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Aperto de cinto nos casamentos
2001-01-14 13:34:23

Alguns católicos, entre os quais os bispos de Braga e de Viseu, querem conter o fausto e os gastos que rodeiam o matrimónio.

UM MOVIMENTO contra a ostentação e os gastos excessivos dos casamentos está a ganhar força no interior da Igreja Católica. Enquanto alguns bispos já se recusaram a autorizar celebrações promovidas por empresas especializadas, em capelas e quintas privadas, entre o clero começam agora a ouvir-se vozes exigindo «uma actuação decidida» capaz de deter a crescente tendência de «privatizar» o matrimónio.

A mais significativa tomada de posição surgiu na reunião dos párocos da arquidiocese de Braga, em Novembro passado. O tema foi discutido por iniciativa do próprio bispo, D. Jorge Ortiga. Na discussão foi mesmo identificada uma imensa listagem de serviços, na qual o acto de casar, considerado pela Igreja como um sacramento, acaba por aparecer apenas como «um pretexto, uma formalidade».

Lógica comercial


A apreciação foi feita por João Peixoto, professor na Faculdade de Teologia do Porto. Num documento de quinze páginas, Peixoto denuncia o que considera «uma lógica comercial» de «efeito perverso» por desvalorizar a celebração religiosa «que é o fulcro de toda esta roda». Para aquele sacerdote católico é aos párocos que compete assumir «a responsabilidade última de tudo o que a celebração do matrimónio envolve, apresentando propostas válidas, nomeadamente ao nível da música e da ornamentação».

Não foi necessário muito tempo para o arcebispo de Braga concretizar a proposta. D. Jorge Ortiga disse ao EXPRESSO que vai «integrar já no programa pastoral 2001/2002 normas para a celebração do casamento».

Recordando que não se pode «privar ninguém de ter uma cerimónia de bom gosto», o prelado concorda, porém, com o padre João Peixoto sobre «a necessidade de se estabelecerem princípios que não retirem ao casamento a dimensão de sacramento e de celebração comunitária».

Preocupações de natureza espiritual não são naturalmente equacionadas pelas empresas fornecedoras de serviços aos noivos. Basta consultar a Internet, para se aceder a mais de uma centena de «sítios» com as mais sedutoras propostas.

«Um casamento no céu» é o que oferece a Véu e Grinalda. Esta empresa do Porto, a exemplo de outras, dá todos os passos pelos nubentes - a escolha das alianças, as lojas onde se deve colocar a «lista de casamento», o vestuário da noiva e do noivo (incluindo «lingerie» e roupa interior), o local e a execução da cerimónia (decoração e animação musical, na igreja e no banquete), aluguer de carros e programa da lua-de-mel. Há ainda empresas a garantir pormenores inesquecíveis: a feitura dos convites e da sua expedição postal, como é o caso da Kitty, na Figueira da Foz. Outras mostram-se zelosas no acolhimento dos noivos atarefados. A Noivos, no Barreiro, por exemplo, funciona até às 24 horas...

Máquina em marcha

«O casamento põe em marcha toda uma máquina verdadeiramente poderosa e cada vez mais sofisticada», reconhece na sua «página» na Internet a Ecorex, promotora da Exponoivos, desde 1995, em Lisboa e Porto. Mário Pinheiro, director da empresa, recorda que a primeira edição da Exponoivos teve pouco mais de cinquenta expositores, enquanto que na deste ano (no passado fim-de-semana) estiveram presentes 219 , visitados por 35 mil pessoas, 90% das quais eram noivos.

No ano passado, o volume de negócios do sector atingiu os 150 milhões de contos, «um crescimento anual entre os 15 e os 20%», salienta o director da Ecorex. Situação a que, curiosamente, não corresponde o ligeiro aumento dos casamentos celebrados - em 1995, casaram 65 776 portugueses (45 229 católicos), e em 1999 (último dado disponível pelo Instituto Nacional de Estatística) 68 710, dos quais 45 673 celebrados pela Igreja.

As quintas da discórdia

Mas o empresário salienta ainda que estão a surgir novas ofertas: um sem-número de quintas, com capela, já organiza tudo, incluindo a boda e a contratação de grupos corais ou de conjuntos musicais.

É o aparecimento destas quintas e dos grupos musicais que mais incomoda a Igreja. Um casamento celebrado numa quinta quase pode ser feito à revelia do pároco - pagam-se taxas na cúria diocesana para se casar fora da paróquia da residência, podendo até escolher o padre.

Experiência por que já passou Manuel Ramos, pároco de Burgães, na diocese do Porto. «Um casal alugou uma quinta com uma capela, onde queriam fazer tudo, desde a celebração ao banquete», recorda o sacerdote.

De seguida, informou o Paço Episcopal da sua oposição a tal projecto, tendo vingado a decisão do sacerdote. No entanto,«as pessoas vão depois para outras dioceses, que aceitam fazer este tipo de casamento», queixa-se o padre Manuel Ramos.

Um bispo que teve mesmo ameaças «de ser levado a Tribunal» foi o de Viseu. D. António Monteiro, além de ter negado autorização «a uma quinta que pretendia fazer casamentos em fila», recusou ainda que «uma empresa fizesse uma capela junto de um restaurante, argumentando em nome da comodidade».

O prelado reconhece que «houve uma atitude de laxismo, por parte da Igreja, que desejou agradar a pessoas de influência, e que se banalizou, passando a constituir uma exploração com base num sacramento».

Por isso, D. António Monteiro apoia «a fixação de um critério igual» em todas as dioceses para que não sucedam queixas como a feita pelo padre Manuel Ramos. E o bispo, que preside à Comissão Episcopal da Família (CEF), garante que no próximo dia 28, numa reunião com as comissões diocesanas da CEF, «vai abordar o problema e fazer uma proposta naquele sentido, para ser apresentada na Conferência Episcopal».

Fonte Expresso

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