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E se, num mundo globalizado, partilhássemos mais o nosso tempo e o nosso espaço?
2002-10-23 20:52:14

E se, num mundo globalizado, partilhássemos mais o nosso tempo e o nosso espaço?

Quando escrevi este apontamento era ainda o dia das Missões. Haveria tanto que meditar sobre este tema, quando o Santo Padre nos propõe, com a insistência profética que o caracteriza, o tema do perdão, da reconciliação, da paz e o caminho do diálogo, como método da actividade missionária da Igreja!...


Mas haveria também a recente Carta Apostólica sobre o mistério do Rosário e a introdução dos mistérios luminosos, para a quinta feira!... E haveria ainda temas da nossa sociedade, como a recente reacção dos deputados espanhóis que se sentiram ‘escandalizados’ pelo espectáculo de mau gosto, diria até, anti-cultural a que assistiram no Casino Estoril que parodia a última Ceia de Jesus, em contraste com a surpresa dos ‘portugueses’ perante a notícia de ‘El País’, porque, onde estava afinal a razão de tanto escândalo, se o Presidente da Câmara de Cascais nem se apercebeu de nada, e o actor Júlio César considera, superiormente, que se trata de uma mera reacção fundamentalista de algumas sensibilidades!..., que, aliás, ao que parece, já as não há em Portugal!..., porque aqui ninguém se indigna, nem se sente atingido na sua sensibilidade (que interpretação haveria de fazer-se deste estado?...)!...

Tantos temas para comentar, que deixo aqui neste apontamento apenas registados. Sobre alguns deles voltarei mais tarde. Agora gostava antes de partilhar uma vivência que tive na semana passada, quando, na Gulbenkian, se debatia, em Conferência Internacional, a Globalização, a Ciência e as Religiões.
Foi na minha viagem dos Olivais para a Gulbenkian. Como é muito difícil encontrar lugar para estacionar, decidi tomar um táxi. Era um dia de muita chuva, aquela terça-feira e os táxis eram poucos. Enquanto esperava, aproximou-se uma Senhora, que muito delicadamente me perguntou se eu também estava à espera de um táxi. E, perante a minha resposta afirmativa, insistiu, pedindo desculpa pela ousadia, perguntando-me para onde eu ia. Que ia para a Gulbenkian, respondi. Ah! Vai para as conferências?! Como gostava também de ir. Mas tinha uma reunião na Biblioteca Nacional. E ainda por cima, estava tão atrasada!... E tinha de lá estar às 10.00h e só faltavam 10 minutos!... Se eu não me incomodava que ela fosse comigo, o táxi passava pela Biblioteca, ela pagava o que correspondesse a esse percurso, e talvez eu ainda chegasse a tempo às Conferências, que estava por certo tudo atrasado!... Se me fazia diferença?!... Tomámos o mesmo táxi, e lá fomos a caminho da Biblioteca Nacional e da Gulbenkian. Pela Av. do Brasil, sugeria ela, era mais rápido. Eu sabia, respondi-lhe, porque ia por lá todos os dias para a Universidade Católica. É Professor lá? Sim. De quê? De Teologia. Ah. Por isso você está interessado no tema desta primeira sessão. Pois! E a Globalização? Que podemos fazer para alterar este estado de coisas? Nada. Veja que no outro dia fui assaltada, mesmo à porta do meu prédio!.... Isto está cada vez pior. Depois, é esta globalização dominada pelo dinheiro, e o terrorismo, no ano passado em Nova York.... E agora, no Bali!... Que podemos fazer? Nada!

Mas não será cairmos num certo determinismo que nos aniquila? Apesar de tudo, sugeri, não lhe parece, minha Senhora, que não nos devemos deixar levar pelo desânimo, que cada um de nós, no seu meio, pode fazer alguma coisa, ser mais solidário com os outros, partilhar mais, não ser tão individualista?!... Olhe! Nós aqui, vamos partilhando o mesmo táxi. Não é muito, mas já é alguma coisa.
Entretanto chegámos à Biblioteca Nacional. Ela deu-me cinco euros para ajudar as despesas. Na pressa em sair, ia-se esquecendo do guarda-chuva!... E continuei a viagem para a Gulbenkian. Quanto devo pagar, perguntei ao taxista. Fiquei surpreendido quando o Senhor me disse: cinco euros e setenta e cinco cêntimos. Afinal a Senhora tinha pagado o táxi. A minha partilha com ela fez com que a minha viagem fosse quase de graça, pois ficou-me apenas por um euro.

Fiquei a pensar nisto enquanto ouvia as brilhantes conferências sobre a Globalização e as Religiões, e como tudo seria diferente se todos tivéssemos uma atitude de maior acolhimento e de abertura pelo próximo e com ele partilhássemos o nosso tempo e o nosso espaço. Afinal cheguei a tempo de ouvir tudo. Mas o que me ficou na memória foi a silhueta daquela Senhora que timidamente me pediu que a deixasse viajar comigo no mesmo táxi, naquela manhã chuvosa de Outono em Lisboa!

José Jacinto Ferreira de Farias, scj
Joseffarias@netcabo.pt

Fonte Ecclesia

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