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A aula de educação moral e religiosa: à luz da liberdade de ensino e da liberdade religiosa
2002-10-22 20:55:09

A aula de educação moral e religiosa: à luz da liberdade de ensino e da liberdade religiosa

O decreto-lei recentemente aprovado, relativo à organização curricular do ensino básico, vem levantar, de novo, a questão grave do respeito por alguns direitos fundamentais, como os da liberdade de ensino e da liberdade religiosa.


Nos meios católicos o mal-estar é evidente: pais, professores, sacerdotes manifestam o seu inconformismo e estupefacção perante o polémico diploma. O que está em causa, na verdade, é demasiado sério para o deixarmos cair no olvido.
Poderá parecer a alguns que não terá grande importância que se acabe com a aula de educação moral e religiosa para as crianças do primeiro ciclo do ensino básico, nas escolas públicas. Porém, se analisarmos o problema no seu real significado, em toda a sua extensão, à luz do que é verdadeiramente essencial, isto é, do respeito por direitos humanos fundamentais, o caso muda de figura.
A educação moral e religiosa nas escolas tem, de facto, a ver com direitos fundamentais, designadamente, o direito à liberdade de ensino e o direito à liberdade religiosa.
A longa novela da legislação sobre esta matéria é confrangedora e não dignifica os seus autores.

PRIMEIRO, UM ENSINO LIVRE

Comecemos pelo direito à liberdade de ensino. Ninguém, em teoria, ousará pô-lo em dúvida, uma vez que a própria Constituição da República o consagra, para não falarmos já de outros textos internacionais, como Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Ora, no que se refere ao nosso País, não será exagero afirmar que o regime que vigora é um regime que consagra pratica- mente o monopólio do Estado.
Só deixará de existir mono- pólio, quando se reconhecer a paridade entre o ensino privado e o ensino estatal. Uma certa tolerância manifestada pelo ensino privado não pode fazer esquecer o espírito estatista e ditatorial de todo o sistema.
Aos pais deve ser reconhecido o direito inalienável de escolher a escola cujo projecto educativo melhor responda aos seus valores e conceitos de vida. Este direito exige, para não ser uma ficção, que tal paridade abranja também o aspecto económico, ou seja, que quem tem os filhos na escola privada não deva pagar mais do que aqueles que têm os filhos na escola estatal. Os impostos pagos pelos contribuintes não podem ir todos para as escolas públicas. Só assim se poderá falar da liberdade de ensino.
Este é que é o regime de liberdade democrática na educação, contrário naturalmente ao que pretendem algumas forças políticas, que defendem o monopólio do Estado.
É claro que quando se fala de escola privada, pretende-se ainda sublinhar que estas escolas devem possuir o seu projecto educativo próprio. Não pode o Estado impor discricionariamente um modelo único de projecto educativo. Em que princípio se fundamentaria tal imposição?
Se existisse um tal sistema de pluralismo escolar, estaria em boa parte resolvida a questão da educação moral e religiosa. Os pais podiam escolher a escola.
Mas mesmo nas escolas estatais não é legítimo que os poderes públicos imponham uma ideologia determinada, como seria a ideologia laicista, hoje tão em voga.
Quando contemplamos o panorama do ensino em Portugal, não podemos deixar de reconhecer que estamos perante um verdadeiro monopólio de Estado, com as inevitáveis consequências negativas que todos os monopólios acarretam.
É estranho que tudo isto se passe numa sociedade democrática que, por natureza, é uma sociedade respeitadora da liberdade.

LAICIDADE, SIM; LAICISMO, NÃO

Passemos ao direito funda- mental à liberdade religiosa, considerando-o no âmbito do ensino escolar.
Para os cidadãos crentes, a vida humana não pode ser desvinculada, nos seus diversos aspectos, da componente da fé, tenha ela a expressão que tiver. A fé informa toda a existência concreta. Assim, o desenvolvimento cultural e social dos estudantes crentes, que se opera na escola, não pode deixar de ser acompanhado duma adequada reflexão sobre as relações entre a fé e os vários domínios do ensino recebido. Só assim se evita o divórcio, nefasto, entre a fé e a vida. Nefasto para os estudantes e para a própria sociedade.
Para a mentalidade ateia ou agnóstica, que rejeita a fé, o conceito de vida humana e de liberdade é outro; não inclui a formação religiosa. É lógico. Mas não pode é ser imposta, certamente, aos que têm outra visão da realidade.
Pretender impedir que no currículo escolar seja introduzida uma aula de educação moral e religiosa, no espírito do que acaba de ser dito, é evidentemente uma violência, além de constituir um desrespeito pela vontade dos pais que se afirmam crentes. Estamos a falar da fé, no seu legítimo pluralismo: fé católica, protestante, ortodoxa, judaica, islâmica, budista e outras. O que envolve também, naturalmente, o respeito por aqueles que não professam qualquer religião.
Não temos dúvida de que a eliminação da referida disciplina, por mecanismos legais ou administrativos obscuros, tem como consequência produzir uma fé débil e, não raras vezes, um indiferentismo religioso. Será isto que se pretende?
Há que ter a coragem de ultrapassar aspectos menores e ir ao fundo da questão.
Os diplomas legais e disciplinares devem começar por respeitar os direitos universais, os valores fundamentais, e nunca o contrário, sobe pena de carecerem de base consistente.
Estabelecer que o currículum do 1.º cíclo do ensino básico tem 25 horas; e afirmar, em seguida, que a aula de educação moral e religiosa, também ela “curricular”, é na 26.ª hora, não faz sentido.
Por que não ordenar as outras componentes do currículo, de modo que a educação moral e religiosa fique dentro das 25 horas?
Diz-se, para fundamentar a exclusão, que o Estado é laico. Convém dissipar o equívoco. O que se entende por um Estado laico? Numa interpretação cor- recta, Estado laico é aquele que não assume nenhuma confissão religiosa como própria, nem assume, obviamente, o laicismo. O Estado laico é um Estado não confessional, mas também não é um Estado ateu. É um Estado que respeita a confissão religiosa dos cidadãos. Se ao Estado não compete ter religião própria, compete-lhe respeitar, defender e promover a vontade expressa dos cidadãos no que à religião diz respeito.
A inserção da aula de educação moral e religiosa na escola pública, para os alunos de qualquer religião que o pedirem, é pois um dever de qualquer Estado verdadeiramente laico, de qualquer sociedade verdadeiramente democrática.
Estamos, como vimos, perante uma questão que se reveste de particular gravidade. O espírito laicista que domina alguns sectores da sociedade não pode impor normas que contrariam direitos fundamentais.
Os alunos crentes não podem ser impedidos de receber no es- paço escolar uma formação religiosa que acompanhe o seu desenvolvimento cultural. Saibamos não confundir as disciplinas: literárias, científicas, artísticas, sociais, com a formação religiosa. São coisas distintas. Mas não obriguemos a educação religiosa a permanecer à entrada da Escola. Todas as disciplinas, incluindo esta, no caso de estudantes crentes, são factores indispensáveis do processo educativo.
À luz dos direitos da liberdade de ensino e da liberdade religiosa, é difícil entender o que se passa com a aula de educação moral e religiosa.
Os pais católicos e de outras confissões religiosas têm certamente uma palavra a dizer.

D. Maurílio de Gouveia
Arcebispo de Évora

Fonte Ecclesia

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