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O excesso da palavra e a sua banalização
2003-01-30 17:13:45

Já estamos quase em Fevereiro, que começa logo com a festa da apresentação do Menino Jesus no Templo, a Festa das Luzes, das Candeias, mas também da contemplação da Senhora das Dores, aquela espada que Simeão profetizou que lhe havia de trespassar o coração. E o meu pensamento regressa de algum modo no tempo, à novena do Natal, à cena da anunciação a Zacarias, cuja meditação me tem ocupado com alguma insistência desde então, porque contém muitos ensinamentos para o nosso tempo actual e para a leitura cristã dos seus sinais.

Desde sempre me intrigou o sentido enigmático do sinal que é dado pelo Anjo a Zacarias, o seu silêncio, e o sinal dado a Maria, o nascimento miraculoso de João Baptista, do seio estéril e envelhecido de Isabel. No próprio quadro, em Zacarias trata- se de incredulidade, sendo que, no entanto, o pobre ancião mais não terá feito, como a Virgem em Nazaré aliás também, do que manifestar a sua surpresa pelo extraordinário do evento que lhe era anunciado, dadas as circunstâncias, da sua idade avançada e da esterilidade da sua esposa.
Tudo se esclarece se contrapusermos, porque é assim que a Anjo interpreta a atitude de Zacarias, que se traduz no silêncio – quem não acredita não fala, - à de Nossa Senhora, a qual, porque acredita, se põe logo a caminho da casa de Isabel para lhe levar o Evangelho que já transporta no seu seio, a abrir o coração e a alma no seu Magnificat.
Como é importante esta lição de Zacarias, para os nossos dias e a leitura teológica dos seus sinais. Porque hoje, como recentemente ficou mais uma vez demonstrado numa Conferência Internacional sobre a Televisão e os seus efeitos na cultura contemporânea, realizada na Católica em Lisboa, que vivemos na era da comunicação, portanto, não do silêncio, à maneira de Zacarias, mas também não da comunicação, à maneira de Maria, mas naquilo que poderia chamar-se o excesso da palavra e a sua banalização. Quer dizer que há silêncio e silêncio, como há comunicação e comunicação. O importante seria que o homem contemporâneo voltasse a considerar o silêncio de Zacarias, a mudez na falta de fé, e o pôr-se a caminho com Maria, na ânsia de anunciar o Esperado das Nações.
Ainda há dias celebrámos a conversão de S. Paulo e a semana de oração pela unidade dos cristãos. Houve celebrações, houve gestos, e tudo isso é muito importante. Mas perante um por todos reconhecido certo torpor no movimento ecuménico – que, depois da declaração conjunta de Augsburgo de 1999, quase se esperaria que o passo seguinte fosse mesmo a unidade -, afinal assim não é, e talvez nunca será, nesta nossa condição de homo viator, de peregrinos, porque continuam em aberto muitas questões ecumenicamente controversas, concentradas agora especialmente em torno da eclesiologia e dos sacramentos, e aqui, para além das questões teóricas, há o peso da história, que não é com certeza irrelevante. E não devemos sobretudo esquecer o pecado e os dinamismos de cisão inscritos em cada um de nós.
Por isso, no quadro da situação de resto, de fenómeno quase residual que caracteriza o lugar do cristianismo e do catolicismo no mundo, sempre mais pós-moderno e pós-cristão, não seria necessária uma nova atitude, de conversão e de mudança, de regresso ao essencial, àquilo que o Senhor a cada um de nós quer dizer, e colocarmo-nos na auscultação desta Voz da Palavra em Mistério que só à maneira da Virgem Maria se escuta e se acolhe?!... Isto é, por outras palavras, talvez seja necessário cultivar o silêncio de Maria no acolhimento da Palavra, e fazer dos nossos espaços lugares de escuta, de recolhimento, de silêncio de aproximação e de reconciliação. Penso que seja isto que, neste clima cinzento de ameaça e de risco de sempre novas guerras, Deus pede hoje a cada um de nós.

José Jacinto Ferreira de Farias, scj
Joseffarias@netcabo.pt

Fonte Ecclesia

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