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A religião pode ser definida como fenómeno cultural?
2002-12-08 23:33:16

Régis Debray foi ao programa “Acontece”, da RTP2, falar de religião como fenómeno da cultura humana. A agência ECCLESIA foi à procura de reacções e pediu a Eduardo Borges de Pinho, professor de Teologia na Universidade Católica Portuguesa que comentasse esta abordagem.

Religião é indispensável para entender o património artístico e cultural Régis Debray, professor universitário responsável pelo relatório sobre “ensino da religião na escola laica”, em França, foi entrevistado por Frei Bento Domingues no programa “Acontece”, da RTP2, de dia 3 de Dezembro.
O entrevistado realçou que a pertinência do tema religioso na escola publica se coloca desde um ponto de vista cultural: “apercebemo-nos que os alunos já não tinham acesso ao património artístico e literário do passado porque não possuíam as chaves de leitura dessa obras”.
A partir desta constatação, o grupo francês que abordou esta problemática achou que “tinha de abrir, de forma imparcial e desapaixonada, o tema da religião como um tema da nossa cultura.”
Á pergunta se, como consequência desta abordagem, a ideia de Deus não se reduziria a um facto meramente cultural, Régis Debray, autor do livro “Deus: um itinerário”, afirmou que “a religião é algo que vive ainda hoje, de modo que não pode ser entendida apenas como património do passado”, deixando bem claro que “para compreender o mundo é preciso compreender a religião”.

O facto religioso não se resume a um problema de "memória" indispensável e de "saber" adequado
Eduardo Borges de Pinho, professor de Teologia na Universidade Católica que comenta a aproximação à religião desde o prisma da cultura:
“Num primeiro momento, como ponto básico de partida, parece-me importante e pertinente que se veja a religião como um fenómeno cultural, ou antes, que se atente na dimensão cultural da religião. Num mundo onde são bem visíveis, apesar da existência de outros sinais em contrário, as consequências da secularização, numa sociedade onde uma certa miopia laicista tende a não saber reconhecer o valor da experiência religiosa, é significativo que se lembre e sublinhe o papel que a religião/as religiões têm desempenhado no processo de hominização da humanidade e na construção do concreto habitat cultural que nos suporta. Perante os sintomas de ignorância (por vezes, crassa e atrevida!) que frequentemente se encontram nesta matéria, seria de considerar já muito bom se a maior parte das pessoas tivessem, ao menos, a noção de que conhecimentos básicos neste campo fazem parte da bagagem cultural indispensável de uma pessoa verdadeiramente culta em pleno século XXI.

Todavia, a questão não se resume a um problema de "memória" indispensável e de "saber" adequado. Na religião/nas religiões articulam-se as grandes questões do viver humano, o problema do sentido da vida e da morte, a pergunta pelo que é relativo e por aquilo que nos pode obrigar incondicionalmente, a questão de como é possível viver em conjunto como humanidade na construção de um mundo em justiça, liberdade e paz. A este nível, atender à religião como um fenómeno cultural é, no fundo, ter a capacidade de se abrir às grandes questões de humanidade contidas na experiência religiosa.
Se os responsáveis políticos e os agentes educativos percebessem bem este nível da questão religiosa (e não apenas o primeiro, o da "memória" cultural), certamente que iriam um pouco mais longe, e certas questões e dificuldades que se colocam acerca do ensino religioso nas escolas não surgiriam do modo como se apresentam. Entender-se-ia, então, que o que está em jogo, afinal, é a construção de uma personalidade orientada por autênticos valores, o desenvolvimento de uma solidariedade humana fundada em bases mais sólidas, a criação de condições para que a busca humana de felicidade encontre mais possibilidades de algum êxito na vida de cada pessoa.

Claro que, em razão da fé que professa, um cristão não se contentará com isso e terá ainda algo mais a dizer, embora saiba que, a este nível mais profundo, só pode falar de uma experiência que propõe, em liberdade, a outras pessoas. Para ele, religião, vivida como experiência de fé cristã, é adesão pessoal ao acontecimento Jesus Cristo como revelação definitiva do Mistério de Deus na nossa história humana. Ele sabe, assim, que "fé cristã" e "religião" não são exactamente a mesma coisa, ou seja, a fé cristã pressupõe uma experiência religiosa, mas não se esgota nela (o Evangelho de Jesus é mesmo uma clara crítica da absolutização do "religioso" pelo "religioso"). Para o cristão, o que está em causa, então, na vivência da sua fé não é de ordem meramente cultural, mas tem a ver com o sentido último e definitivo das coisas, com o seu projecto pessoal de vida, com todas as dimensões da sua existência quotidiana, com a verdade que ele (como cada ser humano) é chamado a buscar no concreto caminho da sua existência.

Neste nível, traduzido mais de forma existencial que de modo argumentativo, expresso simultaneamente como questão de consciência e tarefa de fidelidade, percebe-se como, afinal, a religião e as suas expressões vivenciais não se deixam nivelar num qualquer simples e igualitário "fenómeno religioso", com um significado meramente cultural.

Fonte Ecclesia

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