre autoridade e serviço de unidade, envolvendo as várias confissões cristãs, marcará ministério papal no futuro .

Estamos a atingir, no campo ecuménico, os parâmetros que a consciência conciliar exige?
O CVII continua a ser a grande e insubstituível referência para todos os aspectos da vida da Igreja. Mas, de facto, estamos longe de o termos levado à prática, com todas as suas consequências, nomeadamente no que respeita à tarefa da unidade. E, inclusive, não estamos livres de que alguns dos impulsos conciliares sejam vistos hoje sem aquele horizonte de abertura apontado pelo Concílio.
João Paulo II percebeu esse horizonte quando escreveu a encíclica Ut Unum Sint, em 1995?
A Ut Unum Sint é um dos grandes documentos deste pontificado e, em termos ecuménicos, é um texto excepcional, muito bem acolhido mesmo fora da Igreja Católica. É um documento que faz a recepção do CVII, em termos de leitura e reconhecimento dos caminhos percorridos, e aponta perspectivas de futuro muito promissoras.

Com desafios concretos?
Sem dúvida. Lembro a intensidade com que se apela à conversão como dimensão essencial de todo o caminhar ecuménico, ou a insistência com que se sublinha que a dimensão mais profunda do ecumenismo é o amor à verdade (o que nos obriga e interpela também a nós, católicos). Na parte final, o Papa pede aos responsáveis católicos e de outras confissões cristãs que o ajudem a encontrar formas mais adequadas, no contexto da realidade ecuménica, para o exercício do ministério de Pedro, ao serviço da comunhão universal das Igrejas. São aspectos que denunciam uma consciência profunda sobre a importância fulcral dos caminhos de aproximação entre as Igrejas para a credibilidade e a vitalidade do testemunho cristão no mundo.

Terá consequências o apelo do Papa sobre a sua própria figura?
O exercício do ministério de Pedro poderá ser marcado, no futuro, por uma tensão entre uma autoridade efectiva que se coloca ao serviço da unidade na mesma fé e uma grande capacidade de integração das diversidades existentes nos diversos espaços culturais e nas diversas realizações confessionais do cristianismo. Como? Só o futuro o poderá dizer.

A declaração Dominus Iesus, recentemente publicada pela Congregação para a Doutrina da Fé, recua no diálogo ecuménico?
A Dominus Iesus deve ser colocada no seu alcance preciso. É uma intervenção pontual do magistério, concretamente de uma congregação da Cúria Romana, que tem a sua importância, mas que não está ao mesmo nível de maturação e de importância doutrinal de uma encíclica. Sem dúvida que na Ut Unum Sint se nota um espírito que não se detecta na Dominus Iesus. Esta tem um objectivo diferente, mais limitado, pois refere-se a questões do diálogo inter-religioso e ecuménico com a preocupação de denunciar o risco de algum relativismo. Aborda sobretudo um conjunto de aspectos sobre a centralidade e unicidade salvíficas de Jesus Cristo e o que isso significa também para o entendimento da missão da Igreja.

Por que razão foi tão polémica?
O problema não residirá tanto no que a Dominus Iesus diz (à parte dois ou três pontos concretos), mas mais no que ela não diz, e talvez pudesse ou até devesse dizer.

O que é que não diz?
O problema é que não se explicita aí como é que essa centralidade salvífica única de Jesus Cristo se pode traduzir na compreensão e prática cristãs perante a realidade da vida de muitas pessoas e povos que não conhecem Jesus, para as pessoas de outras religiões ou que vivem mesmo fora de contextos religiosos. Isto criou uma certa insatisfação.

Dizer-se detentor da verdade não prejudica o diálogo?
Não, se nessa afirmação da verdade, reconhecermos que a nossa percepção não é a posse da verdade toda e exclusiva. Pelo contrário. É também abertura de espírito para nos deixarmos surpreender pelos outros e sua percepção da verdade. É sobretudo disponibilidade para nos deixarmos interpelar por Deus, pela Verdade sempre Maior que Ele é e na qual nos introduz, chamando-nos a fazer um caminho e a captar nos outros riquezas que nós, porventura, não temos, quer em termos de compreensão da fé quer em termos de vivência prática.

O ecumenismo é irreversível?
A convicção de que o ecumenismo é algo de irreversível, como o Papa tem reafirmado várias vezes, passa muito pela nossa capacidade de darmos passos concretos no caminho de aproximação entre os cristãos. Por exemplo, o documento de consenso sobre a justificação pela fé é um desses passos concretos, porque representa uma afirmação institucional, por parte da Igreja Católica e por parte dos luteranos, no sentido de reconhecer a fé comum num ponto central quanto ao entendimento do que é a salvação, com todas as suas consequências.

O ecumenismo, em Portugal, é sentido ao nível das bases?
Podemos estar a cair aqui num certo círculo vicioso. Por vezes, não se tomam iniciativas ecuménicas sob o pretexto de que as pessoas não estão preparadas ou sensíveis para esta questão num país como o nosso. Mas se não tomarmos iniciativas, a sua consciência ecuménica também não se desperta nem se desenvolve. Na medida em que não se fomentar a consciência ecuménica das pessoas, nessa mesma medida também está a tolher-se a possibilidade de elas irem crescendo em termos de maturidade da fé.

São necessárias também estratégias pastorais...
Os caminhos do ecumenismo muitas vezes não avançam porque também a nível global há muita dificuldade em ultrapassar as mentalidades e as circunstâncias de uma pastoral de cristandade, em fazer uma formação adequada e contínua da fé, em realizar uma prática sacramental mais amadurecida, em encontrar e desenvolver formas de corresponsabilidade.

Vê abertura para essa corresponsabilidade?
Eu julgo que sim, na medida em que hoje, por razões várias, a necessidade dessa corresponsabilidade é evidente.

A um nível envolvente?
Continuamos, sem dúvida, a ser uma Igreja muito clericalizada, não obstante muitas vezes isso acontecer contra a própria vontade dos ministros ordenados. Mas a realidade é mais forte do que a sua própria vontade. E continuamos a ter também muitos cristãos leigos (na realidade, a maior parte) para quem o estar na Igreja se traduz numa atitude passiva.

Pouco interventivos?
Há que reconhecer também que, na vida das nossas comunidades, há muitos cristãos, homens e mulheres, com um grande sentido de participação e com muita generosidade. Mas uma parte dos leigos activos acaba frequentemente também por reproduzir de forma pouco crível alguns vícios e deformações que vêm ainda do tempo duma Igreja predominantemente clerical.

Como vê a qualidade do nosso catolicismo?
Sem dúvida que a nossa Igreja em Portugal tem feito grandes progressos de consciência no pós-concílio, mas há alguns aspectos que devem ser motivo de grande preocupação.

Por exemplo....
...As estruturas de corresponsabilidade, os níveis relativos à participação de pessoas na transmissão da fé, nomeadamente no serviço de catequese aos mais diversos níveis, alguma ausência de um sentido efectivo de responsabilidade pública a partir da fé. É também preocupante uma certa dificuldade em fomentar-se o diálogo aberto e franco dentro da Igreja no seu conjunto acerca das questões que, afinal, a todos dizem respeito.

Ou seja, a Igreja portuguesa parece estagnada no tempo....
Não diria tanto, porque há indiscutivelmente novas formas de presença e de acção cristãs, novos movimentos, novas possibilidades de intervenção (por exemplo, no campo da comunicação social). Mas parece-me que, em termos de visão corajosa do futuro, de clara definição de prioridades, de coerência global de atitudes, andamos todos ainda um bocado adormecidos.


Fonte DN

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